17 Mai 2022
"A pergunta final, certamente simplificada e provocativa, poderia ser: essas IAs serão capazes de avaliar uma obra de arte de forma original em relação ao ser humano ou produzir uma obra artística cujo valor estético seja análogo ao de uma criação humana?", escreve cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cultura e tecnologia. Relação entre arte e inteligência artificial, um tema muito atual no Estado do Vaticano, composto por dois terços dos museus e monumentos.
“Toda tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. Obviamente paradoxal é esta afirmação de Arthur C. Clarke, autor em 1968 daquele 2001: Uma Odisseia no Espaço, que se tornou a base do famoso filme de Stanley Kubrick. No entanto, esse popular escritor de ficção científica, falecido em 2008, sempre se preocupou com a verossimilhança científica de suas criações literárias. O mote que citamos serve de epígrafe ao primeiro ensaio a que nos referimos, até porque cruza ciência e arte, ou seja, a tão exasperada tecnologia da inteligência artificial (IA) e a magia da criação artística.
Escolhi embrenhar-me nesse horizonte tão nebuloso, correndo o risco de cair no "efeito Dunning-Kruger", também conhecido como "paradoxo da incompetência" (ignorância da própria ignorância), porque a IA não é apenas o mantra que é introduzido em quase todos os encontros, mas porque é também objeto de pesquisa no campo da ética e nos diálogos que realizamos no “Pátio dos Gentios” do Vaticano, ou seja, no confronto intelectual entre crentes e não crentes. Além disso, o minúsculo estado do qual sou cidadão, a Cidade do Vaticano é por mais de dois terços ocupada por museus, monumentos artísticos e jardins, de modo que a arte é quase uma das bandeiras ideais da Santa Sé.
Os dois volumes a que agora aludiremos situam-se na encruzilhada entre a criação artística e a elaboração da IA, confiados aos aficionados específicos dos dois caminhos que neles se entrelaçam. Um extraordinário aparato iconográfico constitui, além disso, uma espécie de guia paralelo. É Rebecca Pedrazzi quem descortina o olhar para os "possíveis cenários futuros" da união entre as duas experiências e o faz também interpelando treze artistas de IA com modalidades expressivas muito variegadas (entre eles, sugerimos pela originalidade de sua abordagem a inglesa Anna Ridler, a argentina Sofia Crespo e o italiano Mauro Martino).
Futuri possibili. Scenari d'arte e intelligenza artificiale
O status das relações entre as duas vias é evidente em nível operacional: a IA já é agora uma ferramenta eficaz na proteção de obras e na divulgação didática (exemplares são o Metropolitan e o MOMA de Nova Iorque, como o Tate londrino e o Projeto Google Arts e Culture). Surpreendentes são os chatbots, robôs que desempenham a função de assistentes inteligentes, prontos para apresentar obras de arte e até mesmo interagir com os humanos como se fossem guias. Valiosas também são as tarefas de catalogação, registro, rastreamento através da blockchain, assim como o uso frequente de pagamentos virtuais (muitas vezes através do uso de criptomoedas como a bitcoin) para a troca e o comércio de obras. Também é importante o papel da IA na conservação das obras (a coleção SOLO de Madrid).
Mas o aspecto mais estimulante e provocativo é a proposta de uma “neuroestética”, explorando a geração da percepção da beleza na mente humana, de modo a isolar o processo de atração exercido por uma obra de arte. Transita-se, por este caminho, por um âmbito antropológico onde emergem as questões básicas do humano, a partir dos cânones universais da categoria “beleza” e de sua interação com eventuais paradigmas biológicos. Assim, passa-se, quase sem solução de continuidade, para o segundo livro editado por uma estudiosa da estética, Alice Barale, que convoca vários atores de um campo específico da IA em diálogo com a arte, indicado no subtítulo críptico Be My Gan.
Arte e intelligenza artificiale
O início é histórico mesmo que aparentemente digno de ficção científica: em 2018 a casa de leilões Christie's vendeu a pintura Edmond de Belamy, realizada por um coletivo francês com o auxílio da IA, e logo em seguida a concorrente Sotheby's apresentou uma instalação do alemão Mario Klingemann (também presente no primeiro volume), pioneiro no uso das GAN, ou seja, Generative Adversarial Networks, as redes generativas antagônicas. Como escreve Barale, trata-se de “duas redes neurais que jogam uma contra a outra. Uma, chamada discriminator, é instruída a partir de alguns dados (imagens, textos ou sons). A outra, generator, deve produzir uma nova série de dados, suficientemente parecidos com os iniciais, para que o discriminator possa confundi-los com eles“ e, portanto, aceitá-los.
Em outras palavras, são duas redes equipadas com IA que interagem como as sinapses do nosso cérebro, mas por meio de circuitos elétricos. Colocadas em competição entre si, o generator tem a tarefa de elaborar os dados externos oferecendo uma análise (por exemplo, a imagem de um objeto escondido em uma imagem confusa); o discriminator, com um conhecimento programado ou autoadquirido como aprendizado de máquina, avalia e analisa a produção do primeiro. Diante desse duplo sistema generativo-discriminativo, há muitos questionamentos além das aplicações. Os ensaios presentes no livro tentam aplicar as GANs à criatividade artística, mas indiretamente oferecem vislumbres sobre os processos criativos da mente humana que essas redes aspiram reproduzir ao imitá-los.
A pergunta final, certamente simplificada e provocativa, poderia ser: essas IAs serão capazes de avaliar uma obra de arte de forma original em relação ao ser humano ou produzir uma obra artística cujo valor estético seja análogo ao de uma criação humana?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As diversas modalidades de criação. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU