19 Abril 2022
"Nestes tempos sombrios, marcados pela morte e até com o eventual desaparecimento da espécie humana, a fé na ressurreição nos rasga um futuro de esperança", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
Os cristãos celebram na Páscoa aquilo que ela significa: a passagem. No nosso contexto, é a passagem da decepção para a irrupção do inesperado. Aqui a decepção é a crucificação de Jesus de Nazaré e o inesperado, sua ressurreição.
Ele foi alguém que passou pelo mundo fazendo o bem. Mais que doutrinas, introduziu práticas sempre ligadas à vida dos mais fracos: curava cegos, purificava hansenianos, fazia andar coxos, devolvia a saúde a muitos doentes, matava a fome de multidões e até ressuscitava mortos. Conhecemos seu fim trágico: uma trama urdida entre religiosos e políticos o levaram à morte na cruz.
Os que o seguiam, apóstolos e discípulos, com o fim trágico da crucificação, ficaram profundamente frustrados. Todos, menos as mulheres que também o seguiam, começaram a voltar para suas casas. Decepcionados, pois esperavam que trouxesse a libertação de Israel. Tal frustração aparece claramente nos dois discípulos de Emaús, provavelmente, um casal que caminhava cheio de tristeza. A alguém que se uniu a eles no caminho, dizem lamuriosos: ”Nós esperávamos que fosse ele quem iria libertar Israel, mas já passaram três dias que o condenaram à morte” (Lucas 24,21). Esse companheiro, se revelou depois como sendo Jesus ressuscitado, reconhecido na forma como benzeu o pão, o partiu e distribuiu.
A ressurreição estava fora do horizonte de seus seguidores. Havia um grupo em Israel que acreditava na ressurreição, mas no final dos tempos, a ressurreição entendida como uma volta à vida como sempre foi e é.
Mas com Jesus aconteceu o inesperado, pois na história sempre pode ocorrer o inesperado e o improvável. Só que o improvável e o inesperado aqui são de outra natureza, um evento realmente improvável e inesperado: a ressurreição. Ela deve ser bem entendida: não se trata da reanimação de um cadáver como o de Lázaro. Ressurreição representa uma revolução dentro da evolução. O fim bom da história humana se antecipa. Ela significa o inesperado da irrupção do ser humano novo, como diz São Paulo, do “novíssimo Adão”.
Este evento é realmente a concretização do inesperado. Teilhard de Chardin, cuja mística é toda centrada na ressurreição como uma absoluta novidade dentro do processo da evolução, a chamava de um “tremendous”, de algo, portanto, que mexe com todo o universo.
Essa é a fé fundamental dos cristãos. Sem a ressurreição não existiriam as comunidades cristãs. Perderiam seu evento fundador e fundante.
Por fim, cabe ressaltar que os dois mistérios maiores da fé cristã estão intimamente ligadas à mulher: a encarnação do Filho de Deus com Maria (Lucas 1,35) e a ressurreição com Maria de Magdala (João 20,15). Parte da Igreja, a hierárquica, refém do patriarcalismo cultural, não atribuiu a este fato singular nenhuma relevância teológica. Ele seguramente está nos desígnios de Deus e deveria ser acolhido com algo culturalmente inovador.
Nestes tempos sombrios, marcados pela morte e até com o eventual desaparecimento da espécie humana, a fé na ressurreição nos rasga um futuro de esperança. Nosso fim não é a autodestruição dentro de uma tragédia, mas a a plena realização de nossas potencialidades pela ressurreição, a irrupção do homem e da mulher novos.
Feliz Páscoa a todos os que conseguem crer e também a quem não o consegue.
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Páscoa: a irrupção do inesperado. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU