14 Julho 2021
"O que o preocupava [Ratzinger] era um certo modo de pensar do homem moderno e, sobretudo, as tristes condições da Igreja, para a qual tinha palavras dolorosas, que às vezes beiravam a injúria", escreve Angelo Angeloni, em artigo publicado por Settimana News, 13-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Numa catequese sobre santo Agostinho (seu autor favorito), Bento XVI diz que, tendo retornado à África após receber o batismo do bispo Ambrósio, em Milão, na Vigília Pascal de 387, Agostinho “fundou um pequeno mosteiro, onde se retirou com alguns amigos para se dedicar à vida contemplativa e de estudo. Este era o sonho de sua vida.
Agora ele era chamado a viver totalmente para a Verdade. Um lindo sonho que durou três anos, até que foi, apesar de tudo, consagrado sacerdote em Hipona e destinado a servir os fiéis, continuando, sim, a viver com Cristo e para Cristo, mas ao serviço de todos. Isso foi muito difícil para ele, mas compreendeu desde o início que só vivendo para os outros, e não simplesmente para sua privada contemplação, poderia viver verdadeiramente com Cristo e para Cristo.
Assim, renunciando a uma vida apenas de meditação, Agostinho aprendeu, muitas vezes com dificuldade, a colocar o fruto de sua inteligência à disposição para o benefício de outros. Aprendeu a comunicar a sua fé às pessoas simples e, assim, a viver para elas naquela que se tornou a sua cidade, desempenhando incansavelmente uma atividade generosa e pesada [...]. Mas ele assumiu esse fardo, entendendo que só assim poderia estar mais perto de Cristo. Entendendo que se chega aos outros com simplicidade e humildade, esta foi sua segunda conversão”[1].
A própria visão da vida do Papa Ratzinger, seu desejo mais profundo, parece refletir-se nessas palavras.
Luca Caruso destaca isso bem em uma biografia do Pontífice[2]: uma biografia leve, no sentido mais alto do termo. Uma história que pode ser lida com a leveza de uma narrativa, escrita com a simplicidade de quem quer deixar claro o pensamento e a ação. (Simplicidade e clareza: dom raro, porque difícil).
O autor não liga para as conversas midiáticas em torno de Ratzinger, resultado (na maioria das vezes) de uma incompreensão de seu profundo pensamento teológico e de toda sua ação pastoral. Ele as menciona, mas não as alimenta. O livro (cuidadosamente documentado) é suficiente para negá-las.
O livro orienta o leitor por um caminho fundamental na vida de Joseph Ratzinger: do teólogo e pastor, do estudioso que ama a solidão, a meditação e a oração, e do missionário que ouve a voz da missão eclesial, na qual profunde todo o seu empenho, em vivo contato com as pessoas comuns, necessitadas da palavra de Cristo. No centro de ambas as atividades está a busca da Verdade, que é Deus[3], cuja fé (assim como o Cristianismo) não é algo que se possa administrar como se deseja.
Dos numerosos livros de Ratzinger, os três volumes sobre a vida de Cristo e as encíclicas sobre as grandes virtudes do cristão, creio que são aqueles por meio dos quais o grande público pôde conhecer sua profundidade intelectual e espiritual, sua extraordinária competência teológica e humildade evangélica[4].
Os numerosos encargos (primeiro como professor, como sacerdote, como cardeal e depois como pontífice) o cansavam, mas não o preocupavam. O que o preocupava era um certo modo de pensar do homem moderno e, sobretudo, as tristes condições da Igreja, para a qual tinha palavras dolorosas, que às vezes beiravam a injúria.
Mas tudo superava com a força do estudo, da oração e de uma consciência profunda, que sempre o ajudaram nos momentos críticos de decisões ou de propostas de renúncia a cargos de grande responsabilidade (não aceitos), até o último, a mais dolorosa (e a mais discutida). Essa consciência não era dúvida ou indecisão, mas uma avaliação dos limites e das forças humanas, e da responsabilidade diante de si e de Deus, que só conhece o coração humano; o homem vê apenas a aparência[5].
[1] Bento XVI, Testimoni del messaggio cristiano; Mondatori, Milão, 2012; pp. 80-81.
[2] Luca Caruso, Benedetto XVI – la vita e le sfide [prefácio de Mons. Georg Gänswein; posfácio do padre Federico Lombardi]; Edições Sanpino, 2021.
[3] 1Jo, 4, 8.
[4] Joseph Ratzinger - Bento XVI, Jesus de Nazaré: I, Planeta, 2017; II - Jesus de Nazaré - Da entrada de Jerusalém até a ressurreição; Planeta 2017; III – Jesus de Nazaré - A infância. Academia, 2017. - Encíclicas: Deus, caritas est (2005); Spe salvi (2007); Caritas in veritate (2009). Lumen fidei, sobre a fé, não a publica. O Papa Francisco vai retomar o texto, integrá-lo e publicá-lo em 2013.
[5] 1 Sm, 16, 7.
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As Sete Vidas de Ratzinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU