10 Janeiro 2020
"Ainda é tempo de desapegar-se e ser mais feliz com o necessário. Eis uma das lições do peregrino: ao invés da mochila que acumula bugigangas, tenha um coração grande para acolher pessoas e não se apegar a coisas e a situações secundárias", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestre em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana - PUG, Roma.
Quero interpretar este ano que passou e este novo início de década em perspectiva de peregrinação. Fomos peregrinos e tivemos que dar passos para alcançar nossas metas. Certamente, alguns caminharam a passos largos, outros se cansaram rápido e pensaram em desistir. Muitos nem sequer chegaram à metade do caminho devido as tempestades violentas que ameaçam a fragilidade da vida. Viver é caminhar e expor-se a sérios riscos.
Existe algo que descobrimos quando entramos na lógica do peregrino: só se vai longe e só se caminha com mais agilidade se formos depurando nossas bagagens, ou seja, se largamos aquelas coisas que tornam exaustiva a caminhada. Pense na quantidade de coisas que você acumulou este ano que passou e que te deram tanta dor de cabeça; reflita sobre as pessoas que te pararam no caminho para papear contigo e para te pedir uma mão, mas não foi possível pois você estava com a mente e o coração preocupados com as coisas. Ainda é tempo de desapegar-se e ser mais feliz com o necessário. Eis uma das lições do peregrino: ao invés da mochila que acumula bugigangas, tenha um coração grande para acolher pessoas e não se apegar a coisas e a situações secundárias.
Todo peregrino planeja alcançar as metas, chegar ao destino sonhado. Mas nem sempre isso é claro. As vezes toma atalhos errados e acaba voltando ao ponto de partida. Lembre-se que as coisas melhores se conquistam quando aceitamos trilhar os caminhos desafiantes que nem sempre são claros e precisos. A vida nos pedirá para entrarmos em florestas escuras, atravessarmos pântanos, escalarmos montanhas, pois o mais importante é perseverar, visto que o peregrino é um homem de Kenosis: à medida que caminha vai desgastando sua vida por uma causa maior, por algo que é superior a ele, algo que traz um bem não apenas a si mesmo, mas à humanidade. O peregrino é, antes de tudo, um ser solidário, pois caminha com os outros e espera por aqueles que têm passos lentos. Isso lhe custa muito, mas sabe que sua Kenosis não é em vão, sua semente desabrochará em muitos frutos.
Caminhe, é necessário! Seja um peregrino: Invista suas energias na aventura da vida! Dentro do caldeirão de ideologias da mudança de época que atravessamos a maior de todas as tentações é o aceitar caminhar sem sentido, viver na banalidade, instrumentalizar o ser humano, pensar que tudo já foi feito, contentar-se apenas com o pão duro da realidade. Porém, como o peregrino é também um ser de olhar crítico, ele supera a armadilha da ideologia com o remédio da Utopia. Sim, a utopia que abre o futuro, que faz cair por terra a máscara da mentira e da opressão. A utopia que o peregrino conserva no coração é aquela do Reino de Deus que nos faz ser homens de boas notícias, por isso os pés do peregrino são benditos, anunciam a paz.
Como o peregrino é um ser sempre de partidas, ele aprende a superar as suas perdas. Cada vez que deixa um lugar, sabe que deve despedir-se de pessoas e derramar lágrimas de saudades. Ele parte de coração apertado, mas tem que ir, pois sua vida é a estrada e em breve encontrar-se-á com tantos outros rostos, culturas e desafios a superar. O dilema das partidas, por outro lado, torna-nos mais livres interiormente, nos liberta dos enraizamentos que sufocam a utopia. Toda partida nos põe em um “não lugar”, pois nos arranca do nosso ninho, porém se aceitamos o desafio de caminhar, em breve chegaremos a outra pátria, onde mais uma vez teremos que construir relações, ou seja, temos que nascer de novo.
Por fim, além de ser um homem de kenosis, de utopia e do binômio morte/vida, o peregrino deixa-se mover pelo Eros. Sua energia erótica o faz sair de si mesmo para encontrar-se com um tu. Ele deve desejar estar com o próximo para não viver isolado, não perder tempo com a sua própria imagem. A energia erótica que o peregrino nutre todos os dias serve para curá-lo de sua egolatria e libertá-lo do vírus da indiferença.
Na verdade, tornar-se peregrino nas estradas deste mundo significa cristificar-se, ou seja, assumir um estilo de vida que nos remete a Jesus de Nazaré, jovem da Kenosis, senhor da vida e da morte, apaixonado pela utopia do reino e homem de Eros integrado. Você seria capaz de avaliar a vida a partir destas perspectivas? Se sim, então façamos um brinde ao peregrino!
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um brinde ao peregrino! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU