Por: André | 09 Abril 2015
“Ao falar da ressurreição falamos de um fato transcendente. E o transcendente, por sua própria definição, é real (para quem crê na transcendência), mas não é, nem pode ser, histórico”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 08-04-20915. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
O bispo Munilla [José Ignacio Munilla Aguirre, bispo da diocese de San Sebastián, na Espanha] anda nervoso porque alguns se atreveram a dizer que a ressurreição de Cristo não é um fato histórico. Os entendidos em historiografia discutem o que se deve entender quando falamos de um “fato histórico”. Independente da postura que cada um adotar nessa discussão, o que parece que se pode afirmar com segurança é que um fato pode ser considerado como histórico quando esse fato acontece na história. O que acontece (ou pode acontecer) a um ser humano depois da sua morte, isso já não está, nem pode estar, na história, mas além da história. Em tal caso, já não estamos falando do “histórico”, mas do “meta-histórico”.
Evidentemente, pode haver pessoas (e elas existem em abundância) que, por suas crenças (religiosas, filosóficas ou de outra índole), estão persuadidas de que um morto vive, seja no céu, junto de Deus, na eternidade ou em alguma outra modalidade que os humanos podem imaginar ou idealizar. Mas, quando isso acontece, já não estamos falando da história, mas do que transcende a história. Com outras palavras, uma coisa é “o histórico” e outra coisa é “o transcendente”. Que pode ser “real”, mas não é “histórico”.
Dito isso, para um historiador, o histórico de um sujeito acaba com a morte do sujeito. O que não quer dizer que com a morte se acabe a realidade desse sujeito. Pode haver pessoas que, por suas crenças, estão persuadidas de que o morto vive em “outra vida”, que já não está na história, mas além da história. Mas nunca digamos que o que acontece depois da morte é “histórico”.
Então, o que dizemos das aparições do Ressuscitado que são relatadas nos Evangelhos? Esses relatos testemunham que houve crentes (alguns discípulos, algumas mulheres...) que tiveram, sentiram e viram experiências segundo as quais a eles constava que Jesus vivia, porque havia sido ressuscitado por Deus. Isso é histórico: que aquelas mulheres e aqueles homens asseguraram que eles o viram, o sentiram... Mas também é certo que, ao relatar as experiências que viveram, contaram-nas de maneira que não concordam umas com as outras em dados e detalhes importantes. Por exemplo, para Mateus e Marcos, as aparições ocorreram na Galileia, ao passo que para Lucas e João aconteceram em Jerusalém. Também foi uma experiência o que o apóstolo Paulo viu e sentiu no caminho de Damasco.
Eu me pergunto que cristologia terá estudado o bispo Manilla. Seja qual for a cristologia que estudou, demonstra sua boa vontade em afirmar a todo custo que Jesus, o Senhor, não passou à história, mas que é Vivo, no qual os cristãos creem. Isto é de elogiar. Mas, com todo o respeito e com a liberdade que o assunto exige, é aconselhável (e exigível) que um bispo tenha alguma ideia de coisas muito básicas, que se encontram no comum das boas cristologias que vêm sendo publicadas já há várias décadas. Ao falar da ressurreição falamos de um fato transcendente. E o transcendente, por sua própria definição, é real (para quem crê na transcendência), mas não é, nem pode ser, histórico. Já sei que tudo isso é uma reflexão elementar. Mas também é verdade que só quando temos claro o elementar, poderemos falar sobre as outras coisas. Neste caso, da ressurreição de Jesus, o Senhor.
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A ressurreição de Cristo, um fato histórico? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU