23 Março 2022
"Acredito e espero que os cristãos fiéis à sua vocação gostarão que sua voz seja ouvida alta e forte. Em parte, é preciso dizer, a crise bélica que vivemos é também justamente o resultado da política de rearmamento e alargamento a leste da OTAN. Isso, é claro, não tira nada da invasão perpetrada por Putin contra os ucranianos, mas exige para uma igreja que quer seguir um Mestre desarmado, para ser firme em sua vocação pela paz e contra qualquer lógica de guerra", escreve Massimo Aprile, em artigo publicado por Riforma – semanário das Igrejas Evangélicas Batistas, Metodistas e Valdenses, 25-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em tempos de guerra, a clareza das ideias é severamente testada pelo emaranhado da propaganda, da deliberada adulteração da verdade e da insuficiência das informações. Assim fica fácil ficar desorientado, acabar na paralisia de todos os "se" e "mas" possíveis. Por outro lado, toda decisão penosa recai sobre quem a sofre: os soldados alistados para a guerra, a população civil à mercê das incursões do inimigo e a transformação gradual da economia em economia de guerra, que rouba recursos daqueles que já estão em estado de indigência. Isso acontece em maior medida àqueles que estão diretamente envolvidos no conflito, mas depois se estende aos outros Estados, especialmente os mais próximos, sobre os quais recai a tarefa de socorrer os refugiados e amortecer os contragolpes econômicOs das sanções que atingem também aqueles que os inflige.
Assim, no quadro já bastante precário de nossa economia, a Itália também está sujeita a esses agravos que acabam dificultando a vida de milhões de pessoas já severamente provadas pela crise produzida pela pandemia. E as Igrejas? E os cristãos? O que podem fazer para evitar cair nesse estado generalizado de confusão, em que toda ideia que seja um pouco dissonante com aquela da maioria é mal tolerada? As igrejas, como salientava o pastor Italo Benedetti em uma meditação recente, citando Dag Hammarskjold, deveriam seguir “no labirinto da vida, o fio de Ariadne da resposta à vocação". Se não fizerem isso, os cristãos se perderão no labirinto da irrelevância e servirão de suporte para razões nacionalistas totalmente alheias à lógica do Evangelho.
O fio de Ariadne da vocação de nossas igrejas evangélicas foi e é o testemunho e o empenho pela paz. Ao longo dos anos, esse empenho assumiu muitos aspectos: desde a referência ao direito dos menores à educação para a paz, da formação para a solução não violenta dos conflitos à luta contra o militarismo e, em primeiro lugar, a responsabilidade, domingo após domingo, por uma pregação do Evangelho, destinada a "desmilitarizar as consciências", principalmente a nossa. Juntamente com outras igrejas, estivemos envolvidos no processo ecumênico "Justiça, Paz e Salvaguarda da Criação". Em particular, nos últimos anos, também por meio de solenes empenhos internacionais, como a Charta Oecumenica, assinada em 2001, reconhecemos nossa vocação na defesa da criação, no combate ao aquecimento global do planeta, na busca de um modelo diferente de desenvolvimento.
Há alguns dias, o Parlamento votou uma agenda (ligada ao decreto da Ucrânia) que compromete o governo a "iniciar um incremento nos gastos com a defesa até a meta de 2% do PIB" (hoje é de 1,5%). De acordo com o observatório Milex sobre os gastos militares, quando estiver totalmente operacional, passará dos atuais 25 bilhões por ano (68 milhões de euros por dia) para 38 bilhões por ano (104 milhões por dia).
A agenda foi votada por uma grande maioria composta por partidos de direita e centro-esquerda.
O incremento responde a pedidos que a própria OTAN fazia desde os tempos da presidência de Trump. Evidentemente, até agora, a desastrosa situação econômica desaconselhava a implementação desse plano, por medo da indignação da opinião pública.
Que melhor momento, então, para tomar tal decisão? Entre as razões apresentadas está também que, caso se queira uma defesa europeia, é preciso modernizar o próprio aparato militar. E pensar que muitos ingênuos, como eu, tinham entendido que tal situação (uma defesa europeia) teria reduzido essas despesas, em benefício de uma otimização de recursos.
Acredito e espero que os cristãos fiéis à sua vocação gostarão que sua voz seja ouvida alta e forte. Em parte, é preciso dizer, a crise bélica que vivemos é também justamente o resultado da política de rearmamento e alargamento a leste da OTAN. Isso, é claro, não tira nada da invasão perpetrada por Putin contra os ucranianos, mas exige para uma igreja que quer seguir um Mestre desarmado, para ser firme em sua vocação pela paz e contra qualquer lógica de guerra.
Muito dinheiro destinado à defesa tornará milhões de pessoas mais indefesas, especialmente as mais vulneráveis, no acesso a cuidados médicos, e haverá menos recursos para os amortecedores sociais para muitos que caíram em desgraça nos últimos dois anos.
Os cristãos hoje em dia estão em todos os lugares engajados em uma constante oração pela paz.
E muitas igrejas estão fortalecendo seus laços para ações conjuntas de paz em vários níveis.
Comunidade de Santo Egídio, Federação de Igrejas Evangélicas, Diaconia Valdense, Pax Christi, Caritas e muitas outras estão trabalhando ao mesmo tempo, e, esperamos, com um grau cada vez maior de coordenação, para prestar socorro às vítimas e tornam mais incisivo seu testemunho pela paz. A oração comum será uma fonte de energias espirituais renovadas para operar e também para se posicionar contra decisões semelhantes às tomadas pelo Parlamento italiano. Se você quer paz, busque-a e construa-a enquanto ainda há tempo.
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Os celeiros são esvaziados e os arsenais lotados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU