07 Outubro 2021
“Se você quer saber se você valoriza sua fé mais do que sua política, há um teste simples que se aplica tanto a liberais e conservadores, quanto a Democratas e Republicanos. Pergunte a si mesmo em que assunto sua fé o faz diferir da postura assumida pela ideologia ou partido com o qual você mais se identifica. Ou pergunte se sua preferência política distorceu ou não sua compreensão do ensino da Igreja de forma a distorcer esse ensino”, escreve Michael Sean Winters, jornalista estadunidense, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A cada instante, os deuses algoritmos decidem se divertir um pouco. E então na última semana eu recebi por e-mail uma “Pesquisa de Opinião Católica” e um grupo direitista chamado CatholicVote. A “pesquisa” exibe de perto tudo que há de errado no atual estado da Igreja nos EUA.
Primeiro, não era uma pesquisa realmente, mas uma enquete tendenciosa. Enquetes tendenciosas são uma forma de propaganda negativa, que a Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública condenada como “uma forma insidiosa de campanha negativa, desorientada como pesquisa política. Essas enquetes não são pesquisas, mas telemarketing político antiético – telefonemas que procuram persuadir um amplo número de votantes e afetar os resultados eleitorais, mais que medir opiniões”.
Então, por exemplo, quando essa “pesquisa” da CatholicVote pergunta: “Por que você pensa que os líderes nacionais do Partido Democrata, incluindo Joe Biden, continuam omitindo Deus quando citam os documentos nacionais oficiais?”, essa não é realmente a sua opinião, mas a sua depois da deles. Eles estão tentando manchar a imagem do presidente, que frequentemente é caluniado como um anti-Deus. Eles também impugnam o patriotismo dos Founding Fathers que omitiram Deus da Constituição.
Segundo, a “pesquisa” procura mirar em todos os Democratas com declarações extremistas de alguns poucos. A pesquisa cita uma declaração da deputada Alexandria Ocasio-Cortez feita sobre uma estátua do padre Damien de Molokai, e um tuíte do ativista Shaun King. E daí? Assim como não acredito que todos os eleitores de Trump sejam racistas, eu não acredito que todos os liberais concordam com cada palavra que vem de Ocasio-Cortez, ainda menos a cada tuíte de alguém que não tem filiação oficial com o Partido Democrata. Isso seria como igualar cada um que votou em Trump com os racistas que marcharam em Charlottesville, na Virginia, cantando “judeus não nos substituirão”.
Em qualquer coalizão política há tons de opiniões. Em algumas questões eu concordo com Ocasio-Cortez e em outras não. “Se você concorda comigo em nove de 12 temas, vote em mim”, dizia o falecido Ed Koch, ex-prefeito de Nova York. “Se você concorda comigo em 12 de 12 temas, procure um psicanalista”.
Terceiro, o ponto central desse movimento não é sobre opinião, mas sobre levantamento de fundos. “A única forma que nós podemos arrecadar fundos para o plano de batalha (grifo do autor) para as importantíssimas eleições parlamentares de 2022 (as chamadas Midterm Elections) é com doações de católicos fiéis como você que ama a América e não quer ver nossa grande nação destruída para sempre pela esquerda radical anti-Deus e anti-família”, se lê no e-mail.
A linguagem pretende inflamar: “única forma”, “plano de batalha”, “importantíssimas”, “fiéis”, “destruída para sempre”. Essa hipérbole funciona com algumas pessoas e faz com que elas marquem as caixas de 20 dólares, 50 dólares ou até mesmo 500 dólares. E isso depois de doar 10 dólares como uma “Contribuição para o Processamento da Pesquisa”.
Nada, repito nada, sobre esta “pesquisa” fala bem de quem a enviou, nem como estadunidense engajados na política, muito menos como católicos.
Sei que há grupos de esquerda que buscam batizar suas posições políticas. O Center for American Progress, uma think tank progressista em Washington D.C., tem um “Projeto Político Progressista de Fé” que não se desvia nem um pouco do credo do progressismo secular. O grupo Faithful America é mais uma organização ativista do que uma think tank, e alguns de seus e-mails e petições me fazem estremecer, mas nada tão vulgar e grosseiro quanto a “pesquisa” CatholicVote.
Se você quer saber se você valoriza sua fé mais do que sua política, há um teste simples que se aplica tanto a liberais e conservadores, quanto a Democratas e Republicanos. Pergunte a si mesmo em que assunto sua fé o faz diferir da postura assumida pela ideologia ou partido com o qual você mais se identifica. Ou pergunte se sua preferência política distorceu ou não sua compreensão do ensino da Igreja de forma a distorcer esse ensino.
Estou pensando que muitos liberais e muitos conservadores forçaram sua compreensão da liberdade religiosa em um molde partidário, em vez de permitir que o ensino real da Igreja – ou dos Founding Fathers, nesse caso – moldem sua compreensão deste importante direito.
Infelizmente, quantos comentaristas você pode contar que estão dispostos a nadar contra a corrente porque sua fé os obriga a isso?
A miopia é uma falha moral encontrada em todo o espectro político e ideológico. O que CatholicVote está fazendo é algo totalmente pior. A organização emprega métodos desacreditados para disseminar informações enganosas e inflamar paixões. Ela está vendendo propaganda política e tentando disfarçá-la em uma religião que não é redutível a nenhuma postura política.
É ruim para a política e pior para a religião. CatholicVote é um contratestemunho do Evangelho, um escândalo para os fiéis.
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EUA. Grupo católico promove políticas de extrema direita em falsa pesquisa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU