04 Dezembro 2021
Ele diz que “os arames farpados” não adiantam nada. “Eles exacerbam os conflitos e dificultam a comunicação entre os povos.” Ele afirma isso sabendo muito bem o que seu povo viveu nos últimos anos: “A dor do desenraizamento, de ser refugiado”. É por isso que ele se sente próximo da mensagem do papa, embora o contínuo afluxo de migrantes da Turquia “mostre uma clara política de instrumentalização do sofrimento humano”.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada em La Repubblica, 03-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia da chegada de Francisco a Chipre, Nikos Anastasiades, 75 anos, presidente da República desde 2013, falou com o jornal La Repubblica sobre o seu país que lida com o muro que separa Nicósia da área ocupada pelos turcos, com os migrantes pressionando para entrar para chegar à Europa.
Muros e arames farpados ainda marcam a vida da Europa, como demonstram os acontecimentos na fronteira entre a Polônia e a Bielo-Rússia. Que mensagem o senhor espera do papa?
A visita é um evento histórico. A sua presença por si só é uma forte mensagem de reconciliação, a necessidade de lançar pontes de amor e de paz na nossa conturbada região. Conflitos e choques devem ser postos de lado. A promoção da cooperação, a proteção dos direitos humanos, em particular dos direitos dos nossos semelhantes mais vulneráveis, são as prioridades proclamadas por Francisco. Compartilhamos as preocupações sobre os arames farpados na Europa, tanto no leste quanto no sul. Nós, que vivemos pacificamente com os nossos compatriotas turco-cipriotas, estamos convencidos de que o diálogo e a compreensão são a única forma de construir a paz e a prosperidade.
O Chipre é o único país europeu com a capital separada por um muro. Como o senhor conta isso para Francisco?
Há 47 anos, temos feito o nosso melhor para pôr fim a uma situação inaceitável, após a invasão turca ilegal de 1974, a subsequente ocupação militar de mais de 36% do território cipriota e o violento deslocamento de 30% da população. Todos os nossos esforços se chocaram com a atitude intransigente da Turquia, com as suas posições pelo reconhecimento da igualdade soberana e do status internacional igual do pseudo-Estado, além das suas ações provocativas tanto no mar quanto em terra. A abertura de parte da cidade fechada de Varosha, violando as pertinentes resoluções do Conselho de Segurança, compromete e dificulta qualquer tentativa de reiniciar o processo de negociação. Só revendo a atitude da outra parte será possível encontrar uma solução para o problema do Chipre.
O senhor acha que o muro poderá ser demolido mais cedo ou mais tarde?
O nosso esforço é pôr fim à ocupação turca do Chipre o mais rápido possível. Estamos buscando uma solução que leve a um Estado funcional e sustentável, um Estado europeu que respeite plenamente os direitos humanos e políticos de todos os cidadãos, grego-cipriotas e turco-cipriotas.
Quando a Turquia converteu Santa Sofia em uma mesquita, Francisco disse ter ficado “muito entristecido”. O senhor acha que a posição da Santa Sé sobre a Turquia é branda demais?
A Turquia é um Estado muçulmano, e, por isso, o papa não tem muita influência. Com a Santa Sé, temos uma visão comum em termos de proteção dos monumentos culturais e religiosos da destruição, do contrabando, do uso ilegal e de outros crimes relacionados. O Chipre condenou essa decisão da Turquia e a convidou a rever a sua decisão no respeito pelas disposições internacionais.
Depois, há o problema dos migrantes que chegam da Turquia.
O contínuo afluxo, que mostra uma política de instrumentalização do sofrimento humano, é o maior desafio que devemos enfrentar. As características morfológicas do Chipre permitem o desenvolvimento da migração irregular. A porcentagem de requerentes de asilo ultrapassa os 4% da população das áreas controladas, enquanto, nos outros países da União Europeia que estão na vanguarda no front da imigração, ela não ultrapassa o 1%.
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“É preciso acabar com os arames farpados que exacerbam os conflitos entre os povos.” Entrevista com Nikos Anastasiades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU