03 Mai 2019
"Precisamos aflorar a nossa energia erótica e permiti-la que conquiste a sua devida cidadania. A depressão, infelizmente, tenta apagar o éros, mas este por sua vez, resgata a vida da amargura. A acídia espiritual não é capaz de desejar o outro para oferecer o ombro da compaixão. Como seria bom se nós nos inspirássemos na energia erótica do Cirineu que o motivou a carregar a cruz de Jesus", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Muitas pessoas vivem sob os efeitos nefastos da depressão. São inúmeras as causas que, minuciosamente, desembocam nesta doença. Um dos terríveis fatores reside no ato de comparar a própria vida com a dos outros. No espaço virtual isso é cada vez mais aguçado. Tem-se a impressão que saímos como perdedores diante das inúmeras conquistas e da “bela vida” que os outros levam. Sabemos, contudo, que por trás das inúmeras postagens de um mundo perfeito, residem pessoas com o coração partido, com fracassos e desilusões. Personagens famosos, principalmente no mundo religioso, chegaram ao limite e pedem socorro porque a depressão, infelizmente, resolveu visitá-los. O golpe final da depressão é o suicídio.
Acrescente-se ao dado biológico da depressão, um outro fator devassador: se trata daquele desânimo que afeta a alma, a acídia. Na realidade, os padres do deserto já advertiam sobre essa doença espiritual. Seu sintoma principal é o desânimo ou a preguiça. Não se cultiva uma vida de interioridade, tudo parece não valer a pena. Diante do bem-estar do capitalismo, eu mesmo crio meu deus, abandono a dimensão do cuidado para com o próximo e não me interessa se o Evangelho me pede renúncias e o compromisso de carregar a cruz todos os dias. Na nova geração de consagrados, salvo raras exceções, a acídia espiritual se manifesta na perda do sentido da utopia. Tem-se dificuldade de sonhar e investir as energias na profecia que questiona o status quo e desestabiliza os nossos cômodos rituais.
Tal realidade suga a nossa paixão pelo Reino. Esta categoria nos adverte a não nos contentar com as nossas seguranças que, desesperadamente, criamos todos os dias. A realidade não é absoluta. Nela existimos, mas não nos eternizaremos aqui, precisamos caminhar e ir além. Quando me deixo guiar pela acídia espiritual, me dou conta que tudo é material, a transcendência vira coisa do passado. Veja-se, por exemplo, o caso de pessoas que prometeram a si mesmas serem fiéis a um propósito e, com o envolvimento numa série de situações, acabaram se perdendo e esquecendo do primeiro amor.
Para sermos mais diretos: aquele jovem que prometeu amar até a morte aquela linda mulher que um dia foi a única paixão de sua vida, depois de certo tempo de convivência deixou apagar-se a chama do amor; aquele outro jovem que entrou na vida religiosa com o ardente desejo de dar a vida em prol dos irmãos, mas tomado pelo clericalismo deixou-se enganar por um estilo supérfluo que já não reflete a profundidade do Evangelho. Para sermos mais precisos, a acídia espiritual manipula a nossa subjetividade, ou seja, nos faz viver para nós mesmos, nos aprisiona dentro de nossas fantasias. Em outras palavras: o isolamento toma sempre o primeiro lugar seja na depressão que na acídia espiritual.
Contudo, existe em nós uma energia capaz de nos despertar deste sono da indiferença, trata-se do éros. Infelizmente, este foi sempre demonizado e associado ao pecado. Todavia, o cristianismo através do ágape purificou o éros do veneno do egoísmo que desejava apenas o prazer dos belos corpos. Com a cruz de Cristo, o éros transformou-se em energia de encontro, de desejo de estar com o outro para cuidar de suas feridas. Vejamos o caso de Jesus: não é uma blasfêmia dizer que foi o éros que o fez deixar a vida intratrinitária para encarnar-se e viver a plenitude de ser homem. Foi o éros, este desejo incontrolável pelo outro, que o fez encontrar-se com a ovelha perdida para carregá-la nos ombros, foi a energia erótica de Jesus que o moveu como bom samaritano para derramar sobre nossas feridas o óleo de sua misericórdia. O ágape, na verdade, é apenas o resultado do sadio desejo erótico que sentimos para com o próximo que está diante de nós.
Precisamos aflorar a nossa energia erótica e permiti-la que conquiste a sua devida cidadania. A depressão, infelizmente, tenta apagar o éros, mas este por sua vez, resgata a vida da amargura. A acídia espiritual não é capaz de desejar o outro para oferecer o ombro da compaixão. Como seria bom se nós nos inspirássemos na energia erótica do Cirineu que o motivou a carregar a cruz de Jesus.
Além destes personagens bíblicos que citei, gosto de contemplar a compaixão erótica de Madre Teresa e de Francisco de Assis. Sinto-me ressuscitado quando contemplo o incontrolável erotismo de Teresa de Calcutá que cuida das crianças abandonadas. Renovo-me quando imagino Francisco, ao ser tomado de erotismo, beija o leproso e chama a tudo e a todos por irmão. Só o éros pode nos resgatar da nossa indiferença. E você, já pensou que pode revolucionar com o poder de sua energia erótica? Use-a para a compaixão!
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A energia erótica é a verdadeira compaixão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU