08 Junho 2015
"Há muita resistência a qualquer tipo de mudança nos atuais padrões de produção e consumo da parte privilegiada da humanidade. Muitos alegam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global irá levar a uma equalização no desenvolvimento humano, oferecendo a todos a oportunidade de um padrão de vida digno", escreve Dal Marcondes, jornalista, em artigo publicado pelo portal Envolverde e reproduzido por CartaCapital, 05-06-2015.
Eis o artigo.
Todos os anos, no dia 5 de junho, data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, as empresas distribuem milhares de releases enaltecendo as próprias qualidades de sustentabilidade, escolas promovem oficinas de reciclagem e políticos posam com criancinhas plantando árvores. É uma beleza só, de repente o mundo fica mais sustentável, só que não! Contudo, as ações e discursos enaltecendo as atitudes sustentáveis servem para mostrar que o problema não é mais a falta de educação ou falta de conhecimento sobre os impactos que os hábitos humanos estão causando sobre o planeta, sobre a biodiversidade, sobre o habitat humano.
Já não há mais tanta gente falando em “salvar o planeta”, porque esse não é o dilema que a humanidade vive, pelo contrário, a Terra sabe se virar sozinha. Ela vem fazendo isso a quatro bilhões de anos e vai continuar girando em torno do Sol por mais quatro ou cinco bilhões de anos. É muito tempo de passado e de futuro. Já a humanidade está aqui a pouco mais de 100 mil anos, tem 10 mil anos de agricultura e pouco mais de 2 mil anos de história escrita. Até o ano de 1800 os impactos da humanidade sobre o planeta eram quase insignificantes, apesar de já terem extinto algumas espécies de animais.
Nesses últimos 200 anos, mais propriamente nos últimos 60 anos, é que a humanidade realmente mostrou suas garras e passou a exigir da Terra muito mais do que ela pode oferecer. A população durante o século 20 saltou de 1,65 bilhão no ano de 1900, para 2,50 bilhões em 1950 e para 6,07 bilhões em 2000. Em 2011 a população humana ultrapassou 7 bilhões de pessoas e a estimativa é de que seremos 9 bilhões em 2050.
Esse crescimento exponencial da população se reflete, também, na superexploração de recursos naturais e na degradação de ambientes em todo o planeta. O mais impressionante nessa história é que os impactos da humanidade sobre a maior parte dos recursos naturais era muito baixo até o ano de 1950. Depois disso, o desarranjo dos ecossistemas se tornou praticamente irreversível caso os modelos de desenvolvimento e os tradicionais métodos de produção e consumo não sejam drasticamente alterados. O gráfico abaixo mostra como todos os indicadores de uso de recursos naturais e a perda de espécies e biomas estão em um movimento crescente.
A conversa corrente de que é preciso mais educação e conhecimento para que as pessoas mudem de comportamento em relação ao meio ambiente não é mais o suficiente para uma real transformação ainda a tempo de preservar o habitat humano e de outras milhares de espécies que povoam a Terra. Não se trata mais de um desenvolvimento civilizatório. A ciência já tem todos os diagnósticos necessários em relação às mudanças climáticas, à extinção de espécies, a perda de florestas tropicais, o uso de combustíveis fósseis e sobre a maior parte dos Indicadores que apontam para uma tragédia socioambiental de grandes proporções.
Um dado alarmante é que atualmente a população humana é de pouco mais de sete bilhões de pessoas. No entanto, apenas três bilhões têm um padrão de vida que pode ser considerado confortável. Os quatro bilhões e pouco restantes padecem de algum tipo de carência, seja alimentar, de saúde, de educação, de habitação, água, trabalho ou outros direitos considerados universais, mas que não estão universalizados. Ou seja, o atual modelo de desenvolvimento não consegue suprir as necessidades básicas da humanidade como um todo. E não é por falta de informação ou conhecimento que as coisas não funcionam como deveriam.
Empresas e governos estão há anos debatendo quais são os limites de suas ações e procrastinando as possíveis soluções. As conferências realizadas no âmbito das Nações Unidas avançam de forma discreta em diversas frentes, conseguem resolver umas poucas coisas, mas não tem a efetividade necessária para gerar resultados em escala e duradouros. Há registros de resoluções, mas há, também, muitos apontamentos de fracassos. No caso das empresas, as maiores e mais importantes do mundo publicam regularmente seus Relatórios de Sustentabilidade, nos quais alardeiam suas qualidades e providências por um mundo melhor, mas não abandonam, em sua grande maioria, o tão conhecido business as usual, ou seja a maneira usual como fazem negócios e ganham dinheiro.
Há muita resistência a qualquer tipo de mudança nos atuais padrões de produção e consumo da parte privilegiada da humanidade. Muitos alegam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global irá levar a uma equalização no desenvolvimento humano, oferecendo a todos a oportunidade de um padrão de vida digno. Ao se avaliar no gráfico acima a evolução do PIB e o crescimento das iniquidades em todos os sentidos, nota-se que não há uma relação entre PIB e justiça social, pelo contrário, aparentemente o crescimento do PIB global tem levado a uma maior concentração de renda e aumento da desigualdade.
O principal problema a ser enfrentado pela humanidade neste século 21 não é o crescimento do PIB, mas sim a desigualdade na partição dos benefícios em uma economia realmente globalizada. Uma globalização que não se atenha ao comércio de bugigangas, mas que oferte bem estar e qualidade de vida para todo o planeta. E isso está muito longe de ser alcançado.
O desenvolvimento humano não é mais uma questão de educação, conhecimento ou civilização. Esses elementos já estão presentes em todas as organizações, empresas ou governos que realmente importam. Ou seja, as empresas, os bancos, os governos e a mídia sabem exatamente o tamanho de seus impactos negativos sobre o planeta. Não mudam de atitude por serem incapazes de romper uma inércia assassina onde cada qual quer tirar o máximo de vantagem no menor tempo possível como se o mundo fosse, de fato, acabar nos próximos dias.
Bom, o resultado disso é que, possivelmente, o mundo não acabará nos próximos dias ou anos, mas se tornará um lugar bem mais inóspito e difícil para se viver. A ciência tem alertado, principalmente em relação às mudanças climáticas, que o preço de não se fazer nada para melhorar o perfil ambiental do planeta torna-se muito mais alto a cada dia que passa. Talvez, daqui a alguns anos nem haja mais recursos suficientes para uma reversão.
A humanidade precisa com urgência realizar um novo salto, desta vez não um salto industrial como nos últimos 200 anos, ou um salto civilizatório, como no século 20, ou ainda um salto tecnológico como dos últimos 50 anos, mas um salto evolucionário. É preciso evoluir como espécie ou não terá pela frente os mesmo 10 mil anos que tem de passado. A Terra vai se recuperar da presença humana em bem pouco tempo. Especulações feitas por escritores e arqueólogos apontam que em dois mil anos poucos vestígios restariam da presença humana na Terra depois que ela se for. Um ou outro monumento e, o resto, seria trabalho para arqueólogos de uma espécie futura, que cavaria em busca de vestígio como hoje fazemos buscando dinossauros.
A própria busca pelos fósseis de 60 milhões de anos deveria servir para se perceber a insignificância de uma espécie que destrói o próprio habitat em pouco mais de 50 anos. A mudança do modo de vida da humanidade ainda neste século é necessária para a sua sobrevivência como espécie. Para isso não basta uma transformação, será preciso uma evolução, no melhor princípio darwiniano.
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Um novo DNA para a humanidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU