Guerra, choque e indignação. O dilema da linha vermelha. Artigo de Jürgen Habermas

Reprodução do Facebook de Zelensky

10 Mai 2022

 

"Ao impor drásticas sanções desde o início, o Ocidente não deixou dúvidas sobre a sua participação de fato nesse conflito. Agora, ele deve avaliar atentamente se, em cada nível adicional de apoio militar, ele não está cruzando a fronteira indeterminada da entrada formal na guerra – indeterminada porque depende do poder de definição do próprio Putin".

 

A opinião é de Jürgen Habermas, filósofo alemão, em artigo publicado originalmente no jornal Süddeutsche Zeitung e reproduzido em italiano por Reset, 06-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

77 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e 33 anos após o fim de uma paz preservada com o equilíbrio do terror, embora apenas ameaçado, voltaram às nossas portas as imagens chocantes de uma guerra arbitrariamente desencadeada pela Rússia.

 

Como nunca antes, a presença midiática desta guerra domina a nossa vida cotidiana. Um presidente ucraniano que conhece bem o poder das imagens é capaz de criar mensagens poderosas, enquanto as cenas cotidianas de destruição nua e crua e sofrimento atroz encontram um eco autorreforçador nas redes sociais digitais ocidentais.

 

As notícias da midiatização e da publicização calculada de um evento bélico imprevisível podem impressionar mais a nós, idosos, do que aos jovens, acostumados ao novo sistema midiático.

 

Encenação hábil ou não, são fatos que põem à dura prova os nossos nervos e cujo efeito chocante é reforçado pela consciência da proximidade territorial desta guerra. Assim, entre os espectadores ocidentais, cresce a inquietação diante de cada morte, o choque diante de cada assassinato, a indignação diante de cada crime de guerra e até mesmo o desejo de fazer algo a respeito.

 

O pano de fundo racional em que essas emoções fervilham em todo o país é o evidente posicionamento contra Putin e um governo russo que lançou uma guerra maciça de agressão em violação ao direito internacional e que está buscando um modo sistematicamente bárbaro de travar a guerra em violação ao direito internacional humanitário.

 

Apesar dessa postura unânime, está emergindo uma abordagem diferenciada entre os governos da aliança dos Estados ocidentais; e na Alemanha irrompeu uma acalorada batalha de opiniões. alimentada pela mídia, sobre a natureza e a extensão da ajuda militar a uma Ucrânia duramente atingida.

 

As demandas da Ucrânia, inocentemente agredida, transformam inexoravelmente os erros de avaliação política e os caminhos equivocados dos governos federais anteriores em uma chantagem moral. São demandas tão compreensíveis e naturais quanto as emoções, a compaixão e a necessidade de ajudar que elas desencadeiam em todos nós.

 

Limiar de risco

 

Mesmo assim, fico irritado com a autoconfiança com que os acusadores moralmente indignados na Alemanha se levantam contra um governo federal reflexivo e cauteloso. Em uma entrevista ao Der Spiegel, o chanceler resumiu a sua política em uma frase: “Estamos enfrentando o sofrimento que a Rússia está infligindo à Ucrânia com todos os meios à nossa disposição, tentando evitar uma escalada incontrolável que desencadeie um sofrimento incomensurável em todo o continente, talvez até no mundo inteiro”.

 

Tendo o Ocidente decidido não intervir nesse conflito como beligerante, existe um limiar de risco que exclui um compromisso ilimitado de armar a Ucrânia. Ela foi mais uma vez trazida à tona pelo apoio do governo alemão aos aliados na reunião de Ramstein, assim como pela renovada ameaça de Lavrov de usar armas nucleares. Quem ignora esse limiar e continua empurrando o chanceler alemão cada vez mais nessa direção, com um teor agressivo e confiante, ignora ou entende mal o dilema em que o Ocidente se encontra, já que ele amarrou as próprias mãos sozinho com a decisão, também esta moralmente fundamentada, de não fazer parte dessa guerra.

 

O dilema que obriga o Ocidente a sopesar arriscadamente as alternativas no espaço entre dois males é claro: uma derrota da Ucrânia ou a escalada de um conflito que pode acabar em uma terceira guerra mundial. Por um lado, aprendemos a lição da Guerra Fria de que uma guerra contra uma potência nuclear não pode ser “vencida” em nenhum sentido razoável, pelo menos não pela força militar dentro dos claros termos de um conflito quente. O potencial de ameaça nuclear significa que a parte ameaçada, possuidora ou não de armas nucleares, não pode pôr fim à insuportável destruição causada pelo uso da força militar com uma vitória, mas no máximo com um compromisso que salve a face de ambas as partes. Nenhuma deve sofrer uma derrota que a faça sair do campo de batalha como uma “perdedora”. As negociações pelo cessar-fogo que estão ocorrendo concomitantemente com os combates são uma expressão dessa consciência: elas permitem por enquanto considerar o inimigo como um possível parceiro de negociação.

 

O potencial de ameaça russo depende, com todas as evidências, do fato de o Ocidente acreditar que Putin é capaz de empregar armas de destruição em massa. Na realidade, durante as últimas semanas, a CIA já alertou para o perigo real de que as chamadas armas nucleares “pequenas” (que aparentemente só foram desenvolvidas para tornar novamente possíveis as guerras entre potências nucleares) possam ser usadas. Isso dá ao lado russo uma vantagem assimétrica sobre a Otan, que, devido à escala apocalíptica de uma potencial guerra mundial – com a participação de quatro potências nucleares – não quer fazer parte desse conflito.

 

Ora, é Putin quem decide quando o Ocidente cruza o limiar definido pelo direito internacional – além do qual ele considera, mesmo que formalmente, o apoio militar do Ocidente à Ucrânia como uma participação na guerra. Diante do risco de uma conflagração mundial, que deve ser evitada a todo o custo, a indeterminação dessa decisão não deixa espaço para arriscados jogos de pôquer.

 

Mesmo que o Ocidente fosse cínico o suficiente para considerar o risco implícito na “advertência” de que tal arma nuclear “pequena” possa ser empregada – isto é, aceitar tal desdobramento em um cenário pior – quem poderia garantir que tal escalada possa ser parada? O que resta é uma margem de argumentação que deve ser atentamente sopesada à luz dos necessários conhecimentos especializados e de todas as informações exigidas, nem sempre disponíveis ao público, para pode tomar decisões fundamentadas.

 

Ao impor drásticas sanções desde o início, o Ocidente não deixou dúvidas sobre a sua participação de fato nesse conflito. Agora, ele deve avaliar atentamente se, em cada nível adicional de apoio militar, ele não está cruzando a fronteira indeterminada da entrada formal na guerra – indeterminada porque depende do poder de definição do próprio Putin.

 

Política do medo

 

Por outro lado, como bem sabe a Rússia, devido a essa assimetria, o Ocidente não pode se dar ao luxo de ser chantageado à vontade. Se ele simplesmente tivesse que abandonar a Ucrânia à sua sorte, isso não seria apenas um escândalo do ponto de vista político e moral, mas também seria contra o seu próprio interesse. Isso porque ele deve estar pronto para jogar de novo na mesma roleta russa na Geórgia ou na Moldávia – e quem poderia ser o próximo?

 

Certamente, a assimetria que leva o Ocidente a um beco sem saída de longo prazo persiste apenas enquanto ele continua evitando – com boas razões – o risco de uma guerra nuclear mundial. Consequentemente, o argumento de que Putin não deveria ser encurralado porque, então, ele seria capaz de tudo é contrastado pelo fato de que apenas essa “política do medo” dá ao adversário uma carta branca para empurrar passo a passo rumo a uma escalada do conflito, como ressaltou Ralf Fücks recentemente neste jornal (Süddeutsche Zeitung).

 

Esse argumento, naturalmente, também apenas confirma a natureza de uma situação essencialmente imprevisível. Enquanto estivermos determinados, com boas razões, a evitar fazer parte dessa guerra para proteger a Ucrânia, o tipo e a extensão do apoio militar também devem ser qualificados à luz de tais considerações. Quem se opõe a perseguir uma “política do medo” de modo racionalmente justificável já se encontra no âmbito daquela argumentação sobre a qual o chanceler Olaf Scholz insiste corretamente, a saber, de uma ponderação politicamente responsável e de uma avaliação exaustiva dos fatos.

 

Trata-se de prestar atenção àquilo que consideramos como a interpretação compartilhável de Putin de um limite legalmente definido que impomos a nós mesmos. Os acalorados opositores da linha do governo são incoerentes quando negam as implicações de uma decisão fundamental que não questionam. A decisão de não participar não significa que o Ocidente deve deixar – up to the point of immediate involvement – a Ucrânia entre ao seu destino na luta contra um adversário superior.

 

O fornecimento de armas pode obviamente ter um impacto positivo no curso da guerra, que a Ucrânia está determinada a perseguir mesmo às custas de graves sacrifícios. Mas não é, talvez, uma piedosa ilusão apostar em uma vitória ucraniana contra a guerra assassina da Rússia sem pegar em armas pessoalmente? A retórica belicista não se adapta ao palco do qual provém ruidosamente. Pois ela não minimiza a imprevisibilidade de um adversário que poderia apostar tudo em uma única carta.

 

O dilema do Ocidente é que ele só pode indicar para Putin – que também poderia estar pronto para uma escalada nuclear – o princípio da integridade das fronteiras estatais na Europa e fornecer um apoio militar autolimitado à Ucrânia. Uma ajuda que fica deste lado da linha vermelha de um envolvimento direto na guerra, conforme definido pelo direito internacional.

 

A fria ponderação de uma ajuda militar autolimitada é ainda mais complicada pela avaliação dos motivos que levaram o lado russo a uma decisão evidentemente mal calculada. A atenção na pessoa de Putin levou a especulações desenfreadas, que as nossas mídias principais estão espalhando hoje como nos melhores dias da sovietologia especulativa.

 

A imagem hoje predominante do Putin resolutamente revisionista deve ser pelo menos confrontada com uma avaliação racional dos seus interesses. Embora Putin acredite que a dissolução da União Soviética foi um erro enorme, a imagem do visionário excêntrico que – com a bênção da Igreja Ortodoxa Russa e sob a influência do ideólogo autoritário Alexander Dugin – vê a gradual restauração do Grande Império Russo como o trabalho da própria vida política dificilmente pode refletir toda a verdade sobre o seu caráter.

 

Mas, com base em tais projeções, difundiu-se a hipótese de que as intenções agressivas de Putin se estendem para além da Ucrânia, para a Geórgia e a Moldávia, depois para os membros da Otan dos Estados bálticos, para finalmente avançar dentro dos Bálcãs.

 

É possível “vencer” esta guerra contra uma potência nuclear?

 

O quadro da personalidade de um fervoroso nostálgico da história se contrapõe a um curriculum vitae de ascensão social e à carreira de um racional calculador treinado pela KGB. Um homem ambicioso de poder a quem a virada a oeste da Ucrânia e o movimento de resistência na Bielorrússia fortaleceram a inquietação em relação aos protestos políticos nos círculos progressivamente mais liberais da própria sociedade russa.

 

Nessa perspectiva, as repetidas agressões russas seriam mais bem entendidas como a resposta frustrada à recusa do Ocidente em negociar a agenda geopolítica de Putin – especialmente o reconhecimento internacional das suas conquistas em violação ao direito internacional e a neutralização de uma “zona-tampão” que deveria incluir Ucrânia.

 

O espectro dessas e de outras especulações semelhantes só aprofunda a incerteza de um dilema que “requer extrema cautela e moderação”, como concluiu a instrutiva análise de Peter Graf Kielmansegg no Frankfurter Allgemeine Zeitung, do dia 19 de abril de 2022.

 

Como se explica então o acalorado debate interno sobre a política de solidariedade com a Ucrânia repetidamente confirmada pelo chanceler Scholz em acordo com os parceiros da União Europeia e da Otan? Para desvendar as questões, deixarei de lado a disputa sobre a política de distensão com um Putin imprevisível. Esta foi bem-sucedida até o fim da União Soviética e também além, mas hoje se revelou como um erro cheio de consequências.

 

Da mesma forma, não vou abordar os erros dos governos alemães ao se tornarem dependentes das importações de petróleo russo barato, mesmo que sob a pressão da economia. A memória curta das controvérsias de hoje será um dia julgada pelos historiadores.

 

Ilusões pacifistas

 

A situação é diferente no debate que, sob o nome significativo de “nova crise da identidade alemã”, já enfrenta as consequências da “virada epocal”, inicialmente referida de forma sóbria à Ostpolitik alemã e ao orçamento da defesa. O que se vislumbra é o anúncio de uma mudança histórica na mentalidade pós-bélica dos alemães, conquistada com esforço e repetidamente denunciada pela direita. Trata-se do fim de uma forma de fazer política na Alemanha, baseada, em primeiro lugar, no diálogo e na manutenção da paz.

 

Essa leitura se fixa no exemplo daqueles jovens que foram educados para serem sensíveis às questões normativas, que não escondem as suas emoções e são os mais insistentes em pedir um compromisso mais forte. Eles dão a impressão de que a realidade completamente nova da guerra os arrancou das suas ilusões pacifistas. Isso também lembra a ministra das Relações Exteriores [Annalena Baerbock] – transformada em um ícone – que, desde o início da guerra, deu expressão autêntica ao choque sentido por muitos com gestos críveis e uma retórica do desconforto.

 

Não é que ela não represente também a compaixão e o impulso a ajudar tão difundidos na nossa população; mas ela também deu uma forma convincente à identificação espontânea com o impulso veementemente moralizador de uma liderança ucraniana determinada a vencer.

 

Desse modo, tocamos o cerne do conflito entre aqueles que se apressaram com ênfase a assumir a perspectiva de uma nação que luta pela sua liberdade, os seus direitos e a sua vida, e aqueles que aprenderam uma lição diferente com as experiências da guerra fria e – justamente como os manifestantes nas nossas ruas – desenvolveram uma mentalidade diferente. Alguns só podem imaginar uma guerra sob a alternativa da vitória ou da derrota; outros sabem que as guerras contra uma potência nuclear não podem ser “vencidas” no sentido tradicional da palavra.

 

Em linhas gerais, as mentalidades mais nacionais e mais pós-nacionais das populações são o pano de fundo das diferentes atitudes em relação à guerra em geral. Essa diferença fica clara quando se compara a admirável resistência heroica e a evidente vontade de sacrifício da população ucraniana com aquilo que se esperaria – generalizemos – das “nossas” populações da Europa ocidental em uma situação semelhante.

 

A nossa admiração se mistura com um certo espanto pela certeza da vitória e a coragem intacta na luta dos soldados e dos recrutas de todas as idades, determinados a defender a sua pátria de um inimigo militarmente muito superior.

 

Mentalidade pós-heroica

 

Por outro lado, no Ocidente contamos com exércitos profissionais, que pagamos para que não tenhamos que pegar em armas em caso de necessidade e para sermos defendidos por soldados profissionais.

 

Essa mentalidade pós-heroica pôde se desenvolver na Europa ocidental – se ainda posso generalizar – durante a segunda metade do século XX sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos. Diante da possível devastação de uma guerra nuclear, espalhou-se entre as elites políticas e a esmagadora maioria da população a ideia de que os conflitos internacionais só podem ser resolvidos fundamentalmente por meio da diplomacia e das sanções – e que, no caso da deflagração de um conflito militar, a guerra deve ser resolvida o mais rápido possível.

 

Considerando o risco difícil de se calcular de um desdobramento de armas de destruição em massa, de fato, ela não pode mais ser levada a termo no sentido clássico com uma vitória ou uma derrota. Como disse Alexander Kluge: “Com a guerra, só se pode aprender a fazer a paz”. Esse ponto de vista não se traduz necessariamente em um pacifismo de princípios, ou seja, a paz a qualquer preço.

 

A orientação para pôr fim à destruição, ao sofrimento humano e à descivilização o mais rápido possível não equivale ao pedido de sacrificar uma existência politicamente livre sobre o altar da mera sobrevivência. O ceticismo em relação à violência militar encontra um limite prima facie quando se considera o preço de uma vida sufocada pelo autoritarismo – uma existência em que até mesmo a consciência da contradição entre normalidade forçada e vida autodeterminada desapareceria.

 

Eu explico a conversão dos nossos ex-pacifistas, acolhidos pelos intérpretes de direita da virada epocal, como o produto da confusão dessas duas mentalidades contemporâneas, mas historicamente não simultâneas. Esse grupo distinto compartilha a confiança dos ucranianos na vitória, mas está principalmente indignado com as violações do direito internacional. Depois de Bucha, o slogan “Putin em Haia!” se espalhou tão rápido quanto o vento. Isso geralmente sinaliza a autoevidência dos padrões normativos que nos acostumamos a aplicar às relações internacionais, ou seja, a real extensão da mudança das expectativas correspondentes e da sensibilidade humanitária entre a população.

 

Na minha idade, não escondo uma certa surpresa: quão profundamente deve ter sido lavrado o terreno das autoevidências culturais em que vivem hoje os nossos filhos e netos, se até mesmo a imprensa conservadora pede a intervenção dos promotores de um Tribunal Penal Internacional que, no entanto, não é reconhecido nem pela Rússia, nem pela China, nem mesmo pelos Estados Unidos?

 

Infelizmente, tais realidades também traem os fundamentos ainda vazios de uma identificação apaixonada com acusações morais cada vez mais estridentes com a moderação alemã. Não que o criminoso de guerra Putin não mereça ser levado perante tal tribunal; mas ele ainda ocupa um posto com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e pode continuar ameaçando os seus adversários com armas nucleares.

 

Um fim da guerra, ou pelo menos um cessar-fogo, ainda deve ser negociado com ele. Não vejo nenhuma justificativa convincente para o pedido de uma política que – apesar dos sofrimentos excruciantes e cada vez mais insuportáveis das vítimas – ponha de fato em risco a decisão, além disso fundamentada, de não participar desta guerra.

 

A conversão dos ex-pacifistas leva a erros e a mal-entendidos

 

Os aliados não deveriam culpar uns aos outros pelas mentalidades políticas diferentes que são explicadas com desdobramentos históricos diferentes. Eles deveriam aceitá-las como um fato e levá-las sabiamente em consideração na sua cooperação. Mas, enquanto essas diferenças de perspectiva permanecerem em segundo plano, elas causam apenas uma confusão emocional, como no caso da reação dos parlamentares aos apelos morais do presidente ucraniano no seu discurso em vídeo no Bundestag.

 

Trata-se de uma confusão entre reações de aprovação imediata, simples compreensão da perspectiva do outro e oportuno autorrespeito. Negligenciar as diferenças historicamente fundadas na percepção e na interpretação das guerras não leva apenas a erros significativos no trato com o outro, como no caso da abrupta retirada do convite dirigido ao presidente alemão. Pior ainda, leva a uma recíproca incompreensão sobre o que o outro efetivamente pensa e quer.

 

Essa consciência também coloca a conversão dos ex-pacifistas sob uma luz mais sóbria. Porque tanto a indignação quanto o horror e a compaixão, que formam o pano de fundo motivacional no curto-circuito das suas demandas, não podem ser explicados com uma rejeição das orientações normativas que os chamados realistas sempre ridicularizaram.

 

Em vez disso, eles derivam de uma leitura prescritiva demais daqueles princípios. Eles não se converteram em realistas, mas literalmente se lançaram ao realismo. É claro que não pode haver julgamentos morais sem sentimentos morais, mas o julgamento generalizante, por sua vez, corrige a gama limitada das emoções estimuladas pela proximidade.

 

Afinal, não é por acaso que os autores da “virada epocal” são aqueles expoentes da esquerda e dos liberais que – diante de uma constelação de grandes potências drasticamente modificada e à sombra das incertezas transatlânticas – querem agir seriamente em resposta a uma consciência esperada há muito tempo, isto é, que uma União Europeia não disposta a ver o seu estilo de vida social e político desestabilizado a partir de fora ou minado a partir de dentro só se tornará politicamente capaz de agir se conseguir também se manter de pé sozinha militarmente.

 

A reeleição de Macron oferece uma última prorrogação. Mas devemos antes encontrar uma saída construtiva para o nosso dilema. Essa esperança se reflete na cautelosa formulação do objetivo de que a Ucrânia não pode perder esta guerra.

 

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