01 Fevereiro 2018
A clonagem do macaco causou muito espanto. Provocando um debate que logo se polarizou entre os defensores da liberdade de pesquisa e aqueles que invocam uma regulamentação com base em considerações éticas.
O comentário é de Mauro Magatti, publicado por Corriere della Sera, 30-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Analisando melhor, essa discussão deixa-nos insatisfeitos. Por um lado, porque os defensores da ciência, fortalecidos pelos sucessos ao longo dos séculos, pedem para "ter fé" em relação a um processo que ninguém sabe realmente onde pode levar. Pelo outro, porque no mundo em que vivemos o apelo a padrões éticos elaborados dentro da cultura cristã-ocidental parece insuficiente, ou inutilmente restritivo, diante das questões a serem enfrentadas. Terminando assim, inevitavelmente, caindo no vazio.
Mas o problema, porém, permanece. Não é apenas por causa da clonagem e das biotecnologias em condições de atuar em dimensões cada vez mais íntimas da vida. Robôs são capazes de substituir grandes quantidades de trabalho; a inteligência artificial supera em alguns campos a própria capacidade humana; os big data e algoritmos permitem novas formas de governança e gestão de processos sociais. A extensão das mudanças induzidas pelo desenvolvimento técnico-científico nos obriga a fazer novas perguntas.
Pelo menos em dois aspectos.
A primeira é que hoje a distinção clássica entre ciência e tecnologia - a primeira interessada no conhecimento e a segunda focada no viés aplicado - torna-se cada vez mais tênue. Vamos considerar o caso dos macacos clonados: como afirma o diretor do Instituto de Neurociências da Academia Chinesa de Ciências de Xangai, ao anunciar o resultado, "o sucesso é devido à combinação de novas técnicas de microscopia para observar o crescimento celular e de novos compostos para incentivar a reprogramação celular". A "reprogramação celular" é uma ação que podemos colocar no âmbito científico ou técnico? Na verdade, esta pergunta permite compreender que, quando falamos de ciência, hoje, estamos lidando com uma rede global de centros de pesquisa, públicas e privadas, que trabalham em projetos mantidos por substanciais financiamentos. Obviamente, quanto mais nos movemos para o lado científico, mais os horizontes estão abertos e os resultados incertos. Mas isso não significa indeterminados.
Tanto porque há sempre um interesse (econômico e político) mais ou menos implicitamente envolvido; como porque a própria ciência só pode se realizar dentro daquela infraestrutura técnica global que torna possível (orienta?) a própria pesquisa básica. Hoje, muito concretamente, podemos ver a ambivalência entre ciência e poder nas implicações de alguns dos desenvolvimentos científicos mais avançados. Mas no fundo já não estava tudo bem reconhecível no programa original da ciência moderna, resumido pelo lema de Bacon "saber é poder"?
O segundo aspecto diz respeito ao sucesso planetário da ciência, agora patrimônio de toda a humanidade. No Corriere, Boncinelli também observava que os próximos passos no campo da clonagem provavelmente serão feito por cientistas de outras partes do mundo. A ciência não é mais monopólio do Ocidente. Nas últimas décadas também outras tradições culturais adquiriram a mesma metodologia e tornaram-se capazes de fazer por si mesmas. Mas tal passagem está longe de ser inocente. Com toda a sua neutralidade, ainda assim a ciência nasceu dentro um Ocidente imbuído dos valores do humanismo, que colocava o homem no centro. Mesmo que de forma conflituosa, tal inculturação implicitamente permitiu que a ciência avançasse sem esquecer seus pressupostos e seu destino antropológicos.
Mas nada pode garantir que tudo isso ocorra também no futuro, no momento que existem outros universos culturais a usar essa forma de olhar e manipular a realidade. Temos pelo menos dois problemas: como evitar que, mais ou menos sub-repticiamente, a ciência fique sujeita ao sistema técnico; como manter unidos ciência e humanismo na era da globalização. Para isso, dizer que o limite da ciência é a própria ciência parece hoje insuficiente.
Temos que voltar a perguntar quais são os limites que, como seres humanos, nós acreditamos que não se podem ou querem ultrapassar. Precisamos abrir uma reflexão ética na era da sociedade técnica. Mas não é o suficiente fazer apelo a alguma autoridade. Precisamos de argumentos e formas de governança adequados. Ao invés de simplesmente nos limitar a polemizar, os diferentes componentes da tradição ocidental poderiam encontrar uma tarefa comum: no momento em que a tecnociência torna-se infraestrutura planetária, o que significa e como proteger o valor da pessoa humana?
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É preciso uma reflexão ética sobre a tecnociência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU