28 Setembro 2021
De todos os discursos, homilias e documentos que emanam do Papa Francisco, os meus favoritos se tornaram as transcrições dos seus encontros com os jesuítas locais em suas visitas apostólicas ao redor do globo, transcrições depois publicadas pela revista La Civiltà Cattolica.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado em National Catholic Reporter, 27-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eles são semelhantes às conversas após uma refeição festiva, quando os primos desagradáveis já foram embora, e apenas os seus amigos ou parentes mais queridos ficaram, e você está servindo a segunda ou terceira rodada de bebidas após o jantar: conversas francas e familiares, às vezes um pouco apimentadas, frequentemente engraçadas e sempre iluminadoras.
Na semana passada, a Civiltà Cattolica publicou a transcrição do mais recente desses encontros, com 63 jesuítas da Eslováquia. O intercâmbio ofereceu uma janela para os pensamentos do Santo Padre sobre vários temas, mas o mais interessante foram os seus comentários sobre a EWTN.
“Por exemplo, há uma grande rede de televisão católica que continuamente fala mal do papa”, disse Francisco. “Eu pessoalmente posso merecer ataques e injúrias, porque sou um pecador, mas a Igreja não merece isso: é obra do diabo. Eu também disse isso a alguns deles.”
É claro, o NCR regularmente publica artigos que são críticos aos papas e aos membros da hierarquia, mas a comparação distorce a realidade, pelo menos em geral. Em primeiro lugar, o NCR nunca se apresentou como representante do autêntico magistério católico. Publicamos artigos dizendo que o magistério está errado e que deveria ser mudado, com certeza.
A EWTN apresenta, e o faz regularmente, artigos que afirmam possuir o magistério autêntico, não aqueles que são constitucionalmente dotados dessa autoridade. Phil Lawler, o Pe. Gerald Murray, Robert Royal: todos eles são mais católicos do que o papa, pelo menos do que este papa.
Em segundo lugar, o NCR sempre foi um jornal em primeiro lugar, e a maioria dos nossos comentários fluem a partir da reportagem e nela se baseiam. E a reportagem fala por si mesma.
O principal programa de notícias da EWTN, EWTN News Nightly, só começou a ser transmitido em 2013. Por outro lado, o programa semanal de Raymond Arroyo, The World Over, uma espécie de “revista eletrônica”, começou a ser transmitido em setembro de 1996. Ele serviu para estender o tipo de debates católicos conservadores encontrados no programa Mother Angelica Live, da EWTN, no reino da política. O programa de Arroyo não tem uma reputação de reportagem séria, e os leitores regulares desta coluna sabem quantas vezes eu tive de chamar a atenção para os abusos mais descarados da nossa tradição católica promovidos por Arroyo.
No primeiro programa desde que os comentários do papa foram publicados, que foi ao ar no dia 23 de setembro, Arroyo não discutiu as críticas à EWTN com seu convidado inicial, o professor de Teologia da Universidade Católica dos Estados Unidos Chad Pecknold. Os dois discutiram outras partes da conversa do papa com os jesuítas, como seus comentários sobre a diversidade sexual e sobre a recepção do Vaticano II, mas não os comentários dele sobre a rede.
Dito isso, Arroyo e Pecknold conseguiram exibir exatamente o tipo de crítica ao Papa Francisco que justificou o comentário dele, em primeiro lugar. Eles debocharam das críticas do papa à rigidez pastoral.
“Como você confessa isso no confessionário?”, perguntou Pecknold, com um sorrisinho. “‘Padre, eu fui rígido três vezes’. Como você poderia confessar isso?”
Depois, os dois discutiram a decisão do Vaticano de exigir o passaporte vacinal para entrar na cidade-estado e a da Arquidiocese de Moncton, no Canadá, de proibir os não vacinados de participarem das missas públicas. “Conformidade com o safetyism [segurancismo]”, disse Pecknold. “Uma traição ao Evangelho.”
Arroyo e Pecknold são as “Madres Angelicas” dos últimos dias [em referência à fundadora da rede EWTN], mas sem o véu ou a sagacidade. Como apontou o padre jesuíta James Martin em um artigo de 1995 republicado recentemente, a Madre costumava ser zangada e maniqueísta, e Arroyo e Pecknold se encaixam nesse perfil, mas ela também tinha um brilho nos olhos às vezes. O humor de Arroyo geralmente é mesquinho, e Pecknold parece incapaz de sorrir, muito menos de rir. Eles são resmungões, mais semelhantes a Cotton Mather do que a qualquer figura católica histórica.
O verdadeiro problema com a EWTN, entretanto, não é o fato de ela criticar o papa e fazer isso de uma forma que solapa a colegialidade afetiva de que a Igreja precisa se quiser superar a polarização que a aflige. É o fato de a rede ser cúmplice de uma agenda política. Eu assisto ao programa de Arroyo quase todas as semanas. Eu assisto o EWTN News Nightly pelo menos uma vez por semana. Não é que eles apresentem apenas um lado das questões políticas específicas. É que a fé católica sempre se torna subserviente a uma agenda política, uma agenda republicana e cada vez mais trumpiana.
Assim, por exemplo, embora esta coluna tenha empregado repetidamente a nossa tradição moral e intelectual católica para contestar os democratas pró-escolha e a indiferença deles pela dignidade dos nascituros, Arroyo convida representantes de grupos anti-imigrantes como o NumbersUSA e rotineiramente se refere aos migrantes como “forasteiros ilegais”.
A entrevista de Arroyo com Steve Bannon foi notável pelas afirmações ultrajantes de Bannon que ficaram completamente incontestadas pelo apresentador. Sua entrevista de 2020 com o presidente Donald Trump foi uma lição objetiva de perguntas bajuladoras, acríticas e guiadas.
A EWTN, então, não é como o NCR. É mais como o Catholics for Choice ou como o CatholicVote.org, organizações políticas travestidas como religiosas.
Os comentários do papa sobre a EWTN pedem um discernimento sério por parte das lideranças da rede. E as lideranças da Igreja devem considerar que influência eles têm para encorajar reformas no canal. O arcebispo José Gomez, presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e arcebispo de Los Angeles, deveria se perguntar se é apropriado permanecer no conselho da EWTN. O bispo Steven Raica, de Birmingham, Alabama, onde a EWTN está sediada, deveria avaliar se deve ou não assinar a certificação para que a EWTN seja incluída no Diretório Católico Nacional. Raica é uma alma gentil, então esperar que ele interdite a rede é um passo longo demais.
Mais de três anos atrás, eu perguntei: “O cisma EWTN já começou?”. É um protocisma, com certeza, mas os bispos precisam descobrir como impedir que a rede e os milhões de pessoas que a seguem caiam em um cisma completo. E a Santa Sé, ciente do alcance global da rede, precisa encorajar os bispos dos Estados Unidos a agirem por conta própria. É preciso furar o furúnculo. Só assim é que a cura pode começar.
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EUA: é hora de os bispos reconsiderarem sua relação com a EWTN - Instituto Humanitas Unisinos - IHU