29 Abril 2021
À famosa qualidade de vida no trabalho, Yves Clot, professor emérito de psicologia do trabalho no Conservatório Nacional de Artes e Ofícios (Cnam), prefere... a qualidade do trabalho. Seu último livro, Le prix du travail bien fait. La coopération conflictuelle dans les organisations (O preço do trabalho bem feito. A cooperação conflitiva nas organizações), La Découverte, 2021, deveria inspirar os especialistas em prevenção na luta contra os riscos psicossociais.
A entrevista é de Clodilde de Gastines e François Desriaux, publicada por Alternatives Économiques, 24-04-2021. A tradução é de André Langer.
Por que este livro? E por que agora?
O trabalho bem feito é, para nós, a chave para a saúde no trabalho, do corpo e da mente. Baseia-se em uma experiência clínica, que é a nossa marca há muito tempo, segundo a qual o desempenho real não está fadado a destruir a saúde. O desempenho não é apenas o valor contábil, mas também a eficácia do gesto, a qualidade do produto ou a possibilidade individual e coletiva de nos reconhecermos naquilo que fazemos.
A ideia do livro é tornar pública e transmitir a nossa experiência questionando-a, para o maior número possível de atores da prevenção, em particular para a nossa comunidade de psicólogos ocupacionais. Nele descrevemos metodicamente os três experimentos que realizamos em um estabelecimento médico para idosos dependentes (Ehpad), na Normandia, na fábrica de automóveis Renault em Flins e com os catadores de materiais recicláveis da cidade de Lille.
O manuscrito estava pronto no início de 2020. Com a crise sanitária, nós, com meus coautores Jean-Yves Bonnefond, Antoine Bonnemain e Mylène Zittoun, tivemos que refletir novamente sobre o assunto. Nunca acreditamos no advento do “mundo pós[Covid-19]”, promovido em uma certa euforia intelectual. A introdução é uma homenagem aos cuidadores.
Você destaca que com a crise da Covid-19, a administração hospitalar colocou-se a serviço do cuidado. Essa reversão do equilíbrio de poder foi excepcional?
Devemos ter presente o ponto de partida. A ação do pessoal hospitalar deu origem ao “Seguro Saúde”. O pessoal da emergência teve que lidar com a escassez e reorganizar o trabalho com base na inteligência coletiva.
Essa experiência é histórica, ainda que momentânea, porque surgiram ideias que ninguém havia pensado até então. Foi um processo criativo. Os funcionários dos hospitais não se contentaram em dizer: “Tínhamos razão contra os gestores”; eles mostraram a força, aqui vital, do trabalho bem feito. Não suspeitamos do poder transformador dessa perspectiva. O coletivo inter-hospitalar questionou o poder de decisão sobre a organização do cuidado. Os cuidadores puderam liberar-se dos seus hábitos de trabalho e levantaram a cabeça: desenvolver o poder de agir proporciona verdadeiro prazer ético.
Você diz que há um preço a ser pago para fazer o trabalho bem feito. Qual?
A abordagem do trabalho bem feito tem uma vantagem: ninguém ousa argumentar que um trabalho de má qualidade não importa. Portanto, economizamos tempo para chegar a um “diagnóstico compartilhado”!
Mas, uma vez dado esse passo, o conflito de critérios ficou evidente. Quando, no contexto do método dialógico que nós utilizamos, pedimos a cada um que avalie os critérios de qualidade do seu trabalho, no coletivo ou com a hierarquia, estes passam a ser discutidos pelos demais. O destino deste conflito não está escrito, e não há nenhuma certeza de que uma solução será encontrada ao final.
O preço a pagar é, portanto, antes de mais nada, o questionamento da própria maneira de agir. É assim que um coletivo pode adquirir o crédito necessário para ter autoridade junto à direção. A reconquista do poder de agir sobre as coisas faz retroceder o poder sobre os outros, do qual muitas direções abusam. Sem ele, não há verdadeira transformação do trabalho.
O termo conflito assusta nas empresas. Por que você acha que é essencial?
Se houver muitos conflitos “assustadores”, não haverá muitos conflitos de critérios em torno do trabalho bem feito. Quando estes últimos são reprimidos, eles envenenam as relações entre as direções, as gerências, os funcionários, os clientes ou os usuários.
Nossa prática clínica permite justamente organizar um diálogo sobre esses conflitos de critérios. Isso leva a arbitragens, que são fruto desse confronto. Arbitragens que, submetidas à prova da experiência, são reversíveis se não provarem o seu valor na prática. É esta cooperação conflitiva num trabalho bem feito que defendemos, mais propícia à ação coletiva, longe dos compromissos artificiais do “diálogo social”.
Você faz um inventário crítico de tudo o que foi feito durante anos sobre riscos psicossociais. Por que nada está realmente funcionando?
Tem havido muitas reflexões sobre a questão da saúde ocupacional e sobre a participação dos trabalhadores. Já no início dos anos 1980, as Leis Auroux deram-lhes o direito de expressão. Exceto que isso tinha que ser feito na presença da hierarquia; no entanto, as análises citadas em nosso livro mostram que isso era contraproducente. Os profissionais devem poder se preparar entre si, em vista do indispensável diálogo com a gestão.
Podemos ter estima pelos espaços de discussão sobre o trabalho. Mas o drama dessas políticas é que elas ignoram a separação estanque que existe nas empresas entre as direções operacionais, que gerenciam o desempenho, e os recursos humanos ou RH, que “gerenciam” a qualidade de vida no trabalho. A linha RH, em articulação com as organizações sindicais, se livra da questão do desempenho, que fica sob a responsabilidade exclusiva dos tomadores de decisão.
Nossa intervenção consiste em “quebrar” essa divisão na atividade de direção. Em vez disso, estamos colocando em discussão a maneira como organizar o desempenho. Muitas vezes, os atores da prevenção aceitam que as direções operacionais conservem o privilégio de definir a eficácia, colocando assim esta questão fora do alcance da discussão. Mas se não instituirmos o conflito de critérios no cerne das decisões que comprometem o trabalho concreto, estamos apenas fazendo algo paliativo.
Seu método depende muito dos “referentes de profissão” (“réferents métiers”), esses trabalhadores eleitos para representarem seus pares nas discussões com a administração. Por quê?
Quando o coletivo demonstrou sua aptidão no exame das situações, sua análise – que muitas vezes impõe respeito, mas também pode exigir objeções – merece ser discutida novamente com os dirigentes. A experiência nos ensinou que essa discussão é possível “diretamente” com interlocutores designados nos coletivos. Esses “referentes de profissão” instruem os dossiês sobre o trabalho real. Eles devem aprender, e as hierarquias também, para suportar o choque do diálogo, um pouco como os participantes que somos. Nosso livro explica como essa função de referente passou a existir na prática, até a eleição pelos pares para garantir sua legitimidade.
Os referentes não concorrem com as pessoas eleitas pelos trabalhadores?
Não se trata de criar um canal alternativo para a representação dos trabalhadores. Existe um risco, mas os referentes representam o trabalho. A originalidade das experiências realizadas é que elas são realizadas na presença das organizações sindicais; essas desempenham um papel de terceiro entre a administração e os referentes para evitar o face a face. Este é um pré-requisito para nós.
Na Renault, as quatro organizações sindicais representativas estiveram envolvidas no processo; antes que a CGT se retirasse para se opor à política da empresa, continuando a apoiar os referentes. O CSE poderia acolhê-los para ajudar a reconstruir o sistema de relações profissionais.
O livro termina com uma visão mais política, a de uma ecologia do trabalho. O que essa noção recobre?
O trabalho “nem feito nem a fazer” envenena a vida. Mostramos isso a propósito da epidemia. Podemos aqui recordar o escândalo automobilístico “dieselgate”, as mentiras sobre a falha dos motores do Boeing 737 MAX, ou mesmo o leite infantil contaminado da Lactalis. O sacrifício da qualidade do trabalho está na origem dessas catástrofes, que expõem a saúde pública e ambiental. Para o que está ao nosso alcance, buscamos fazer do trabalho uma coisa civilizadora.
O método descrito no livro Le prix du travail bien fait é baseado em “uma clínica da atividade movida por uma paixão antiga pela ergonomia”, resume Yves Clot.
Os autores do livro mergulharam pela primeira vez na vida cotidiana dos catadores de material reciclável de Lille, dos trabalhadores da Renault Flins e dos profissionais de um estabelecimento médico para idosos dependentes na Normandia. Ao longo dos meses, esses colaboradores “produziram” com os trabalhadores voluntários vídeos sobre suas atividades conjuntas. Cada trabalhador comenta a sua atividade em uma pequena montagem que desenvolveram juntos: é a “autoconfrontação simples”.
Ela é seguida pela “autoconfrontação cruzada”: outra montagem que evidencia as diferenças na realização de uma mesma tarefa por dois profissionais e que provoca “debates”. Por exemplo, dois catadores de material reciclável discutem sobre mordidas de ratos ao prender os contêineres ao caminhão; cada um deles tem sua própria maneira de evitá-los, mas nenhuma é conclusiva para a segurança ou a saúde. Outra coisa deve ser inventada...
Essas imagens, acima de tudo, revelam a capacidade dos trabalhadores de mudar seu ponto de vista no diálogo. Mostradas aos dirigentes, elas os incentivam a manifestar uma capacidade recíproca de mudança. Em todo caso, opera-se uma tomada de consciência: com os trabalhadores mostrando criatividade, a cúpula da organização deve atestar a mesma capacidade de iniciativa. Isso abre caminho para possíveis transformações. Sentinelas da qualidade do trabalho, os tutores de profissão, eleitos pelos seus pares, elencam os problemas, orientam as soluções coletivas e validam-nas com os seus colegas.
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“Para uma cooperação conflitiva sobre o trabalho bem feito”. Entrevista com Yves Clot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU