29 Abril 2022
Economista Eduardo Costa Pinto aponta: em meio ao empobrecimento dos trabalhadores e da classe média, lucros das maiores empresas cresceram 22%. Redução dos salários é o principal fator: elas desistiram da tecnologia e apostam na chibata.
A reportagem é de Tiago Pereira, publicada por Rede Brasil Atual, 27-04-2022.
Mesmo ante o crescimento praticamente zero da economia brasileira nos últimos anos, o apetite da “megaburguesia” do país é cada vez maior. É o que revela estudo produzido pelo professor de Economia Eduardo Costa Pinto, vice-diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ). Desde 2016, com a chamada “Ponte para o Futuro” do governo Temer, aprofundada por Bolsonaro, os lucros dessa parcela da população crescem a “taxas chinesas”, afirma.
Nesse período, no entanto, a economia brasileira vem andando praticamente de lado. Entre 2017 e 2019, o PIB variou entre 1,3% e 1,8%. Em 2020, primeiro ano da pandemia, veio o tombo de -3,9%, seguido de alta de 4,6%, no ano passado. Por outro lado, em 2021, a taxa de lucro das 240 maiores empresas de capital aberto cresceu 22%, quase cinco vezes mais que o PIB do país.
À RBA, o professor explica que esse aumento dos ganhos da “megaburguesia” tem relação com diversos fatores. Ele cita a recente alta das commodities no mercado internacional, além de fusões e aquisições entre empresas, que vêm concentrando ainda mais o mercado e reduzindo a concorrência. Mas a redução dos custos da mão de obra é o principal. Em outras palavras, conclui o pesquisador, o enriquecimento destes poucos é efeito direto da “reforma” trabalhista levada a cabo por Temer e aprofundada com Bolsonaro.
O primeiro gráfico mostra a evolução da taxa de lucro líquido das 240 maiores empresas de capital aberto, incluindo privadas e estatais (como a Petrobras). É possível perceber que o salto nos lucros é puxado principalmente pelas não financeiras, mais intensivas em mão de obra. Por outro lado, o setor financeiro, por exemplo, é praticamente imune às condições objetivas da economia, mantendo elevadas taxas de lucro em toda a última década. Enquanto que as empresas não financeiras amargaram resultado negativo, em 2015, por exemplo, os grandes bancos e gestoras de ativos avançaram 15%.
Já o segundo gráfico demonstra que, entre as maiores empresas do setor produtivo não financeiro, o crescimento nas taxas de lucro foi puxado principalmente pela indústria de bens de consumo de duráveis e não duráveis, e pela indústria de transformação (máquinas e equipamentos). Os grandes empresários do setor de serviços (que inclui o comércio), por exemplo, registraram crescimento inferior nos últimos anos.
Para Costa Pinto, o comércio e os serviços também se beneficiaram da redução nos custos da mão de obra. Mas a redução do poder de compra da maioria da população, principalmente entre as camadas mais pobres, já vem afetando os lucros desse setor, já que vem caindo sua receita. Por sua vez, os setores industriais vendem produtos de maior valor agregado, voltados principalmente para as classes médias. Assim, o aumento da concentração de renda não chega a ser um empecilho, ao menos até aqui.
“Qual o limite desse movimento de arrocho em cima do trabalhador? Não dá para ter muita certeza, porque o Brasil tem uma escala muito grande. Estamos falando do conjunto de 88 milhões de ocupados. Mas se a gente olha os trabalhadores mais bem pagos, esses não necessariamente perderam renda. O que significa dizer que 30% da população ainda mantém um padrão de renda elevado.”
Costa Pinto destaca que, no ano passado, 88 milhões de pessoas receberam R$ 822 bilhões pela venda de sua força de trabalho, enquanto esse pequeno grupo de grandes empresários/investidores tiveram R$ 218 bilhões de dividendos. Cerca de um quarto dos ganhos totais de todo o conjunto dos trabalhadores. Além disso, o rendimento real médio do trabalhador caiu 7% em 2021, na comparação com o ano anterior.
“Se os salários caíram 7%, e o PIB cresceu 4,6%, quer dizer que necessariamente todo esse crescimento do PIB foi engolido pela megaburguesia”, diz o professor. “Esse pequeno grupo que opera no Brasil comeu praticamente o bolo todo. Na verdade, o que cresceu do bolo, eles comeram tudo. Não é um fator isolado, mas um dos elementos que explica isso é a redução dos custos, sobretudo os custos associados à força de trabalho. É uma das dimensões daquilo que eu chamo de butim.”
O termo é usado pelo economista para identificar o avanço dos interesses do capital sobre os direitos dos trabalhadores e do patrimônio público, desde o golpe do impeachment de 2016, como forma de ampliar ganhos, estratégia que inclui as privatizações de estatais.
Pesquisa recentemente publicada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou que 25,5% dos entrevistados estão preocupados com a queda no consumo. O estudo ouviu 1.842 representantes do setor – incluindo não só a “megaburguesia” empresarial, mas também médios e pequenos industriais.
“Minha impressão é que a pequena e média burguesia ficaram com migalhas desse bolo”. Aliás, segundo o economista, o “bolo está sendo “espremido” pelas grandes empresas, que têm maior capacidade financeira e controlam a maior parte do mercado.
Porém, mesmo com os sinais de estrangulamento da economia, não estão dispostos a aceitar a restauração dos direitos trabalhistas, que possibilite a recuperação do mercado consumidor. Isso porque foi justamente a redução dos custos da mão de obra que possibilitou essas “migalhas”.
“Esse pessoal não vai querer aumentar os salários”, afirma ainda o pesquisador. “É contraditório e dialético. Se eu der um salário maior, vai comprimir a migalha que eu ganhei. Eles receberam essa migalha, mas está sendo espremida pela megaburguesia, que ficou com o bolo quase inteiro. A redução do custo de trabalho serviu para todo mundo, mas com impactos diferentes.”
Para Costa Pinto, os pequenos e médios empresários tomaram um espécie de “boa noite, Cinderela”, ao compactuar com as propostas defendidas pelos grandes. “Vai ser difícil esse pessoal acordar. Porque, ao mesmo tempo, eles estão imprensados. Para aumentar a sua migalha, a economia teria que crescer. Mas não vai crescer, dado o tipo de política atual”.
O economista destaca que o governo Dilma tentou favorecer o aumento da produtividade para o setor industrial brasileiro. A redução dos custos de energia e das taxas de juros, além das desonerações para diversos setores, foram apostas nesse sentido. Por outro lado, tentou manter também a política de valorização dos salários. No entanto, as taxas de lucro da “megaburguesia” continuou declinando, entre 2010 e 2015.
“Então eles passaram a defender a redução dos custos do trabalho. Para mim está cada vez mais claro. Essa é a “Ponte para o Futuro”. E eles foram exitosos. Quem sobreviveu, voltou a ter margem de lucro elevada”, diz o professor. Ele afirma que, diante da recente concorrência chinesa, o setor industrial brasileiro resolveu apostar na “chibata”. “Eles desistiram de concorrer via tecnologia, basicamente. Como é que iriam concorrer então? Com a chibata, com o aumento da mais-valia absoluta, e não com ganhos de produtividade. É a ditadura da mais-valia absoluta.”
Assim, Costa Pinto prevê “enormes tensões”, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhe as próximas eleições. Isso porque os diversos setores da burguesia não vão aceitar, de bom grado, a revogação da “reforma” trabalhista, possível proposta do programa petista. Assim ele acredita que principalmente a “megaburguesia” deve manter o apoio político a Bolsonaro.
Para esse grupo, o melhor dos cenários seria a vitória improvável da chamada “terceira via”, segundo o economista. Assim teriam preservado esse novo padrão de acumulação decorrente da Ponte para o Futuro, que garantiu o aumento dos lucros. Outros ainda cultivam a ilusão de que o candidato do PT poderia manter esse modelo, ao contrário do que vem sinalizando o ex-presidente. “Arrisco dizer que o Lula vai tentar revogar tudo isso. Se vai conseguir, é outra coisa.” Na avaliação de Costa Pinto, não se trata apenas de questão meramente ideológica. Os próprios limites desse modelo, que beneficia apenas um pequeno grupo, em detrimento da maioria, apontam para a necessidade de superação para que o país possa voltar a crescer.
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Brasil: o apetite sem fim da megaburguesia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU