08 Junho 2021
Walter Isaacson escreve sobre gênios. Um de seus livros aborda a vida e obra de Leonardo da Vinci, outro se centra em Benjamin Franklin, outro, em Steve Jobs, e o mais recente, “El código de la vida”, concentra-se em Jennifer Doudna, a bioquímica que desenvolveu um método para editar o genoma humano, abrindo um mundo de possibilidades para a cura de doenças como o câncer ou para enfrentar a Covid-19.
As vidas de Da Vinci ou Doudna, que ganhou o Prêmio Nobel de Química em 2020, parecem muito diferentes entre si, mas não para Isaacson, que detectou nelas certos traços comuns: sua curiosidade, sua abertura mental e o desenvolvimento de um método, entre outros. Todos fatores que Isaacson considera essenciais frente à Covid-19 e outros desafios que enfrentamos nos dias atuais.
“Precisamos de um novo Renascimento, baseado na crença na ciência, no bom governo, na democracia e nas liberdades individuais”, disse, de Nova Orleans, sua cidade natal, para a qual retornou para dar aulas na Universidade Tulane, após percorrer o mundo como jornalista, editor-chefe da revista Time e CNN, e escritor.
“Esta pandemia global foi um desastre, mas poderia ter sido ainda pior”, ressalta. E se não foi pior, foi graças ao enorme esforço da comunidade científica, que enfrenta um ponto de inflexão ético e moral. É a tentação, disse, de acreditarmos que somos deuses.
A entrevista é de Hugo Alconada Mon, publicada por La Nación, 05-06-2021. A tradução é do Cepat.
Escreveu sobre algumas das maiores figuras da história. De Da Vinci a Franklin e Jobs. Por que se concentrou em Doudna e por que agora?
Porque acredito que a revolução das ciências da vida e a biologia será um evento mais importante que a revolução digital produzida pelos computadores e a Internet. Queria abordar tanto as promessas como os perigos que podem surgir da biotecnologia e da edição de genes humanos e, para isso, Jennifer Doudna era uma grande personagem central, pois esteve envolvida desde o início na descoberta da estrutura do RNA.
E como sabemos pelas vacinas contra o coronavírus e as ferramentas para a edição de genes, o RNA é uma molécula fascinante que nos ajudará a determinar nosso futuro genético. Sendo assim, quis contar a história desta revolução através de seus olhos, mais ainda quando também esteve envolvida nas questões políticas e éticas que surgem da engenharia genética.
Em seu livro, você destaca que enfrentamos a terceira revolução dos tempos modernos. A primeira foi a revolução dos átomos, a segunda a dos bits e agora a dos genes. É otimista sobre o que prevê?
Sou otimista que as moléculas se tornem os novos microchips, seremos capazes de reprogramá-las para combater vírus e bactérias ou o câncer. Poderemos usá-las para curar doenças genéticas, seremos capazes de usá-las para criar bebês mais saudáveis, e isso me dá otimismo. Mas também me preocupa que isto possa ser mal utilizado.
Jennifer Doudna teve um pesadelo após ter criado esta tecnologia e esse pesadelo foi que alguém queria conhecê-la para descobrir como esta tecnologia funciona e quando essa pessoa entrou na residência, essa pessoa olhou para cima e era Adolf Hitler. Depois disso, Doudna começou a reunir cientistas do mundo todo para lhes fazer uma pergunta: Como podemos evitar que esta tecnologia seja utilizada para maus propósitos?
Aprendeu algo sobre as pessoas, enquanto fazia a pesquisa para este livro?
Acredito que o livro expõe que temos uma curiosidade natural. Este livro trata de uma viagem de descoberta realizada por dezenas de cientistas, ao longo de 20 anos, que tinham a curiosidade sobre como funciona a vida e o que acontece dentro das células humanas. Essa curiosidade levou à invenção de ferramentas poderosas, que muitas vezes é o que acontece quando prestamos atenção ao que nos é intrigante.
Estas ferramentas afetarão a espécie humana porque nos permitirão guiar nossa própria evolução. Então, este livro aborda como os humanos são uma espécie curiosa, criativa e inventiva. E também é um livro sobre como devemos ter cuidado quando arrebatamos o fogo dos deuses para não abusar dele.
Em seu livro, aborda a rivalidade entre Doudna e outros cientistas, e como essa rivalidade os obrigou a avançar. Nesse sentido, convido você a responder à luz da pandemia que enfrentamos: O que podemos aprender de seu livro sobre os processos científicos?
Temos que aprender a apreciar mais a ciência, esta pandemia global foi um desastre, mas poderia ter sido ainda pior se não tivéssemos tido a possibilidade de investir e desenvolver vacinas. Portanto, espero que isto faça com que as pessoas apreciem mais o que os cientistas fazem. E que também leve a respeitar mais as vacinas e a evidência científica sobre como combater os vírus.
Liderou ‘Time’, CNN e o Aspen Institute, dá aulas na Universidade de Tulane, assessora uma empresa de Wall Street... Dada sua perspectiva única, quais são os desafios que temos pela frente, quando estivermos todos vacinados?
Acredito que nosso maior desafio será salvar a democracia da tentação do autoritarismo. Vemos muitas pessoas pelo mundo que se voltaram contra a ciência, a democracia e que se manifestam a favor de líderes autoritários, acreditando inclusive em teorias da conspiração. Devemos buscar recuperar a nossa fé nos fatos e nas evidências, e recuperar o respeito pelas outras pessoas que não pensam como nós. Essa foi a base de nossa democracia.
Permita-me uma digressão, estes desafios são semelhantes a alguns dos desafios que Da Vinci enfrentou? Penso, em particular, na obscuridade que o precedeu e cercou, na falta de informação consistente, nas multidões que ignoravam evidências científicas... Ou minha comparação é infeliz?
Bom, acredito que o que aprendemos da época de Da Vinci é como os humanos começaram a pensar baseados em fatos científicos comprovados. Leonardo fez parte do próprio início da revolução científica. Tinha teorias sobre coisas como se o dilúvio bíblico aconteceu ou não. Também analisou camadas de fósseis e teve a ideia de como a Terra foi criada ao longo de centenas de milhares de anos. Ele acreditou em formar suas teorias baseado nos fatos e provar essas teorias com experimentos, o que ajudou a assentar as bases para a revolução científica.
Penso que devemos voltar a esse tipo de pensamento, já que foi esse tipo de pensamento que ajudou a criar o Renascimento, que estava surgindo em Florença, durante o tempo em que Leonardo Da Vinci viveu lá. Mais ainda, acredito que precisamos de um novo Renascimento baseado na crença na ciência, no bom governo, na democracia e nas liberdades individuais. Quer tomemos Da Vinci, Benjamin Franklin ou Doudna como nossos heróis, espero que meu livro celebre esse tipo de pensamento.
Sendo escritor e jornalista, sabe que acaba de me dar o título...
[Risso] Sim, sei.
Como combina essa ideia de que precisamos de um novo Renascimento com a cultura do cancelamento que se espalha por universidades dos Estados Unidos e outras semelhantes desses tempos?
Penso que temos que encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a necessidade de ser amáveis e respeitosos com aqueles que nos cercam. Acredito, também, que os dois extremos geram problemas. Certamente, é uma má ideia “cancelar” ou marginalizar alguém porque não concordamos com seus pontos de vista, por outro lado, acredito que as pessoas deveriam expressar seus pontos de vista de uma maneira que seja respeitosa com os outros e que não tenha apenas a intenção de enfurecer ou provocar os outros. Por isso, considero que temos que voltar a um diálogo mais civilizado, que por sua vez respeite a liberdade de expressão.
Há alguma figura contemporânea que avalia que encarne este ideal?
Sim [silencia e pensa durante alguns segundos]. Mas mais do que destacar uma figura, prefiro destacar que, em nível comunitário, em todo os Estados Unidos, as pessoas estão sendo empreendedoras e muitas trabalham juntas para resolver problemas. Essas pessoas tentam melhorar suas vidas e as comunidades em que vivem, ao mesmo tempo em que procuram ser muito respeitosas com seus vizinhos, com aqueles que as cercam.
Pelo que observo, é principalmente em nível nacional que as redes sociais ampliam nossos ressentimentos e estimulam aqueles que promovem ódios. Por isso também acredito que o ressurgimento do sistema político estadunidense virá de baixo para cima, comunidade por comunidade.
Em seu livro, também aborda as questões éticas que surgem destes avanços. Corremos o risco de um neonazismo, com sua obsessão em criar uma raça pura de humanos superiores?
Penso que o perigo que enfrentamos não virá da mesma forma como os nazistas tentaram fazer, que era a eugenia ordenada e coordenada a partir do governo. Penso, ao contrário, que o perigo seria se permitirmos que seja um mercado livre absoluto, com um sistema sem regulamentação alguma, no qual os ricos podem comprar genes melhores para seus filhos. Isso conduziria não só a uma maior desigualdade em nossa sociedade, mas à codificação genética da desigualdade. Teríamos como resultado uma espécie humana formada por uma elite genética e uma subespécie humana geneticamente desfavorecida.
Permita-me um desafio. Por que um argentino ou latino-americano deveria ler o seu livro? Por acaso estes desafios que você traça não são muito futuristas ou próprios de uma sociedade hiperdesenvolvida, quando nosso hemisfério enfrenta desafios mais urgentes?
Acredito que as pessoas do mundo todo terão que entender e apreciar o poder desta revolução biológica. A Argentina conta com alguns dos cientistas mais criativos do mundo. Um dos heróis de meu livro, por exemplo, se chama Luciano Marraffini, é argentino. Por isso, acredito que especialmente uma nação como a Argentina, com pessoas tão talentosas, pode estar na vanguarda desta nova revolução biológica, mas também acredito que o cidadão médio ao redor do mundo deve entender esta revolução para que todos juntos possamos decidir as regras e regulamentações que queremos fixar.
De fato, quais são as perguntas que deveríamos nos fazer? Quais são as perguntas que deveríamos nos fazer agora?
Penso que durante os últimos 40 anos deveríamos ter feito perguntas mais difíceis sobre as redes sociais e se seriam uma força que nos conectaria e uniria ou se seriam uma força que dividiria e polarizaria. Em relação ao segundo eixo, penso que a grande questão que devemos nos fazer no futuro é dupla: Como utilizaremos a biotecnologia para ajudar o maior número de pessoas possível? Que papéis teremos quando tivermos que definir até onde chegaremos, interferindo na espécie humana?
Pensa em escrever sobre outra figura histórica ou contemporânea?
[Risos] Ainda não. Estou fazendo um descanso.
Há alguma pergunta que não fiz para você e que gostaria de abordar?
Você fez um bom trabalho. Leu muito para esta entrevista e eu agradeço. Foram perguntas muito inteligentes. Agora, vejamos o que ficou pendente que valeria a pena abordar... [Silencia alguns segundos] Penso que um dos perigos que o mundo enfrenta é que as pessoas rejeitem a ciência e o método científico. Isso é perigoso quando as pandemias aparecem, mas também é perigoso para a nossa democracia porque depende de as pessoas terem a mente aberta e observarem a evidência, antes de chegar a conclusões.
No entanto, grande parte da política atual se baseia e é impulsionada pela ideologia, em vez de manter a mente aberta. Isso é muito preocupante. Podemos aprender da ciência. Como? Abordando a política com a mente aberta, do mesmo modo que abrindo nossas mentes poderemos aprender a apreciar mais e melhor o que os cientistas fazem.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“As pessoas do mundo todo terão que entender e apreciar o poder desta revolução biológica”. Entrevista com Walter Isaacson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU