30 Abril 2022
Apesar das profundas cicatrizes das históricas tentativas de suprimir a cultura dos povos indígenas do Canadá, existem iniciativas para dar à espiritualidade das Primeiras Nações (First Nations) um maior espaço na fé católica.
A reportagem é de Alexis Gacon, publicada por La Croix International, 28-04-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“A primeira vez que fiz uma dança do sol durante uma missa, um paroquiano me disse: ‘Você está se movendo muito rápido, não estamos prontos para isso!’”, lembra o padre François Paradis, Oblato de Maria Imaculada (OMI), missionário na província canadense de Alberta.
“Há muito tempo me interesso em saber como se expressa a fé dos povos indígenas”, explica o padre de 75 anos com barba e longos cabelos brancos.
O padre Paradis, que comemora o 50º aniversário de sua ordenação sacerdotal neste ano, estudou as crenças tradicionais dos povos das Primeiras Nações por um longo tempo antes de começar a adicionar alguns de seus elementos às celebrações litúrgicas.
“Ainda sou um novato, mas estou incorporando danças e práticas indígenas que me permitem expressar minha fé católica de maneira diferente”, explica.
Ele está particularmente envolvido em cerimônias que acontecem em “cabanas de suor”.
“Existem ritos de cura e, no calor e desconforto, você pode ter grandes experiências espirituais”, diz ele.
“Mas há perguntas: Deus quer que eu me aproxime tanto das espiritualidades indígenas? É um longo caminho de reflexão”, acrescenta o padre Paradis, ressaltando que seus confrades oblatos compartilham de sua abordagem.
Louise Royer, diretora do escritório de pastoral social da Arquidiocese de Montreal, observa que uma tentativa de inculturação ocorreu após o Concílio Vaticano II (1962-65).
“Introduziram-se práticas e símbolos de espiritualidades tradicionais”, diz ela.
“Muitos fiéis resistiram a esse movimento porque queriam se distanciar do que podia ser percebido – e que lhes havia sido apresentado – como práticas pagãs. Mas o movimento continua”, diz Royer.
Cabana de suor. Foto: Ali Eminov | Flickr CC
Até meados do século XX, as práticas espirituais indígenas eram demonizadas no Canadá.
A Lei Indígena de 1895 proibiu certos rituais, incluindo a dança do sol.
Nicole O'Bomsawin, membro da tribo Abenaki, foi obrigada a se tornar católica quando menina.
“Na época, era assim, precisávamos silenciar nossas crenças. Mas os padres não sabiam o que tínhamos na cabeça, para quem exatamente estávamos rezando”, lembra ela.
“Como meu avô costumava dizer, se você diz ‘Grande Espírito’ ou ‘Deus’, eles não são duas figuras diferentes”, diz O'Bomsawin, um antropólogo originário de Odanak, uma reserva Abenaki ao norte de Montreal.
O Grande Espírito, de acordo com a Enciclopédia Canadense, é “um herói mítico que mergulhou, ou ordenou que outros animais mergulhassem, nas águas originais para trazer de volta a lama da qual a Terra foi formada”.
O padre Peter Bisson, que é assistente da Província Jesuíta do Canadá para Relações Indígenas, diz que a Companhia de Jesus tem feito mais esforços na última década para entender melhor as espiritualidades das Primeiras Nações.
Ele começou sua própria educação sobre o assunto, por assim dizer, em 2008.
Foi quando o Canadá criou a Comissão de Verdade e Reconciliação para entender melhor os efeitos das escolas residenciais sobre os povos das Primeiras Nações.
As crianças indígenas eram obrigadas a frequentar essas instituições. Eles foram proibidos de falar em suas línguas nativas e muitos foram abusados. Milhares até morreram.
A comissão concluiu com recomendações para uma maior igualdade.
“Isso me interessou pela reconciliação e pela sabedoria deles”, diz o padre Bisson.
Desde então, ele vem aprofundando sua compreensão das crenças indígenas organizando grupos de discussão presididos por povos das Primeiras Nações.
“É apenas ouvir, não uma discussão. Não se trata de resolver problemas, como os causados por escolas residenciais”, ressalta o jesuíta.
“Estamos deixando para trás nossos velhos hábitos do colonialismo, de querer oferecer algo a eles, como se soubéssemos mais do que eles... É um desafio humilhante para a Igreja”, admite.
O padre Bisson observa que os povos indígenas enfatizam mais naturalmente os aspectos espirituais da vida.
“A relação deles com a natureza é mais clara, mais direta. E agora, com a transição ecológica, precisamos da ajuda das espiritualidades indígenas para reintegrar uma forte ligação espiritual entre nós e nosso meio ambiente”, diz.
“Tenho duas esperanças: a descolonização de nossa mentalidade cristã e da ecologia. Se estivermos mais interessados na natureza, ouviremos mais os nativos e suas crenças e nos entenderemos melhor”.
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Canadá. Os povos indígenas e a fé católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU