13 Abril 2021
“Nós vimos e sentimos muitas feridas no último ano – como viver depois das cicatrizes?”, questiona Rebecca Collins Jordan, educadora em Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 09-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Nós escutamos com frequência que Jesus tornou-se humano, identificado conosco. Eu admiro algumas vezes, no entanto, quão frequentemente nós esquecemos do outro lado – que nós estamos identificados com Deus. Não quero dizer isso de nenhuma forma grandiosa ou cultuada, para que você não se preocupe. Não – Cristo queria que víssemos nossa divindade no meio de nossa frágil e bela humanidade.
Eu não sei sobre vocês, mas eu tenho me colocado no lugar de qualquer personagem das histórias de ressurreição. Eu já fui Maria Madalena no sepulcro e no jardim. Eu já me imaginei na estrada para Emaús tantas vezes... Mais frequentemente, eu me vejo como Tomé, precisando ver para acreditar na boa nova. Mas nunca me coloquei no lugar, na perspectiva, de Jesus durante a história de Páscoa.
Eu sempre sinto um chamado para me distanciar da ressurreição de Jesus. Esse é o momento menos importante na Bíblia para mim, de algumas formas, porque esse é o momento quando Jesus transcende as limitações do ser humano. Ele conquista o que é uma constante nós, ou o que nós pensamos que é: a morte. E neste ano, temos sentido a morte de forma constante, mais do que nunca. Eu me sinto muito limitada, muito terrena e impotente.
Isso até eu me colocar no lugar da experiência de Jesus. Depois de tudo, ele vivenciou seu momento mais humano de todos – o momento em que ele gritou, “Meu Deus, por que me abandonaste?”. Ele se sentiu tão impotente contra as forças da morte e da autoridade injusta. Ele se sentiu tão terreno, tão frágil. E então ele morreu.
E então veio o momento mais confuso que todos os outros – ele se levantou novamente. Ele se levantou do sepulcro.
A ressurreição de Cristo é mais do que um símbolo de fé; é um modelo de renascimento para todos nós. Mostra a resiliência de Deus – e de Deus na humanidade – durante um tempo de violência e turbulência. O Jesus que os discípulos encontram no Evangelho de João é um ferido, um homem que carrega suas cicatrizes não para cuidar delas, mas para viver além delas.
O que significa então ser profundamente ferido e desprezado e depois morrer? E o que significa enfrentar a morte, conhecer a morte e ir embora?
No final da Quaresma e no início deste Tempo Pascal – e no final desta pandemia e no início da temporada de vacinação – eu me pergunto o que significa viver além das cicatrizes.
Vimos e sentimos, como sociedade, muitas feridas no ano passado. Vimos morte e injustiça racial, desigualdade impressionante, altos índices de desemprego, solidão, depressão e fadiga. As notícias sobre a piora do clima continuam a crescer e o discurso cívico tornou-se cruel. No meio do caos e da tragédia, tenho sido como os discípulos, inquieta e andando de um lado para o outro, visitando o túmulo da dor sob a noite, precisando da garantia de ver Jesus novamente, lutando para compreender que às vezes as notícias podem ser boas.
É hora de uma mudança de perspectiva – os sinais de uma nova vida, de ressurreição, nem sempre precisam ser voltados para o exterior. Sempre procuro a ressurreição e a esperança em sinais externos – nas manchetes, ou nas flores da primavera, ou em palavras amáveis ou momentos comoventes. Em dias mais calmos, sem todos os sinais óbvios, a fé vacila.
Então, talvez seja hora de procurar em outro lugar a nossa esperança. É hora de olhar para dentro. A mudança torna o momento da ressurreição radicalmente diferente. Não é um momento de crença ou credo, mas sim um momento de profunda segurança, um momento de totalidade que olha para a crueldade do mundo com uma sensação de paz radical e justiça incorporada vivendo dentro de si. A ressurreição não precisa ser buscada, não precisa ser acreditada – ela só precisa ser vivida e conhecida.
Mais do que tudo, aquele momento de ressurreição, imaginado na mente de Cristo, é um momento de misericórdia. Viver como Jesus no primeiro dia de Páscoa significa mostrar misericórdia para com os outros em um nível que o mundo não conhece. Significa encontrar a força de vida em nossos corações para nos levantarmos em meio à tragédia global, sacudir a poeira e reconstruir – alimentar, vestir, libertar, confortar uns aos outros de uma forma que se apoia na força de Deus, de uma forma que é profundamente corajoso e desafiador da morte. Essa é a lição do túmulo vazio – nada pode parar a obra de Deus.
Nada pode mudar o sentimento permanente em nossos corações da presença e vitalidade de Deus dentro de nós e ao nosso redor. É o sentimento que obriga a atos de serviço e conexão. É o sentimento que nos chama para pegar o telefone, entrar na chamada do Zoom, caminhar, doar, orar, ensinar. É o sentimento que nos pede que esperemos e façamos, mesmo quando a morte parece envolvente e o ambiente muito escuro.
Ver a ressurreição a partir dos olhos de Jesus é desistir da pergunta usual do Cristianismo: você crê? Em vez disso, ver desta forma nos chama a vivenciar a responsabilidade do Cristo – a proclamar o triunfo da justiça, misericórdia e paz sobre as forças da morte e da divisão. Não é tanto a visão das mãos de Jesus como Tomé as viu, mas o conhecimento de que mãos feridas podem curar, e que o que estava morto em nós pode voltar vivo.
A longa tragédia do ano passado é o que também nos chama agora a despertar como agentes de amor e esperança. Na certeza e misericórdia de Deus, espero que todos possamos, juntos, construir um mundo a partir de nosso eu ferido, mas vivificado, carregado com um chamado que supera a morte. É hora de mostrar ao mundo a vida de Deus em nós mesmos e de transformar a misericórdia que nossa fé nos chama a mostrar para dentro para os nossos corações feridos. Nem sempre precisamos procurar por sinais de ressurreição – nem mesmo precisamos saber o que é a Ressurreição, mas que possamos incorporar uma nova vida, nos levantando e caminhando para fazer a obra de Deus.
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O que a ressurreição de Jesus nos ensina sobre como viver depois da pandemia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU