20 Abril 2021
Até que ponto o pregador do nada viveu o que pregou? Ao investigar com talento os últimos dias do eminente teólogo, o dominicano Rémy Valléjo oferece-nos uma palavra de vida para um século incerto.
A reportagem é de Alexia Vidot, publicada por La Vie, 15-04-2021. A tradução é de André Langer.
O que sabemos sobre os últimos dias de Mestre Eckhart?
Quase nada. É um enigma que nenhum manuscrito medieval tenha guardado a memória do lugar, do ano ou das causas da morte deste eminente dominicano. Alguns fatos, entretanto, são conhecidos por nós. Acusado de heresia em 1326 por dois de seus irmãos do convento de Colônia que não apreciavam seu desejo de reforma, Johannes Eckhart foi submetido a um julgamento pelos inquisidores da cidade.
Em 13 de setembro de 1327, ele fez uma declaração solene perante sua comunidade assegurando que se a autoridade da Igreja rejeitasse suas teses, ele se curvaria a essa decisão. E é muito provável que tenha morrido em 1328, no caminho entre Colônia e Avinhão, onde foi defender seu caso junto ao Papa João XXII. Uma coisa é certa: é postumamente que a bula papal, de 27 de março de 1329, condena a ousadia de 28 proposições extraídas de seus Tratados e Sermões. Atacado em sua probidade, Eckhart nunca teve conhecimento desse veredicto que não condena nem sua obra nem sua pessoa. Ele permaneceu suspenso diante desse pântano de incertezas. Foi lá que ele ficou e permaneceu na nudez do seu ser indefeso, abandonado por todos, mas totalmente abandonado em Deus.
Teria ele vivido ao extremo o que pregou durante toda a sua vida?
Sempre fico impressionado com a coincidência entre uma obra e uma vida. Até que ponto o mestre do desapego, do abandono, do nada, do vazio viveu o que pregou? Eu me apoiei nesta vitalidade para chegar o mais perto possível dos últimos dias daquele que foi a maior autoridade intelectual de seu tempo e que, da noite para o dia, é reduzido a nada, torna-se como uma coisa adulterada entre seus irmãos e seus contemporâneos.
Em um contexto escrupulosamente histórico, evoco neste romance a aniquilação de um homem que poderia ser qualquer homem. Porque pessoas subitamente reduzidas a nada, após uma demissão, uma doença ou uma acusação, após uma morte social, psíquica ou física, nós conhecemos algumas – a começar, talvez, por nós mesmos. E esse olhar que tentei colocar em Eckhart através do que ele viu, sentiu e o transtornou – a esse ponto extremo em que foi tomado por Deus – revela que sua palavra não é um belo pensamento, mas uma palavra provada até o fim da noite. Uma palavra de vida.
Já não se dizia enquanto estava vivo que ele era um “mestre da vida”?
Efetivamente. Enquanto ocupava uma das cátedras mais prestigiosas da cristandade na Universidade de Paris, foi convidado, em 1313, a ir a Estrasburgo para garantir a ortodoxia dos dominicanos e dos beguinos. No início desse século XIV, os bispos temiam que essas beguinas, numerosas no vale do Reno, fossem tentadas a abandonar a Igreja e a fé pelas ideias da seita do Espírito Livre. Mas onde esperávamos um “mestre das Escrituras” (Lesemeister, em alemão), até mesmo um “inquisidor”, descobrimos um verdadeiro “mestre da vida” (Lebemeister), preocupado com a sede espiritual de seu público.
Gosto de chamar essa passagem de Paris a Estrasburgo de “o caminho de Damasco do Mestre Eckhart”. Porque este opera naquele momento uma dupla conversão: para fazer-se compreender, abandona o latim pela língua vernácula e, nos seus sermões, integra a espiritualidade e as expressões destas mulheres que ele se pôs, humildemente, a ouvir. Deste encontro nasceu a mística renana que irá irrigar, ao longo dos séculos, uma série de correntes espirituais e artísticas, por vezes inesperadas. Entre a multidão de seus discípulos estão Martinho Lutero e Pedro Canísio, Teresa de Ávila, João da Cruz e Etty Hillesum, Johann Sebastian Bach e o pintor Caspar David Friedrich.
Como seus pensamentos puderam se espalhar apesar da suspeita com que foram atingidos?
Graças à pregação de seu mais fiel discípulo, Johannes Tauler. “Vocês não o entenderam. Vocês o ouviram a partir do tempo, mas ele falou com vocês a partir da eternidade”, disse ele em um sermão dedicado a seu “amável mestre”. Implantando maravilhas da pedagogia, o pregador soube transmitir a essência dessa mística da interioridade. Isso se mostrou eminentemente relevante durante o século XIV, época de flagelos naturais, com a Peste Negra e com o caos político e eclesiológico. O que resta quando tudo desmorona e se esvai, inclusive dentro de você? O “cerne do ser interior” que nada pode “abalar ou destruir, pois é o lugar da inviolabilidade”. Ninguém se eleva a Deus, exceto descendo às profundezas de si mesmo.
Sua palavra ressurge hoje porque nossa civilização vacila mais do que nunca?
Como Eckhart em sua época, nós enfrentamos hoje um colapso generalizado, exacerbado pela pandemia. Sua palavra, ao nos reconduzir a esse fundamento que permanece quando tudo se esvai e desmorona – as profundezas da alma onde Deus quer nascer e agir – pode, portanto, nos ajudar a permanecer em pé, a passar por incertezas e a seguir em frente como um ser vivo.
Como entende que ela encontra eco entre não-cristãos?
No mundo das artes e do teatro que frequento de perto, chama mesmo a atenção, eu observo. Sem dúvida porque trata de corrigir tudo o que distorce o mistério divino, todas essas imagens e construções humanas que são tantos obstáculos à descoberta da essência divina, daquilo que o Mestre Eckhart chama de “deidade”. A sua palavra dá palavras a estas realidades sobrenaturais que alguns pressentem, mas que não sabem exprimir porque não podem ou não querem recorrer a um vocabulário que lhes é estranho – pior: que os afastaria do mistério divino. Se desejo torná-lo conhecido, é para oferecer aos meus contemporâneos um caminho que eles não encontrarão em outro lugar.
Para ler: Réduit à rien. Les derniers jours de Maître Eckhart [Reduzido a nada. Os últimos dias de Mestre Eckhart], de Rémy Valléjo, Cerf, 18 euros.
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Mestre Eckhart: “Até que ponto o mestre do desapego conseguiu viver o que pregava?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU