28 Setembro 2021
"A Igreja tem medo da vida, medo da liberdade, porque prosseguir significa abandonar antigas certezas que talvez nos tenham educado e ajudado, mas que, depois, à medida que prosseguimos no seguimento, tornam-se menos aptas para uma existência cristã no contexto em que estamos. Ser livre tem um custo, mas é o custo necessário para se tornar adulto: os adolescentes sabem muito disso".
O comentário é de Sergio Di Benedetto, professor de literatura italiana da Universidade da Suíça Italiana, em Lugano, em artigo publicado por Vino Nuovo, 27-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dialogando com os jesuítas eslovacos, Francisco falou da tentação e da ideologia de “voltar atrás”. Talvez devamos admitir que é uma tentação vivida pelo fiel individual, pelas comunidades, pela Igreja toda...
Durante a viagem à Eslováquia, o Papa Francisco se encontrou com os jesuítas do país, em Bratislava. Como sempre ocorre, o Pe. Spadaro fez um relato do diálogo entre o pontífice e os coirmãos, publicado na íntegra na revista La Civiltà Cattolica.
O discurso – que causou um certo frisson em relação à referência a alguns prelados que “preparavam o conclave” –, na realidade, é um dos mais belos proferidos pelo papa no último período.
São palavras informais, nascidas de um debate em um clima de serenidade e amizade, mas há um ponto ao qual eu gosto de voltar, porque acredito que toca tanto na vida da Igreja, quanto das comunidades individuais, quanto ainda dos fiéis individuais, e diz respeito àquela que Bergoglio define como “tentação de voltar atrás”, definindo tal tentação como “uma ideologia que coloniza as mentes”.
Basta ter debaixo dos olhos, mesmo que distraidamente, certas notícias eclesiais para realmente se dar conta da presença desse fenômeno de querer olhar para o passado, de querer retroceder os ponteiros do relógio.
E, como bom mestre espiritual, o papa capta bem a origem da tentação, que está no medo, o medo da liberdade, tornando-se de fato um medo da vida: “A vida nos dá medo. Repito uma coisa que eu já disse ao grupo ecumênico com o qual me encontrei aqui antes de vocês: a liberdade nos dá medo”.
Medo da vida, medo da liberdade, porque prosseguir significa abandonar antigas certezas que talvez nos tenham educado e ajudado, mas que, depois, à medida que prosseguimos no seguimento, tornam-se menos aptas para uma existência cristã no contexto em que estamos. Ser livre tem um custo, mas é o custo necessário para se tornar adulto: os adolescentes sabem muito disso.
Na verdade, voltar-se para o passado é a tentação que o indivíduo sempre vive diante de escolhas e mudanças: olhar para trás, lamentar um ontem sempre idealizado, sempre belo e, portanto, abstrato, diante das incertezas do futuro; temor de abandonar aquilo que somos para abraçar aquilo que poderíamos ser; sentir o peso da liberdade que exige responsabilidades pessoais e não repetições de palavras e gestos alheios.
Porque o presente é complexo, questiona, demanda coragem e risco, põe em crise aquilo que considerávamos como absoluto e que, ao invés disso, se revelou parcial. Diante do presente, e mais ainda avançando para o futuro, sentimos desorientação. Voltamos ao passado, diz Francisco, “para buscar certezas”, porque talvez gostaríamos de uma imobilidade que contrasta com as leis do tempo e do Espírito.
Essa é uma tentação do fiel individual, mas, acima de tudo, é uma tentação das comunidades: pintar afrescos nostálgicos e lamentar o tempo em que todos estavam na missa (mas era realmente assim?), em que todos acreditavam, em que todo o contexto era católico (repito: era realmente assim?). Não deixar, não abandonar aquilo que agora é um fardo, entre estruturas, ritos, devoções, cargos, tarefas; não escolher novos caminhos de formação, de oração, de serviço; não sentir a coragem de novos caminhos, talvez repropondo sempre os esquemas de leitura que eram bons talvez 30 anos atrás: são tensões que percorrem os nossos dias...
E o mesmo ocorre, em maior escala, na Igreja ocidental (o papa admite isso em primeiro lugar), que vive a secularização. Como se bastasse uma missa em latim para encontrar Deus no século XXI (é significativa a anedota dos dois jovens padres que pedem para celebrar em latim sem conhecer o espanhol de muitos dos seus fiéis...); como se bastasse uma condenação a mais para nos sentirmos tranquilizados e “certos”; como se bastasse uma fórmula a mais para habitar o presente. Quem trabalha com os jovens sabe como não funcionam mais os esquemas e as receitas que já estavam muito em crise na virada do século.
E então? Construir o reduto hipercatólico (já uma contradição em termos) ou seguir em frente: talvez superando as palavras de ordem que se tornam rótulos abrangentes, como “Igreja em saída”, que já se aplica para tudo, até mesmo à procissão com o santo que era feita nos anos 1950, à catequese para as crianças que é a mesma há décadas, ou ao padre que coleta as intenções cotidianas para as missas nas redes sociais...
Se cada comunidade pelo menos tivesse a coragem de admitir: sim, temos medo, estamos perdidos… A partir daí, a partir da realidade, pelo menos pode começar um pensamento e uma ação, mesmo que acidentados, de um novo anúncio... talvez descobrindo aquilo que o Espírito já está fazendo “do lado de fora”...
Mas para onde estamos olhando, na nossa vida, nas vidas das nossas comunidades?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Igreja e a tentação de “voltar atrás”. Artigo de Sergio Di Benedetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU