17 Fevereiro 2018
A uma distância de vinte e dois anos desde a clonagem da ovelha Dolly e com o uso da mesma técnica de bioengenharia genética, alguns pesquisadores chineses do Instituto de Neurociências da Academia de ciências de Xangai, pela primeira vez deram vida, alguns meses atrás, depois de três anos de experimentações e 79 tentativas falidas, a dois macacos Zhong Zhong e Hua Hua de patrimônio genético totalmente idêntico. A técnica - como é do conhecimento geral - consiste na transferência do núcleo de uma célula do animal a ser copiado para o interior de um óvulo não fertilizado cujo núcleo foi removido; no presente caso, o sucesso da experiência parece ter sido favorecido pela retirada do núcleo de células fetais.
O comentário é de Giannino Piana, teólogo moral, professor de Ética Cristã na Universidade Livre de Urbino e de Ética e Economia na Universidade de Turim, publicado em Rocca n. 4, 15-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A notícia divulgada em janeiro passado por uma das principais revistas científica e amplamente repercutida pela mídia despertou (e não poderia ser diferente) intensos debates. A proximidade do macaco com o homem deu uma consistência real para a hipótese da possibilidade de se chegar, num período bem curto, à clonagem humana, levantando questionamentos éticos preocupantes.
De várias partes surgiu a dúvida se é realmente correto direcionar a pesquisa científica para esse caminho, e isso não apenas pelos alarmantes efeitos negativos que poderiam resultar no futuro ao se passar para o âmbito humano, mas também pelos reflexos que isso pode ter sobre as vidas dos próprios animais envolvidos.
Em defesa do experimento manifestou-se um número significativo de homens da ciência, citando como elementos positivos a capacidade de obter, através desse caminho, resultados mais confiáveis e facilmente reproduzíveis com benefícios reais para as atividades de cura – a clonagem dos macacos possibilita ter modelos de doenças humanas utilizáveis para testar novas terapias, como a da edição genética - e com a possibilidade de reduzir o número de primatas utilizados nos ensaios com animais.
Dessa forma, estar-se-ia garantindo um duplo êxito positivo: por um lado, a extensão do campo de pesquisa em vista à prevenção e terapia de doenças relacionadas com o patrimônio genético humano; e, pelo outro, um redimensionamento dos impactos negativos sobre os animais - a redução do número é uma questão significativa – destinados a servir como cobaias para os pesados tratamentos manipulativos em vista de objetivos estranhos ao seu bem-estar e destinados exclusivamente a servir ao interesse do homem.
Não faltam, contudo, também no plano de ética dos animais, reservas significativas, devidas tanto à redução da variabilidade genética dos macacos, como à reprodução forçada de macacos idênticos a si mesmos para uma função puramente instrumental, isto é, para serem submetidos à experimentação clínica. No primeiro caso, percebe-se justamente como a criação de animais idênticos a si mesmos, além de comprometer a diversidade do patrimônio genético, que constitui a riqueza das espécies animais, poderia levar ao desaparecimento de uma espécie inteira. No segundo, a criação de tais animais, que ocorre com o único propósito de sua utilização, implica numa ausência de qualquer forma de respeito pela sua autonomia e pela sua dignidade.
Mas, além da perplexidade (na verdade, pouca) que foi manifestada no terreno estritamente animal, as objeções levantadas por muitos dizem respeito ao medo de que a clonagem, que foi praticada no mamífero mais próximo do homem, possa ser transferida para o próprio homem.
O fato de que tal passo possa ocorrer, que se esteja realmente bem próximos de realizá-lo, realmente levanta preocupações perturbadoras sobre o perigo de um atentado ao próprio coração da humanidade.
A criação de sujeitos humanos dotados do mesmo patrimônio genético constitui um grave redimensionamento da variedade e da riqueza da humanidade, uma forte limitação de suas possibilidades de expressão.
É verdade - e é preciso dizer isso honestamente - que a presença do mesmo patrimônio genético em seres humanos diferentes não comporta necessariamente em um idêntico desenvolvimento da personalidade; desenvolvimento no qual entram em jogo outros fatores de caráter psicológico, social e cultural que determinam a diversidade.
Isso é evidente no caso de gêmeos idênticos, onde mesmo com a identidade do patrimônio genético resultam características pessoais distintas e atitudes diferentes. A confirmação disso também provém dos recentes estudos sobre gênero, a partir dos quais resulta evidente que para definir a identidade humana não intervém apenas o sexo biológico, mas também o conjunto de fatores sócio-culturais que desempenham um papel preponderante na construção da personalidade.
Mas, mesmo reconhecendo a relevância desses fatores, não é possível ignorar a importância do dado biológico sobre a formação da identidade pessoal e não se pode (e não se deve) deixar de reconhecer que a reprodução de sujeitos biologicamente idênticos, além de determinar, como já foi mencionado a propósito do mundo animal, uma redução da diversidade - a variedade dos patrimônios genéticos, também na esfera humana, é uma verdadeira riqueza - representa uma limitação de liberdade, que acaba por se expressar apenas a partir de um patrimônio genético previamente determinado. O que, em outras palavras, ocorre, é uma circunscrição das modalidades de exercício da liberdade dentro de uma área bem delimitada que compromete a possibilidade de uma gama indefinida de expressão.
A tudo isso é preciso acrescentar - e é um fator altamente significativo – que o risco que surgiria, no caso de subsistir a possibilidade de tal intervenção manipuladora, é que a decisão sobre o patrimônio genético a ser favorecido na reprodução acabasse de fato sendo assumida por quem gerencia o poder econômico e/ou político, com o resultado que se termine na criação de um tipo de homem funcional aos interesses daqueles que o programam. Isso seria uma nova (e muito grave) forma de tirania, que deve absolutamente ser evitada se se pretende salvaguardar o ser humano em sua mais autêntica originalidade. Não é por acaso, a tal propósito, que a clonagem dos dois macacos tenha acontecido na China: sabe-se que há alguns anos estamos assistindo à transferência de indústrias ocidentais de pesquisa farmacêutica (e não só) para aquele país, porque os ensaios clínicos são menos onerosos e estão sujeitos a menores controles.
Os cenários que se abrem na vertente das manipulações genéticas são, portanto, tudo menos tranquilizadores. E isso, especialmente quando se considera a crescente dificuldade de contenção e de controle dos processos que as acompanham.
A complexidade do sistema atual, em que novos processos desencadeados interagem com outros já em funcionamento, tornam parcial e insuficiente qualquer juízo preventivo: além dos impactos previstos desde o início, ocorrem consequências não previstas nem previsíveis que emergem com certa distância, e podem derrubar a avaliação original.
A possibilidade de que vença o tecnicismo desse novo Prometeu que se traduz em uma abordagem agressiva para a experimentação, é então vinculada à adoção de uma ética da responsabilidade, que deve presidir as diferentes tomadas de decisão. Uma ética que coloque em sua base o cultivo de uma atitude prudente inspirada pelo princípio da precaução.
O que está em jogo é de fato o próprio destino da espécie humana, cuja preservação - como nos lembrou Hans Jonas, parafraseando e ampliando a famosa regra de Kant - hoje é dependente da consideração e do tratamento dela como um fim, e não como um simples meio. Isso exige como condição imprescindível a preparação de uma nova cultura humanística, que não se oponha ao progresso científico, mas abrigue dentro de si a contribuição de valores que devem ser levados em conta se quisermos perseguir o objetivo de uma verdadeira promoção humana.
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Bioengenharia genética. Uma delicada questão ética - Instituto Humanitas Unisinos - IHU