22 Setembro 2021
Por trás desse conceito abrangente – usado pelo Papa Francisco, Delphine Batho e ativistas antiaborto – persiste um mal-entendido em torno do que realmente deveria ser “integrado” à ecologia. A bioética é o pomo da discórdia nesta aparente comunhão.
A reportagem é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 17-09-2021. A tradução é de André Langer.
Rota estranha essa da ecologia integral. Impulsionada pela encíclica Laudato Si’ em 2015, a expressão rapidamente conquistou o mundo católico... até cruzar suas fronteiras, e ser reivindicada em alto e bom som em 2019 pela ex-ministra da Ecologia Delphine Batho, hoje candidata às primárias dos ecologistas cuja primeira rodada termina domingo, 19 de setembro. A popularização dessa expressão trouxe sua cota de controvérsias, principalmente dentro do catolicismo, mas também fora dele. Tanto que hoje não está claro o que ela cobre ou se ainda tem uma relevância tanto ideológica como política.
Desvendar as origens do conceito para esclarecer seus contornos é um desafio. Foi o que fez recentemente o historiador Florian Michel, autor de um artigo publicado na revista católica Communio, em sua edição de novembro de 2020. “A aliança de termos, em francês, nasceu em 2007, sob a pena de Falk van Gaver, na revista L'Homme Nouveau, escreve Florian Michel. Este autor, na época um jovem graduado em Ciências-po e militante cristão, foi contratado pelo Observatório Sociopolítico da diocese de Fréjus-Toulon, criado pelo bispo Dominique Rey. Em entrevistas e artigos, é o primeiro, na língua francesa, a falar de “ecologia integral”, ou seja, “autêntica”, ao mesmo tempo “humana” e “ambiental”.
“O contexto é aquele do pontificado de Bento XVI, explica Florian Michel à La Vie, e de uma forma de hibridação entre o ‘humanismo integral’ de Jacques Maritain, assumido por Bento XVI, e o pensamento ecológico no ambiente católico”. A inovação semântica de Falk Van Gaver, apresentada em uma revista do movimento tradicionalista católico, coloca, portanto, o conceito na esfera conservadora.
Fora do mundo de língua francesa, o termo teria aparecido no final dos anos 1950 em um livro sobre “ecologia marinha” nos Estados Unidos. Durante muito tempo anedótico, o termo ganhou visibilidade quando foi adotado por dois pesquisadores americanos de filosofia que publicaram um livro em 2009 intitulado Ecologia integral: unificando perspectivas múltiplas sobre o ambiente natural (não traduzido). Os dois autores inspiram-se nas ideias do escritor americano Ken Wilber, líder de uma “teoria integral da consciência”, de inspiração budista. Eles clamam por uma melhor compreensão dos problemas ambientais, associando as ciências humanas e sociais às ciências naturais. Deve isso ser visto como uma inspiração para a encíclica ecológica do Papa Francisco? Pouco provável.
Quando publicou a Laudato Si’ em 2015, Francisco, como Falk van Gaver, foi muito mais inspirado pela doutrina católica pré-existente sobre a ecologia e o humanismo integral de Jacques Maritain – em oposição ao “nacionalismo integral” de Maurras – do que por estas teorias holísticas vindas dos Estados Unidos.
“Acredito que Francisco [de Assis, nota do editor] é o exemplo por excelência da proteção do fraco e de uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade”, escreveu em sua introdução. Na sequência, desenvolveu sua visão de uma ecologia que mescla a dimensão ambiental com a dimensão social, que escuta “tanto o grito da Terra como o grito dos pobres”, para usar as palavras do Papa.
Essa ideia e essas palavras ressoam em sintonia com a Teologia da Libertação, em particular com os escritos do teólogo brasileiro Leonardo Boff, atualmente vivendo como leigo. Este último publicou em 1995 um livro intitulado: Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres (Ed. Vozes). Segundo o pesquisador Ryszard Felik, o próprio Boff teria se inspirado no ecoteólogo Thomas Berry. Este padre americano enfatiza o aspecto cósmico da comunhão entre as criaturas, em uma interpretação pessoal do pensamento de Francisco de Assis. Um aspecto justamente desenvolvido pelo Papa em sua encíclica.
Sobre essas origens nebulosas foi enxertado um conflito de interpretação entre duas correntes ideológicas, herméticas entre si. Uma primeira abordagem é defendida pelo campo católico de tendência conservadora. Esta última reivindica uma ecologia integral, no sentido de uma ecologia verdadeira e extensiva, na linha da doutrina católica. Bioética, ambiente social e espiritual: tudo está interligado. “Ao falar de ecologia integral, o Papa Francisco insiste em seu caráter integrador, explica o filósofo católico Fabrice Hadjadj. Não devemos esquecer que, se o homem desperdiça, é porque sua vida tornou-se insensata. A vida interior nos poupa da fuga para frente do consumismo”.
Concretamente, a ecologia integral interpretada pelo Fabrice Hadjadj preenche todas as caixas da doutrina católica, inclusive sua recusa ao aborto, descrita como mais uma manifestação da ‘cultura do desperdício’, denunciada com regularidade pelo Papa Francisco. “Devemos entender que ‘tudo está interligado’ em seu sentido mais integral, ele liga todas as coisas vivas do protozoário à Trindade passando pelos pobres”, resume o filósofo. Não estamos muito longe da “ecologia humana”, defendida por Bento XVI em 2007 e retomada por alguns católicos franceses pouco antes da Manif pour tous. No entanto, a ecologia integral permite não construir uma ecologia cristã em oposição à ecologia clássica, laica, mas integrá-la. “Na época, queríamos evitar falar de ‘ecologia cristã’, conta Fabrice Hadjadj; tentamos a ecologia humana, mas não deu certo porque estamos em um momento em que o humanismo está em crise”.
Muito diferente é a abordagem dos ambientalistas “clássicos”, não particularmente engajados no mundo católico... mesmo que sua “conversão” à ecologia integral tenha ocorrido na esteira do Papa Francisco. Se a integração da dimensão espiritual ainda é bem-sucedida, a da bioética é fortemente rejeitada. É isso que a candidata ecologista e ex-ministra do Meio Ambiente Delphine Batho defende. Seu manifesto Ecologia Integral, publicado em 2019, visa fazer da ecologia o prisma principal da política. Trata-se, portanto, da mesma lógica extensiva do Papa Francisco: “A ecologia integral (...) vai extrair sua força de uma ecologia interior que representa uma nova etapa na evolução humana, escreve Delphine Batho. A revolução mental que devemos realizar é abraçar a totalidade dos seres vivos como sendo parte de nós mesmos”. Mas isso entrar no campo da bioética está fora de questão. Usando este termo como um slogan para sua campanha pré-presidencial, ela também teve o cuidado de enfatizar a dimensão “laica” de seu projeto... como para se livrar de qualquer possível filiação religiosa ou espiritual.
Um dos seus principais apoiadores, o filósofo Dominique Bourg, explica-nos sua interpretação do conceito. “A contribuição da Laudato Si’ é demonstrar que a justiça social e a justiça ambiental são indissociáveis, diz o filósofo. A ecologia integral, portanto, consiste em integrar essas duas dimensões, quando durante muito tempo foram mantidas separadas”.
Mas a filiação com o Papa termina aí. “A reintegração na encíclica do ensino da ecologia humana não nos interessa, observa Dominique Bourg. Servir-se de uma certa ideia de natureza para fundar costumes como naturais em relação a outros que não o seriam é estranho ao pensamento ecológico”. O filósofo rejeita, portanto, a postura tomista que nos convida a buscar na natureza uma norma moral.
Porém, o cordão sanitário erguido entre a bioética e a ecologia poderia ser cruzado como parte de uma reflexão sobre o uso da técnica, admite Dominique Bourg. “As questões bioéticas podem nos levar a refletir sobre as técnicas e seu impacto sobre os ecossistemas”, explica. O filósofo cita os trabalhos do matemático Nicolas Bouleau sobre os perigos da biologia sintética (Ce que Nature sait. La révolution combinatoire de la biologie et ses dangers, Puf, 2021). “Devemos ser muito prudentes ao manipular as coisas vivas porque nossa ação pode ter efeitos catastróficos a longo prazo que não poderíamos prever”, conclui Dominique Bourg. “Uma reflexão sobre a procriação médica assistida (PMA) pode ser pensada por este viés no pensamento ecológico, desde que se refira aos ecossistemas e não a uma moral qualquer”.
Hoje, à medida que se desenha a campanha para as eleições presidenciais (na França), o conceito sofre com essas divergências de interpretação. E isso apesar dos esforços dos católicos de sensibilidade social e ambiental para desarmar o assunto uns junto aos outros. Porque aqueles que tentaram construir pontes entre os dois blocos, conservador e ambientalista, são criticados por sua falta de clareza ideológica.
É o caso da revista Limite, fundada em setembro de 2015 por um coletivo de jovens católicos de diversas tendências, mas muitos dos quais fizeram campanha nos Veilleurs, nascidos na esteira da Manif pour tous. Esta “revista de ecologia integral”, nascida alguns meses depois da publicação da Laudato Si’, foi muito friamente recebida pela velha guarda católica-ecológica comprometida com a esquerda, como o movimento Cristãos Unidos pela Terra, e figuras do cristianismo social como o jesuíta Gaël Giraud por seu posicionamento conservador em termos de bioética. Ela é suspeita de cultivar um fundo direitista ou mesmo reacionário.
Em 2020, é Fabrice Hadjadj, assessor editorial da revista, que se junta à procissão dos descontentes e abandona o navio. O filósofo deplora uma interferência na linha editorial e uma possível deriva para “uma ecologia integrista”. É verdade que a revista evoluiu, fortalecendo o tratamento das questões sociais para se ancorar mais à esquerda. O tratamento da bioética também passou a ser menor, como explicam os colaboradores da revista em coluna publicada durante o debate sobre a “PMA para todos”.
“Para nós, a oposição, legítima, a tal mudança não deve se voltar contra os homossexuais ou nos distrair da emergência ecológica”, declaram. “Sem negligenciar as ameaças ligadas às evoluções bioéticas (mercantilização, eugenia, transumanismo...), gostaríamos de convidar os nossos irmãos e irmãs cristãos a finalmente ouvirem realmente o apelo da encíclica Laudato Si’: a ecologia integral não consiste em alisar a palavra “ecologia” nas questões sociais, mas em defender a vida onde quer que ela seja ameaçada, começando com nossa casa comum, a Terra, devastada pelo egoísmo e pela ganância”.
Essa mudança de tom sobre a bioética abrange, sobretudo, uma mudança mais ampla, acredita Fabrice Hadjadj, que deplora especialmente um descaso com o “fundamento trinitário e cristológico da ecologia integral” e “a falta de amplitude apocalíptica”. Resumindo: a revista se tornaria demasiado imanente e perderia o aspecto propriamente cristão da ecologia do Papa Francisco. “O que nos faz agir de forma ecológica é o mandamento de cultivar a terra, explica. Não é a autopreservação em uma única perspectiva utilitarista”.
Diante dessas tensões, os ativistas ambientais cristãos se perguntam: não deveríamos abandonar um conceito que se tornou muito ambíguo? “Sendo a ecologia integral por definição integral, cada um pode encontrar nela algo para si, e muitos tentaram puxar a capa para si definindo a ecologia integral como a única parte da ecologia que lhes interessava, testemunha Johannes Hermann, ex-membro da revista Limite, naturalista, há muito comprometido com a ecologia e autor de vários livros sobre a ecologia integral. Tendo despertado entusiasmo no início, é inevitável que agora passemos por uma fase de esclarecimentos...”.
Assim, a integração da bioética ao campo da ecologia parece-lhe relevante, mas na condição de não ocupar todo o espaço. “A ponte com a bioética tem relevância, explica, na medida em que existe o paradigma tecnocrático, mas não é a única chave de tudo o que acontece no mundo”. Para que as palavras guardem seu significado, devemos tomar cuidado para garantir que a ecologia integral não se torne um balaio de gatos oportunista. “Na ecologia, temos que ser muito rigorosos se não quisermos cair em qualquer coisa, conclui ele, não só na questão da bioética, mas também das antivacinas e do 5G”. Dois temas que geram debates acalorados no movimento ambientalista de esquerda.
François Mandil, por sua vez, comprometido com o Europe Écologie-Les Verts (EELV) e colunista da RCF, deseja acima de tudo reter a força estratégica do conceito de ecologia integral no mundo cristão. “Foi uma forma de desminar a ecologia humana muito carregada politicamente, lembra esse homem de 40 anos, agora membro da equipe de campanha de Eric Piolle. Por outro lado, a Laudato Si’ foi uma ótima saída para os católicos que não queriam ouvir falar sobre a ecologia”. Mas para esse ativista ambiental de longa data, o conceito não tinha nada de novo, embora a expressão não existisse como tal. “Eu disse para mim mesmo: ‘mas quem são esses trabalhadores da última hora?’, confessa. O grito da Terra e dos pobres, é o que os ambientalistas vêm dizendo há 30 anos, e é por isso que estão mais à esquerda. Fomos muitas vezes criticados dizendo: ‘vocês falam dos migrantes indocumentados, mas não sobre a ecologia’. Hoje, podemos ver que são questões relacionadas”.
O conceito está obsoleto hoje? O ativista considera que ainda é útil, especialmente entre os católicos. “A ecologia integral tem uma força de slogan, explica ele. É a pequena centelha que impulsiona a conversão. Permite que todos entendam que a ecologia não é apenas proteger o meio ambiente, mas também defender a primazia da harmonia entre as pessoas e seu meio ambiente sobre o acúmulo de dinheiro. Nada muito surpreendente para os católicos, na verdade. Por mais que os católicos estejam divididos sobre a Manif pour tous, a questão da ecologia é uma cola que os aproxima”.
Laura Morosini, cofundadora da Cristãos Unidos pela Terra, reconhece não ter “nunca sido totalmente adepta deste conceito” porque percebeu entre aqueles que o empregaram uma vontade de se separar dos ecologistas clássicos e das grandes ONGs ambientalistas. Aos 52 anos, esta que tem longa experiência na esfera política e militante prefere que os católicos reconheçam o “profetismo” dos Verdes, como fez Bento XVI durante a sua visita ao Bundestag em 2011. Por outro lado, Laura Morosini constata que “a ecologia integral está se democratizando”. Na Itália, tornou-se recentemente um dos pilares do movimento Cinco Estrelas, aponta. “Certamente pode tornar-se um balaio de gatos, continua, mas vejo positivamente o fato de que Delphine Batho tenha se apropriado dele. Isso significa que não é monopólio da revista Limite”.
Se tivesse que escolher outro termo, Laura Morosini tomaria sem hesitação o de “conversão ecológica”, mais concreto e sem dúvida menos marcadamente “católico”. “Contém uma nuance cristã, espiritual e dá bem a dimensão da mudança a ser feita – etimologicamente, ‘dar a volta’ –, muito mais do que o termo ‘transição’, que se tornou uma chave mestra”. Uma proposta que parece ser válida em determinados ambientes cristãos. Em seu Laudato Si’ en actes. Petit Guide de conversion écologique (Laudato Si’ em ação. Pequeno guia para a conversão ecológica), publicado em 2020, Marie-Hélène Lafage, membro dos Alters-cathos e dos Escoteiros, já afirmava: “Considerando que em 2015, na época de sua publicação, o termo-chave da encíclica era “ecologia integral”, agora parece que a “conversão ecológica” tornou-se a nova noção central, em uma fase de aceleração da apropriação das questões ecológicas”.
O deslizamento semântico é interessante: depois de perceber a complexidade e a magnitude dos problemas ecológicos graças à ecologia integral, o mundo cristão se entrega à tarefa de mudar de vida. Com a condição de não pagar pelas palavras, por mais significativas que sejam.
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Devemos acabar com a ecologia integral? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU