18 Outubro 2021
Uma realidade de graves problemas sociais, políticos, econômicos e de diversas violações de Direitos Humanos básicos. Essa foi a realidade que encontrou Pedro Casaldáliga quando em 1971 chegou em São Félix do Araguaia para ser o bispo de uma prelazia criada em 1969. Movido por sua profecia, que o acompanhou ao longo de sua vida, não ficou calado, e contou ao Brasil e ao mundo a triste realidade que o povo da região vivia.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Para isso, no dia da sua ordenação episcopal, escreveu sua primeira Carta Pastoral: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, onde denuncia e marca seu programa pastoral com clara opção pelos pobres. Ao completar 50 anos, a Prelazia de São Felix do Araguaia decidiu publicar esta carta.
Era uma região tradicionalmente povoada pelos indígenas, onde estavam chegando empresas do Sudeste e do Sul estavam chegando, se apropriando das terras indígenas e dos posseiros, com o apoio do governo militar, buscando “desenvolver a Amazônia”. Na carta, o novo bispo denunciava os conflitos existentes e mostrava o trabalho da Igreja na região, em sistema de desobriga, começando pela educação e a saúde.
A realidade local foi mudando aos poucos com a chegada de muita gente atrás de terra. São criados novos municípios, surgem os sindicatos dos trabalhadores rurais. No decorrer destes 50 anos, os povos indígenas tem lutado para recuperar uma pequena parte dos territórios que ocupavam.
A Prelazia analisa as mudanças na educação, as perseguições aos professores, o empenho em melhorar sua formação e diferentes atuações que se tornaram referência no Brasil. No campo da saúde, as primeiras em cuidar da saúde do povo foram as religiosas, promovendo a organização comunitária do povo nesse campo.
Mesmo depois de 50 anos, “a Carta de Pedro continua atual em seus temas centrais”, segundo a Prelazia. Hoje a região vive novos problemas e desafios: o desemprego e o trabalho temporário e informal, a falta de moradia, os moradores de rua, o tráfico de drogas, a violência contra a mulher e a migração. É uma região com poucas oportunidades de emprego, o que provoca o deslocamento da juventude para outras regiões, assim como o fato de se tornar presas fáceis das drogas e do crime organizado.
O aumento do custo de vida tem levado muitas famílias à extrema pobreza, provocando o aumento de outras realidades que provocam sofrimento no povo. O texto analisa a realidade nascida nas últimas décadas na educação, saúde, nas redes sociais, o aumento do trânsito de pessoas na região, a ligação entre poder político e económico. Na região a questão da terra, hoje mercadoria para a especulação, sempre teve grande destaque, cada vez mais controlada pelo agronegócio, o que está provocando o desaparecimento de comunidades rurais e muitas situações de trabalho escravo. O texto mostra a atual situação dos povos indígenas, constantemente ameaçados, relatando a situação que vive cada um dos povos da região.
A atuação da Prelazia continua “encarnada na realidade da região, partilhando as alegrias, as esperanças, as lutas e os sofrimentos do povo”. A caminhada da Prelazia tem se orientado em três princípios básicos: a vivência comunitária, a corresponsabilidade de todos e todas e a subsidiariedade. Tem sido de grande importância a presença de grande número de agentes leigos, numa Igreja que por sua profecia “foi e continua a ser perseguida”, desenvolvendo aos poucos uma espiritualidade martirial. O texto relata os trabalhos realizados em diferentes âmbitos ao longo dos últimos 50 anos.
Diante de tudo isso, “a Prelazia de São Félix do Araguaia, 50 anos depois do grito profético da primeira carta pastoral de Pedro Casaldáliga, quer continuar fiel ao Espírito que a animou desde o início e lhe deu coragem para enfrentar a prepotência do latifúndio e da ditadura militar. Quer continuar ficando ao lado dos excluídos e marginalizados de hoje e não calando diante de tudo o que atenta contra a vida e a vida em plenitude para todas as criaturas”.
Quer ser uma Igreja que sonha com o Papa Francisco, “com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida”. Uma Igreja que denuncia e anuncia, que caminha ao lado dos excluídos e marginalizados, do jeito que “sonhou, esperançou e muito amou o bispo Pedro agora plantado às margens do Araguaia, embaixo de um pequizeiro”.
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Memória de 50 anos de profecia no Araguaia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU