04 Agosto 2021
Na noite entre 2 e 3 de agosto de 1944, cerca de três mil ciganos foram massacrados pelos SS no campo de concentração de Auschwitz. Silêncios demais sobre o massacre dos Sinti e dos Rom levado a cabo pelos nazistas. Meio milhão de vítimas e penas irrisórias infligidas aos assassinos.
A reportagem é de Gian Antonio Stella, publicada por Corriere della Sera, 03-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Lembro-me que o meu primeiro pensamento naquela manhã foi de ir dar uma olhada do outro lado do arame farpado. Não havia mais ninguém, só o silêncio ... Bastava dar uma olhada para as chaminés dos fornos crematórios que estavam funcionando a todo vapor para entender que naquela noite, todos, todos os ciganos do que chamavam de Zigeunerlager, haviam sido assassinados. Todos...”.
Piero Terracina, uma das últimas testemunhas do Holocausto, sobrevivente de Auschwitz, que morreu há alguns anos, ficava com um nó na garganta quando voltava a falar sobre aquela alvorada distante. Ele conhecia o campo do outro lado da cerca: “Era chamado de Zigeunerlager, o campo de concentração dos ciganos. (...) Havia muita vida, a gente tinha uma cor quase única, a gente vestia aquela espécie de pijama listrado, do outro tinham guardado suas roupas, então havia muita cor, tinham mantido os cabelos, nós estávamos quase todos com corte a zero, havia uma enormidade de gente, muitas crianças...”. Até que, na noite anterior, ele e os outros prisioneiros judeus ouviram os caminhões, a chegada de unidades alemãs, os cachorros latindo raivosos, os gritos das mulheres, o choro desesperado dos pequenos: "Então, de repente, depois de mais de duas horas, silêncio. Já não se ouvia mais nada”. Só o vento que batia as portas dos galpões completamente esvaziados: "A lembrança daquelas portas que batiam com o vento e não havia ninguém para trancá-las ficou dentro de mim...".
Segundo um dossiê da historiadora francesa Henriette Asséo na revista “Etudes Tsiganes”, foram três mil de trinta mil os roms sobreviventes de Auschwitz. Um décimo. Todos os outros morreram de fome, de miséria, de frio ou "passaram pela chaminé" como aqueles 2.998, "principalmente mulheres e crianças pequenas", dizimados naquela noite entre 2 e 3 de agosto de 1944. E é aquela a data, desde 2015 (apenas a partir de 2015: após décadas de constrangimentos e remoções), escolhida para o Dia Europeu da Comemoração do Genocídio dos Ciganos. Que muitos lembram como o Porajmos ("o estupro" ou "devorar", mas o termo é contestado), outros como o Samudaripen: o extermínio.
Quantos foram os ciganos (outra palavra muito contestada embora usada com respeito e afeto pelos últimos Papas a partir de Paulo VI, por jornalistas como Orio Vergani, por músicos como Enzo Jannacci...) varridos na onda de ódio racista paralelo àquela vivida pelos judeus? Difícil de responder. O polonês Tadeusz Joachimowski conta a Luca Bravi no livro Attraversare Auschwitz. Storie di rom e sinti: identità, memorie, antiziganismo, editado por Eva Rizzin (Gangemi), foi o prisioneiro encarregado de preencher em dois livros as entradas de Sinti e Rom, homens, mulheres, crianças. Um momento antes de os nazistas recuarem sob o avanço dos russos após terem tentado esconder os vestígios de sua ferocidade, ele conseguiu esconder os volumes, embrulhados em trapos em um balde enterrado: eles tinham que ser salvos. Precisamente porque diante da imensa quantidade de memórias, livros, cartas, vídeos, depoimentos processuais da Shoah, o "povo viajante" conservou muito pouco do genocídio sofrido...
Aquele velho balde restituiu apenas um par de milhares de nomes. Mas os outros? Quantos foram os assassinados? Há quem afirme: de duzentos mil a um milhão. Hipótese. “Digamos que convencionalmente se pensa em meio milhão de vítimas”, responde o historiador Leonardo Piasere, autor de vários livros sobre o tema, entre os quais I Rom d’Europa (Laterza). “Mas é quase impossível contá-los agora. A grande maioria não conseguiu deixar relatos por escrito. Além disso, os documentos soviéticos liberados para a consulta revelam como os nazistas, na Europa do Leste conquistada, aniquilavam à sua passagem aldeias inteiras, muitas vezes de Sinti e Rom residentes, camponeses já atingidos pela repressão de Stalin”.
Se isso não bastasse, acusa Treccani, os preconceitos históricos pesaram sobre os massacres: “Mesmo em Nuremberg o caráter racial do genocídio não foi reconhecido e, portanto, nenhum parente das vítimas foi indenizado”. Mais ainda: aos massacres planejados por Heinrich Himmler (que, aliás, havia inicialmente decidido suprimir o destino de alguns "arianos puros" pertencentes em teoria à mesma linhagem de distantes origens indianas que os alemães, mas que não devem ser confundidos com os "mestiços") tomaram parte voluntariamente assassinos, cidadãos comuns que se sentiam autorizados pelas leis de Hitler a massacrar todo cigano da vizinhança. Um massacre. De números incalculáveis.
Além disso, há séculos chegavam à Europas ondas de "licenças" desse tipo. Basta citar, entre muitos, uma que aconteceu na Itália. Da Sereníssima República de Veneza, que em 1558 estabeleceu que quem entregasse um cigano às autoridades receberia dez ducados "podendo ser os chamados Cingani, tanto homens como mulheres, que se encontrarem em Nossos Territórios serem mortos impunemente, já que os interfetores (os assassinos) por tais homicídios não incorrerão em nenhuma punição”.
Baseadas, como no caso do extermínio dos portadores de deficiência, na autorização dos médicos para "conceder uma morte misericordiosa" a quem vivia "vidas indignas de serem vividas". Incluindo não apenas os não autossuficientes afeitos pelas patologias mais incapacitantes, mas também aqueles que eram rotulados como inúteis e incorrigíveis. Como Ernst Lossa, um menino rom "eutanizado" por ser "muito agitado" (tratam desse assunto o livro Nevoeiro em agosto de Robert Domes, e a história teatral Ausmerzen de Marco Paolini) no manicômio de Irsee, a cerca de oitenta quilômetros de Mônaco. Onde estava na chefia a famigerada Mina Wöhrle, a enfermeira nazista condenada por 210 assassinatos ("Eu só cumpri ordens") a dezoito meses de prisão. Dois dias e meio de prisão por crime. Sem falar do médico-chefe, Valentin Faltlhauser, teórico da supressão a baixo custo "por fome" e de experimentos em crianças: três anos. Evaporados com a concessão da graça.
Tudo isso, como lembra a historiadora Henriette Asséo, apesar de nenhum médico ter "sido jamais obrigado a participar" das "experiências mais assombrosas". A começar pelas preferidas por Joseph Mengele, em "gêmeos ciganos". Rita Prigmore, uma idosa bávara sobrevivente de etnia Sinti, conta no livro editado por Eva Rizzin: “Em 3 de março de 1943, nascemos minha irmã Rolanda e eu. Logo após o nascimento, os homens da Gestapo vieram nos buscar e nos levaram para um hospital. Werner Heyde nos submeteu a experiências médicas. Minha mãe estava assustada e não conseguia suportar aquela situação de angústia e medo ... Assim ela foi para o hospital onde estávamos trancadas e, depois de muita insistência, conseguiu convencer uma enfermeira que mostrou para ela apenas a mim. Minha mãe insistiu em ver minha irmã Rolanda também. A enfermeira tentou resistir, negar-se, mas no final ela a levou ao banheiro e apontou para o corpinho de Rolanda deitado no fundo de uma banheira: ela estava morta. Os médicos haviam injetado tinta em seus olhos para tentar mudar sua cor...”.
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O Holocausto esquecido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU