12 Agosto 2021
"A rede de mulheres vem sendo metralhada. As marcas estão nos números do feminicidio na região Pan-Amazônica, no Brasil, na América Latina. E se essas marcas permanecem também estão postas as razões do porquê as batalhas irão continuar, os nós serão insubordinadamente feitos, refeitos, reinventados, até que a história de vida de cada uma de nós e de todas seja transformada em ato revolucionário permanente", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Comunicação, articulista no jornal A Crítica de Manaus, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Este artigo é uma reedição parcial de um escrito de janeiro de 2005. O texto soltou as minhas mãos há duas semanas quando organizava papeis em pastas, aliás tentativa que não consigo realizar. Passados 16 anos do escrito, a tônica permanece e está agudizada no Brasil. Em meio as lutas deste 2021, mulheres se revelam, mais uma vez, lamparinas acesas. Com acréscimos e retiradas, eis o artigo:
Numa longa caminhada, as mulheres carregam seus sonhos, seus frutos, filhos, filhas e tralhas preciosas. Metem-se em tudo quanto é lugar, algumas vezes sem pensar, outras, depois de muito pensarem. Quando olham para trás veem o tamanho do caminho percorrido e até podem vislumbrar conquistas. Mas, sabem, falta muito e andança é longa. É o que fazem nesse Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA). Olharam. Os olharem vieram de vários lugares desse continente amazônico e perceberam ter andando nas e além das fronteiras. Constituem uma base da força coletiva singular dos ecofeminismos.
Percebem nessa performance da intervenção o quanto falta para fortalecer o elo mais amazônico em meio a diversidade do oriente e do ocidente da região até a rede em tecimento seja ampliada, reconhecida e manejada em favor inegociável das lutas das mulheres, das juventudes e dos povos amazônicos.
O Fórum Social Pan-Amazônico de 2005 realizado em Manaus, captou a mensagem das mulheres e tornou possível concretizar alguns nós fundamentais para o caminhar seguir adiante. No janeiro deste ano, o FOSPA, realizado remotamente, trouxe uma carga forte das falas-vivências das mulheres amazônicas. São elas guardiãs das memórias, dos velhos, das crianças e das sementes, escutam noutra perspectiva e se envolvem nas batalhas pelo chamado à vida e para animar aqueles desanimados, desesperançados.
Pelo espaço FOSPA, uma das faces das amazônias em movimento, é possível ver o quanto as mulheres, feitas cipós, se esticam como pontes e asseguram a travessia, se enroscam como afeto diante da dor de tantos e de tantas, se descobrem seiva no ato de multiplicar alimentos saciadores da fome e da sede. Expressam-se em gestos e palavras no combate a neofascismo e todo aporte nele abrigado – o racismo, a violência, o patriarcado, a destruição das florestas e dos rios, a exploração e a pobreza de muitos.
A rede de mulheres vem sendo metralhada. As marcas estão nos números do feminicidio na região Pan-Amazônica, no Brasil, na América Latina. E se essas marcas permanecem também estão postas as razões do porquê as batalhas irão continuar, os nós serão insubordinadamente feitos, refeitos, reinventados, até que a história de vida de cada uma de nós e de todas seja transformada em ato revolucionário permanente.
Se os tanques do passado tentam amedrontar e editar o terror no presente como tentativa de impedir de sonharmos os nossos sonhos, serão as flores, frutos das semeaduras que vem sendo realizadas, as armas levantadas em gestos, pela voz e pelos corpos diante dos algozes. Pétalas espalhadas no chão são o tecido do nosso retumbante sim à vida.
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A outra face do diálogo de mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU