18 Janeiro 2022
Márcio Nunes Lisboa lamenta a chacina que matou a irmã Márcia, o cunhado Zé do Lago e a sua sobrinha, Joene, em São Félix do Xingu.
A reportagem é de Moisés Sarraf, publicada por Amazônia Real, 12-01-2022.
“Estamos aqui sem saber como foi, o que foi que aconteceu. Só sei que perdi minha irmã praticamente de graça, uma família toda abatida aqui sem saber o que fazer. Uma coisa muito triste pra gente”, afirmou, na tarde desta quarta-feira (12), Márcio Nunes Lisboa, irmão da ambientalista Márcia Nunes Lisboa, 38, uma das três vítimas da chacina de São Félix do Xingu. Ele informou que, até o momento, não recebeu qualquer tipo de apoio ou informações do governo do Pará. “Estou pedindo pra Deus dar força e justiça também, que se faça alguma coisa. A gente só vive do trabalho da gente.”
Márcia foi assassinada junto do marido, o trabalhador rural José Gomes, o Zé do Lago, e a filha dela, Joene Nunes Lisboa, 18. Os corpos das vítimas foram encontrados com marcas de armas de fogo nas proximidades da casa da família, no último domingo (9), na ilha de Cachoeira da Mucura, a 90 quilômetros da zona urbana de São Félix do Xingu, que possui cerca de 135 mil habitantes. Situado no sudeste paraense, o município fica a 1.050 quilômetros da capital Belém (PA).
A família atuava há 20 anos na preservação de tartarugas e tracajás (quelônios) na região. Segundo Márcio, sua irmã e Zé do Lago viviam da pesca e, esporadicamente, atuavam como guias turísticos. “Esse pessoal não devia nada pra ninguém. A pessoa fazer esse tipo de barbaridade é muito triste”, disse o irmão, em entrevista à Amazônia Real. Zé do Lago tinha seis filhos, sendo que um deles foi quem reconheceu os corpos no local do crime (o seu nome não foi divulgado). Zé havia migrado para São Félix do Xingu, mas não se sabe a origem do ambientalista. Tinha entre 55 e 60 anos.
“Há uma suspeita de que o crime não tenha nada a ver com a questão ambiental. Até uma suspeita de que o próprio assassino pode ter encaminhado essas matérias em primeira mão para a imprensa, para poder distorcer”, arriscou uma amiga das vítimas, que preferiu não se identificar.
A Anistia Internacional Brasil emitiu nota, na terça-feira (11), cobrando celeridade nas investigações. “O ambiente hostil para a defesa dos direitos humanos é estimulado por uma política anti-ambiental e anti-direitos humanos. A Anistia Internacional cobrará e estará atenta às investigações que têm o dever de elucidar as circunstâncias dos assassinatos de Zé do Lago, Márcia e Joene”, informou a nota da entidade.
A Ilha da Cachoeira da Mucura fica a cerca de uma hora e meia de voadeira da Terra Indígena Kayapó, segundo informou um servidor público que atua na região. A localidade funcionava como entreposto para quem ia até a reserva. A casa das vítimas também está próxima da fazenda Bom Jardim, cujo dono é o prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber (MDB). A propriedade é alvo de denúncias por grilagem de terras e desmatamento ilegal.
José Gomes, o Zé do Lago, era o responsável por um projeto ambiental que reintroduzia filhotes de tracajá e tartaruga no rio Xingu. A iniciativa consistia em resgatar ovos dos quelônios, proteger os filhotes em berçários feitos de caixa d’água e, então, reinseri-los na natureza. Em acordo com os caciques Kayapó, uma parte dos filhotes era solta dentro da Terra Indígena. Cada soltura poderia recolocar na natureza até 10 mil animais.
Em vídeo registrado no dia 10 de dezembro de 2021, Zé do Lago aparece fazendo a soltura dos filhotes. Ainda na gravação, que circulou nas redes sociais dois dias depois do assassinato, ele cita que a ação ambiental estava sendo feita na propriedade do prefeito João Cleber.
Procurada, a prefeitura de São Félix do Xingu disse que não havia uma parceria com o projeto, mas apenas tratativas iniciais para a formalização de uma cooperação. “Ele [Zé do Lago] tinha interesse em uma parceria com a prefeitura”, disse o secretário municipal de meio ambiente, Sérgio Benedetti. “Essa situação é mais uma imagem negativa pro nosso município, mas estamos atuando fortemente para mudar essa imagem, diminuir o desmatamento. A gente lamenta essa perda.”
A Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), que acompanha o caso, procurou o delegado-geral do Estado do Pará, Walter Resende de Almeida, e o secretário de Segurança Pública do Pará, Uálame Machado, mas ainda “não tem uma posição sobre a linha investigativa e nem o que foi feito pela polícia”, informou o advogado Nildon Deleon, da SDDH. “Por questões geográficas, a região é de difícil acesso. Pedimos ao secretário que disponibilize todo o equipamento necessário, uma força-tarefa para identificar os responsáveis pelo crime.” A Polícia Civil do Pará informou que um inquérito policial já foi aberto para investigar o triplo homicídio, mas não apontou ainda os responsáveis e o motivo do crime.
Segundo uma amiga das vítimas, a família de ambientalistas não possuía vizinhos. Os moradores mais próximos disseram que não viram nenhuma movimentação estranha. O irmão de Márcia, Márcio Lisboa, disse que não tem ideia de qual poderia ser a motivação dos crimes. “A gente é uma pessoa fraca, a gente não tem condições. Se se achar um motivo, de acontecer, tem de mostrar como foi. A cidade está ficando esquisita, de terrorista, isso não é brincadeira não, tem que ter justiça por aqui”, completou Márcio à Amazônia Real.
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“Uma família toda abatida aqui”, desabafa irmão de ambientalista morta no Pará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU