23 Janeiro 2017
Donald Trump foi eleito com apoio maciço de eleitores de cidades pequenas e áreas rurais, com a promessa de devolver a indústria americana a seus dias de glória de meados do século 20, trazer de volta empregos industriais e “tornar a América grande de novo”.
Depois de assumir a presidência, no entanto, ele terá de dirigir uma economia cada vez mais focada no setor de serviços e alta tecnologia, com um setor industrial importante, mas cada vez menos dependente de mão de obra.
A entrevista é de Luiz Raatz, publicada por O Estado de S. Paulo, 22-01-2017.
Segundo o economista e especialista em desenvolvimento econômico e regional Mark Muro, diretor de política metropolitana do Brookings Institution, que relacionou a votação de novembro com tendências macroeconômicas, há uma desconexão entre o que Trump prometeu à base eleitoral e o que ele pode entregar no mandato.
Eis a entrevista.
Qual a principal características, em termos de perfil socioeconômico, dos eleitores que deram a vitória a Trump?
A grande divisão de comportamento eleitoral foi a renda per capita e a força econômica dos condados. A profunda divisão entre cidades com economia de alta renda e tecnologia sofisticada, incluindo o setor de serviços e tecnologia, e áreas rurais ou pequenas cidades, com um PIB per capita bem menor e força econômica bem menor. Foi um voto das áreas mais isoladas e desconectadas dos EUA.
E por que eles escolheram votar em Trump?
Acredito que Trump falou pelas frustrações desses eleitores. E ele o fez vilanizando as elites urbanas e dizendo “eu estou apoiando vocês” a esses eleitores de cidades pequenas. O resultado reflete o grau de frustração com a elite global.
Esse fenômeno também se aplica aos Estados tradicionalmente industriais que perderam força e deram a Trump a vitória no Colégio Eleitoral, como Pensilvânia, Michigan e Ohio?
Não é no Estado todo. Dentro de cada Estado ocorre essa divisão entre rural e urbano. Em Ohio, Trump perdeu Cleveland e ganhou em dezenas de comunidades que não estavam bem economicamente. Muitas dessas comunidades pequenas tinham indústrias, mas não se recuperaram e essa é a diferença para os grandes centros urbanos que não votaram em Trump. Esses, sim, se recuperaram economicamente.
E houve uma mudança no padrão eleitoral da classe trabalhadora nos EUA em virtude dessa desindustrialização?
O Partido Democrata sempre foi o partido dos trabalhadores. Isso foi rompido agora e parece que muitos desses eleitores que votaram em Trump eram eleitores de Obama. O Partido Republicano tornou-se mais populista e fala mais diretamente aos anseios e frustrações dos trabalhadores.
Mas a desindustrialização e a terceirização nos EUA não são um fenômeno novo. Eles começaram ainda nos anos 90, com a globalização. Por que só agora esse impacto eleitoral?
As tecnologias envolvidas tomaram conta do processo produtivo. Cada ocupação tem algum nível de automação e digitalização. Isso é uma questão oculta dessa eleição. Nenhum candidato falou disso, mas ela explica a ansiedade e a frustração dos eleitores que escolheram Trump. A automação está se espalhando, deve se ampliar, e as tecnologias do futuro, como robotização e inteligência artificial, por exemplo, está preocupando os eleitores nos EUA.
Você acha outros fatores, como a crise de 2008 e o enfraquecimento dos sindicatos, também levaram a classe trabalhadora a abandonar o Partido Democrata e escolher Trump?
Ao longo do tempo os sindicatos se enfraqueceram, mas isso não é novo, ocorre há 40 anos. A revolução tecnológica é mais
recente. A crise exacerbou a suspeita em volta das elites globais e de Wall Street.
A promessa de Trump é “trazer os empregos de volta”. Nesse cenário que você descreve de mais tecnologia, maior nível de automação, até que ponto isso é possível?
Algumas empresas estão motivadas e, até certo ponto, estão dispostas a voltar, ou pelo menos não se mudar para outros países. Mas seria irrealista pensar que ele poderia trazer de volta milhões de postos de trabalho como ele prometeu ou restaurar a indústria à glória do passado, dos anos 60 por exemplo. O problema é que a manufatura, principalmente de alto valor agregado, não precisa mais de muita gente para ser produzida. É muito mais eficiente do que era e por isso o PIB nos EUA é muito alto em comparação com a taxa de ocupação, que é muita baixa.
É o caso da Chrysler e da Ford, não? Mesmo com as fábricas anunciadas recentemente, serão poucas vagas criadas direta e indiretamente.
Sim, e isso ainda é um número significativo. E o mais interessante é que eles cancelaram projetos com carros tradicionais e estão apostando na automação: carros elétricos e sem motorista.
E Trump sabe que o que ele está oferecendo não é exatamente o que ele pode alcançar, uma vez que o país da manufatura hoje é o país da alta tecnologia?
Não sei se ele entendeu isso. Mas ele vai aprender isso ao longo do caminho. Se ele concentrar a atuação no que prometeu à sua base eleitoral, ele pode lançar programas que não são benéficos para a base econômica do país. Parece que o interesse dele, em termos de política, é mais alinhado com Wall Street.
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‘Automação explica frustração de eleitores de Trump', diz especialista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU