“Em vez de falhas cognitivas estruturais que conduzem a humanidade ao abismo, a perspectiva sistêmica convida a uma nova compreensão da natureza como uma rede de sentido, na qual a própria interconexão de toda vida dá sentido e ressonância também à nossa conduta individual e coletiva”, escreve Jeremy Lent, fundador da iniciativa sem fins lucrativos Liology Institute.
Seu livro The Patterning Instinct: A Cultural History of Humanity’s Search for Meaning (2017) aprofunda as raízes históricas de nossa cosmovisão moderna. Seu último livro traz como título The Web of Meaning: Integrating Science and Traditional Wisdom to Find Our Place in the Universe.
O artigo é publicado por Rebelión, 06-04-2021. A tradução é do Cepat.
Imagine que você vive em uma casa cujo alicerce apresenta danos estruturais. Inicialmente, pode ser que você não note muito. De vez em quando, pode ser que surjam algumas rachaduras nas paredes. Se ficarem muito ruins, você as encobrirá com uma nova camada de tinta e tudo ficará perfeito novamente, ao menos por um tempo.
Mas e se sua casa estiver situada em uma zona de terremotos? Nós que vivemos na Califórnia sabemos o que é chamar o engenheiro estrutural e ele dizer que a casa precisa ser reformada, caso você queira que sobreviva ao Big One. Às vezes, é necessário trabalhar em seus alicerces, quando há defeitos ocultos sobre os quais construímos nossa casa.
Podemos pensar que nossa visão de mundo ocidental é uma casa cognitiva na qual vivemos – um edifício de ideias que, camada por camada, foi construída sobre edificações anteriores, acumuladas pelas gerações passadas. Nossa civilização global enfrenta a ameaça de seu próprio Big One, um Grande Terremoto, na forma de mudança climática, esgotamento de recursos e extinção das espécies. Se nossa visão de mundo está construída sobre bases instáveis, precisamos saber: precisamos descobrir as rachaduras e repará-las antes que seja tarde demais.
Nossa visão de mundo é um conjunto de suposições sobre como são as coisas: como funciona a sociedade, sua relação com o mundo natural, o que é valioso e o que é possível. Esse conjunto permanece muitas vezes inquestionável e implícito, mas é profundamente sentido e está subjacente a muitas das decisões que tomamos em nossas vidas.
Formamos nossa visão de mundo implicitamente conforme crescemos, a partir da família, os amigos, e da cultura, e uma vez construída, dificilmente somos conscientes dela, a menos que nos seja apresentada uma visão diferente de mundo, em comparação. A origem inconsciente de nossa cosmovisão a torna quase inflexível. Isso é perfeito quando trabalha para nós. Mas, o que acontece se a nossa visão de mundo está fazendo com que atuemos, forçosa e coletivamente, em condições que na realidade estão minando o futuro da humanidade? Nesse caso, é importante que tenhamos uma maior consciência dela.
Na pesquisa de meu livro The Patterning Instinct: A Cultural History of Humanity’s Search for Meaning, escavei essas camadas ocultas de nossa moderna cosmovisão e descobri que muitas das ideias que consideramos sacrossantas se apoiam em bases danificadas. Há mitos que emergiram de suposições errôneas feitas em diferentes momentos e lugares da história. Foram repetidas com tanta frequência que muitas pessoas jamais pensaram em questioná-las. Mas é necessário fazer isso, porque as bases de nossa civilização e sua perspectiva são estruturalmente defeituosas.
A boa notícia é que, a partir de cada defeito estrutural, podemos encontrar um princípio alternativo que oferece uma base sólida para um florescimento sustentável e de longo prazo. Nossa maior esperança como civilização que sobreviva a esse Grande Terremoto que se aproxima é reconhecer esses defeitos subjacentes, e trabalhar juntos para reconstruir uma visão global com embasamentos mais seguros. Há oito falhas profundas que encontrei, junto com seus princípios alternativos que, em conjunto, podem criar a base de uma civilização florescente para as gerações futuras.
A economia moderna se baseia na suposição – respaldada por teorias biológicas obsoletas – de que os seres humanos se movem predominantemente por seu próprio interesse, e que suas ações egoístas em conjunto são a fonte de muito bons resultados para a sociedade. Nas palavras do biólogo da velha escola, Richard Alexander, “a ética, a moral, o comportamento e a psique humana só podem ser entendidos, caso vejamos as sociedades como conjunto de indivíduos, cada um deles em busca de seu próprio interesse”.
A história geopolítica do século XX é utilizada como prova desta filosofia. O Comunismo fracassou, dizem, porque se baseava em uma visão não realista da natureza humana, ao passo que o Capitalismo triunfou porque se fundamenta no uso da natureza egoísta de cada indivíduo para o bem final da sociedade.
Na verdade, a Antropologia moderna e a Neurociência mostram que a cooperação, a identidade grupal e o senso de justiça são traços definidores da humanidade. Em contraste com os chimpanzés, obcecados em competir uns com os outros, os humanos evoluíram para se tornar os primatas mais cooperativos, por meio de sua capacidade de compartilhar suas intenções com outros e, ao mesmo tempo, reconhecer que os outros veem o mundo de diferentes perspectivas. Isto permitiu aos primeiros humanos trabalhar de forma colaborativa em tarefas complexas, criando comunidades que compartilhavam valores e práticas que se tornaram a base da cultura e a civilização.
Um elemento essencial na capacidade dos humanos em trabalhar juntos é o sentido evoluído de justiça. Sentimos a justiça tão intensamente que preferimos abandonar, antes que permitir a alguém se aproveitar injustamente de nós. O sentido intrínseco da justiça é, segundo apontam psicólogos evolutivos proeminentes, o ingrediente extra que conduz ao êxito evolutivo de nossa espécie e que criou a base cognitiva de valores cruciais de nosso mundo moderno, como a liberdade, a igualdade e o governo representativo.
Em 99% do tempo de história humana, vivemos juntos em grupos de caçadores-coletores, nos quais prevalecia um ethos igualitário. Se um caçador bem-sucedido começava a ser socialmente mais dominante, o resto do grupo se aliava para manter o seu ego sob controle. Uma ética compartilhada prevalecia em todos os aspectos da vida. Quando um antropólogo perguntou a um caçador-coletor na remota Amazônia por que em seu grupo não defumavam ou secavam a carne para o armazenamento, apesar de saber como fazer, respondeu: “Eu armazeno minha carne no estômago de meu irmão”.
Em um nível mais profundo, a ideia de que os próprios genes são egoístas adentrou a consciência coletiva. Desde que Richard Dawkins, em 1976, publicou O Gene Egoísta, as pessoas passaram a acreditar que a evolução é o resultado da competição entre genes, seguindo um impulso sem compunções em replicar a si mesmos. A competição mais brutal é vista como a força que separa os ganhadores dos perdedores na evolução.
Até mesmo o altruísmo é interpretado como uma forma sofisticada de comportamento usado por um organismo para propagar seus próprios genes de modo mais eficaz. O biólogo Robert Trivers gerou uma noção do chamou de “altruísmo recíproco”, como uma antiga estratégia evolutiva presente no comportamento de peixes e pássaros, e interpretou o altruísmo humano da mesma maneira: “Sob certas circunstâncias”, escreveu, “a seleção natural favorece estes comportamentos altruístas porque, a longo prazo, beneficiam o organismo que os coloca em prática”.
Este argumento ficou muito desacreditado como interpretação simplista da evolução. Em seu lugar, os biólogos estão desenvolvendo uma visão mais sofisticada da evolução, como uma série de sistemas complexos e interconectados, nos quais os genes, os organismos, a comunidade, a espécie e o ambiente interagem todos uns com outros, tanto competitivamente como cooperativamente, em uma rede que se estende no tempo e no espaço.
Os ecossistemas se mantêm saudáveis por sua interação intensamente sincronizada entre espécies muito diferentes. As árvores em uma floresta, descobrimos, comunicam-se umas com as outras em uma rede complexa que as mantém coletivamente com saúde, um sistema que se denominou wood wide web.
Em vez de um campo de batalha de genes egoístas competindo para superar uns aos outros, os biólogos modernos oferecem uma nova visão da natureza como uma rede de sistemas interconectados, que dinamicamente se otimizam em diferentes níveis da seleção evolutiva. Este reconhecimento de que as redes colaborativas são parte essencial dos ecossistemas sustentáveis pode inspirar novas vias para estruturar a tecnologia humana e a organização social para um futuro florescimento.
Mais profunda do que as outras falhas estruturais anteriores é esta: a crença implícita em que os humanos estão separados da natureza. A fonte desta ideia pode ser rastreada até os antigos gregos. Platão via o ser humano como uma entidade dividida, na qual uma alma eterna estava encerrada em um corpo mortal. O fim último da filosofia era deixar o corpo para trás e se identificar apenas com a alma que nos ligava à divindade. Dois milênios e meio depois, Descartes atualizou o mito de Platão com sua ideia de que a verdadeira essência da pessoa é o seu pensamento, ao passo que o corpo não é matéria de valor intrínseco algum.
A consequência desta divisão cartesiana é que o resto dos animais naturais, as plantas e tudo mais não tem valor porque não pensa como um ser humano. Ao dessacralizar a natureza, permitiu-se aos humanos utilizá-la sem remorsos para os seus interesses próprios. O Antigo Testamento proporcionou mais justificativa teológica para este mito, com a ordem de Deus a Adão e Eva de que deveriam “dominar” a terra e “reinar” sobre todo ser vivente nela.
O projeto da ciência que decolou no século XVII enxergava, a partir disso, cada aspecto do mundo material como a livre partida para a coleta de dados, a pesquisa e a exploração. Francis Bacon inspirou gerações de cientistas com o seu chamado a “conquistar a natureza”. Incitou-os a que “unissem forças contra a natureza das coisas, para que deflagrassem na ocupação de seus castelos e suas fortalezas, e estendessem os limites do império humano”.
Estas ideias estão tão intrincadas na psique moderna que é fácil esquecer que são exclusivas da visão europeia de mundo. Outras culturas ao longo da história viram os humanos compartilhando o mundo em igualdade com todas as outras criaturas. A terra é sua mãe, o céu seu pai. Aqueles que desejarem estar em harmonia com a natureza, nas palavras do Tao Te Ching, devem ser “reverentes, como os convidados”.
As descobertas da Biologia moderna e da Neurociência validam o conhecimento implícito das remotas tradições. Os humanos são de fato organismos mentais-corporais integrados, que contêm em seu interior ecossistemas e que igualmente participam dos ecossistemas da natureza mais amplos. Quando destruímos a complexidade do mundo natural, minamos o bem-estar de todos os organismos, incluindo o nosso. Nas palavras profundas de um slogan na COP21 de Paris: “Não defendemos a natureza. Somos natureza que defende a si mesma”.
Junto à separação dos humanos da natureza, outro mito cultural exclusivamente europeu proclama que a natureza é uma máquina. A partir da revolução científica do século XVII, a visão da natureza como uma máquina complexa se espalhou mundialmente, fazendo algumas das mentes mais brilhantes de nosso tempo perder de vista que esta frase é uma metáfora e acreditar erroneamente que a natureza é realmente uma máquina.
Já em 1605, Kepler enquadrava sua vida de pesquisador nesta ideia, ao escrever: “Minha intenção é mostrar que a máquina celestial é mais comparável aos mecanismos de um relógio que a um organismo divino”. Do mesmo modo, Descartes declarava: “Não reconheço diferença alguma entre as máquinas feitas por artesãos e os diversos corpos que a natureza compõe por sai mesma”.
Em décadas recentes, Richard Dawkins difundiu uma versão atualizada deste mito cartesiano, escrevendo com grande sucesso que “a vida é simplesmente bytes e mais bytes de informação digital”, e acrescentando: “Isto não é uma metáfora, é a pura verdade. Não seria mais evidente se chovessem disquetes”. Se abrirmos qualquer revista científica, veremos genes descritos como programadores que “codificam” certos traços, ao passo que a mente é considerada um “software” para o “hardware” do corpo, que é programado de determinadas formas.
Esta ilusão maquinística é onipresente, enganando tecnovisionários em busca da imortalidade, para que façam uma cópia de segurança de sua mente, assim como os tecnocratas que esperam resolver a mudança climática por meio da geoengenharia.
Os biólogos destacam princípios intrínsecos à vida que se afastam categoricamente da mais complexa das máquinas. Os organismos vivos não podem ser decompostos, como um computador, em hardware e software. A composição biofísica de um neurônio está intrinsecamente ligada a suas computações: a informação não existe separadamente de sua construção material.
Em décadas recentes, os pensadores de sistemas transformaram nossa compreensão da vida, mostrando-a como um sistema autorregenerativo e auto-organizado, que se estende como um fractal em uma escala sempre crescente, de uma simples célula a um sistema global de vida na Terra. Todo o mundo natural é mais dinâmico do que estático, e os fenômenos biológicos não podem ser previstos com precisão: em vez de leis fixas, precisamos pesquisar os princípios organizativos subjacentes da natureza.
Esta nova concepção da vida nos leva a reconhecer a interdependência intrínseca de todos os sistemas viventes, incluindo o humano. Oferece as bases de um futuro sustentável no qual a tecnologia não é utilizada para conquistar a natureza ou para reorganizá-la, mas para nos harmonizar com ela, tornando a nossa vida mais florescente e cheia de sentido.
Ouvimos continuamente que o Produto Interno Bruto é um claro indício do êxito de um país. No entanto, o que na realidade mede o PIB é a velocidade com que transformamos a natureza e as atividades humanas em economia monetária, sem considerar se essa transformação é benéfica ou nociva. O defeito essencial de tomar o PIB como medida da riqueza de um país está em que não estabelece distinção entre as atividades que promovem o bem-estar e aquelas que o reduzem. Qualquer coisa que gere atividade econômica do tipo que for, boa ou ruim, conta para o PIB.
Quando alguém colhe legumes em seu jardim e cozinha para um amigo, isso não gera impacto algum no PIB. Ao contrário, comprar um alimento similar da seção de congelados do supermercado implica um intercâmbio de dinheiro e, por isso, se registra no PIB. Com este estranho sistema de contabilidade, a poluição tóxica pode ser triplamente benéfica para o PIB: primeiro quando uma empresa química gera resíduos nocivos; segundo, quando é preciso limpar tais resíduos; e terceiro, quando causam danos às pessoas, requerendo tratamento médico.
A medida do PIB não somente é anômala, mas perigosa para o futuro da humanidade, porque suas métricas têm um impacto profundo sobre o que a sociedade tenta alcançar. Vota-se ou não em líderes nacionais para governantes, segundo contribuem ou não para o crescimento do PIB. Reconhecendo isto, vários grupos, incluindo a Organização das Nações Unidas e a União Europeia, estão explorando modos alternativos de medição da verdadeira riqueza de uma sociedade. O estado do Butão foi o pioneiro ao criar seu índice de Felicidade Interna Bruta, que incorpora valores como o bem-estar espiritual, a saúde e a biodiversidade.
Estas medidas alternativas oferecem uma história muito diferente da experiência humana, nos últimos cinquenta anos, em relação ao que nos mostra o PIB. Os pesquisadores desenvolveram uma medição denominada Indicador de Progresso Genuíno (GPI, na sigla em inglês), que registra aspectos negativos como a desigualdade de renda, a poluição ambiental e o crime, bem como aspectos positivos como atividades de voluntariado ou o trabalho doméstico, como produção nacional. Quando este índice foi aplicado em 17 países do mundo, descobriu-se que embora o PIB tivesse crescido continuamente a partir de 1950, o GPI mundial atingiu um pico em 1978 e, desde então, só diminuiu.
Se começarmos a medir o êxito de nossos políticos nos baseando no GPI, e não no PIB, será mais factível que o mundo caminhe em direção a um modo de vida mais sustentável, antes que seja tarde demais.
Os mercados financeiros mundiais se baseiam na crença de que a economia global continuará crescendo indefinidamente, no entanto, isto é impossível. Quando a teoria econômica moderna se desenvolveu no século XVIII, parecia razoável ver os recursos naturais como ilimitados porque, para todos os efeitos, eram. No entanto, tanto o número de seres humanos, como a velocidade em que consomem, explodiram dramaticamente nos últimos cinquenta anos, de modo que esta suposição, hoje, é lamentavelmente falsa.
Com a velocidade atual de crescimento de 77 milhões de pessoas por ano - equivalente a uma nova cidade de um milhão de habitantes a cada cinco dias -, os demógrafos preveem um mundo com quase 10 bilhões de habitantes até 2050. As pessoas de todo o globo, bombardeadas com as imagens do modo de vida dos países ricos, compreensivelmente almejam o mesmo nível de conforto. Impulsionada pelo apetite insaciável de crescimento, a economia mundial projeta quadriplicar até 2050.
Os cientistas calculam que os humanos se apropriam atualmente de 40% da energia disponível para sustentar a vida na Terra – denominada Produtividade Primária Líquida – para o seu próprio consumo. Nós, seres humanos, utilizamos mais da metade da água potável mundial e transformamos 43% da terra em área agrícola ou urbana. Para sustentar nossa velocidade atual de expansão, a apropriação pelos humanos da Produtividade Primária Líquida precisaria duplicar ou triplicar até metade do século. Se fizermos as contas, isto não pode ser alcançado em apenas um planeta terra. Nas palavras do teórico de sistemas Kenneth Boulding: “Quem acredita que o crescimento exponencial pode continuar para sempre em um mundo finito é um louco ou um economista”.
A solução é transformar nossa cultura subjacente – deixar de buscar o crescimento do consumo – e em seu lugar buscar o crescimento da qualidade de nossa vida. Podemos escolher participar de uma economia circular, na qual emprestamos, compartilhamos, reutilizamos ou reciclamos, e quando comprarmos algo novo, certificar que provém de um processo sustentável.
Mas assim como trocar as lâmpadas não irá deter a mudança climática, a economia circular por si só não impedirá o colapso da civilização sob o seu próprio peso. Precisamos chegar à fonte dessa corrida frenética pelo perpétuo crescimento: a dominação de nossa economia pelas empresas globais impelidas pelo mandato de maximizar a renda de seus acionistas acima de qualquer outra consideração. Despertar a consciência pública sobre como essas forças não humanas estão conduzindo a humanidade à catástrofe é uma das tarefas mais essenciais para todos nós que nos preocupamos com o futuro florescente das novas gerações.
Os tecno-otimistas frequentemente ridicularizam Thomas Malthus, um clérigo inglês do século XVIII que foi o primeiro a alertar sobre os perigos do crescimento exponencial. Para cada problema que emerge, afirmam, a tecnologia oferece uma solução. No entanto, as soluções baseadas puramente na tecnologia tendem a deixar de lado os elementos estruturais profundos, muitas vezes, criando inclusive maiores problemas pelo caminho.
Um exemplo é a Revolução Verde do final dos anos 1960, que, foi dito, salvou quase um bilhão de pessoas da fome, exportando a agricultura altamente industrializada ao mundo em vias de desenvolvimento. Agora, suas consequências inesperadas ameaçam o futuro da humanidade. O uso frequente de fertilizantes artificiais gerou grandes zonas mortas nos oceanos, pelas fugas de nitrogênio e a severa redução das camadas superficiais terrestres; o uso indiscriminado de agrotóxicos desorganizou os ecossistemas; e a agricultura industrial contribui com um terço das emissões de gases do efeito estufa para provocar a mudança climática.
Uma das razões que enfrentamos uma crise global de sustentabilidade é que nossa cultura alimenta atitudes destrutivas em relação à Terra. A tecnologia trouxe uma série de melhorias na experiência humana, mas, ao mesmo tempo, conduziu a crença subjacente ocidental de que “conquistar a natureza” é o principal veículo do progresso. A natureza, no entanto, não é um inimigo a ser conquistado, e cada passo que damos nessa direção desestabiliza ainda mais a intrincada relação entre os humanos e nossa única fonte de vida e de futuro florescente, a Terra.
Em vez de confiar somente na tecnologia, as soluções verdadeiramente eficazes trabalham com as bases sistêmicas de nossas crises, transformando as práticas que causaram o problema em primeira instância. A agroecologia, por exemplo, um enfoque da agricultura baseado nos princípios da ecologia, contempla a terra como um sistema profundamente interconectado, reconhecendo que a saúde dos seres humanos e a da natureza são interdependentes. A agroecologia traça e gere os sistemas de alimentação para que sejam sustentáveis, aumentando a fertilidade do solo, reciclando nutrientes e aumentando a eficiência da energia e da água.
Já amplamente incorporada na América Latina, a agroecologia está ganhando rápida aceitação nos Estados Unidos e na Europa, e tem a capacidade para substituir o sistema agroindustrial. A agroecologia pode inclusive ajudar a captar o excesso de carbono na atmosfera. O Instituto Rodale calculou que a prática regenerativa orgânica da agroecologia, como o compostagem, o alqueive e o rodízio das plantações, assim como o uso de culturas protetoras do solo podem captar mais de 100% das emissões anuais de CO2, caso sejam generalizadas pelo mundo.
A maioria na ciência trabalha a partir de uma abordagem reducionista. Nela se vê o mundo como um conjunto de partes que podem ser analisadas separadamente. Este método levou a um enorme progresso em muitos campos, mas seu próprio êxito fez com que muitos cientistas contemplem a natureza como simplesmente uma coletânea de partes, em uma perspectiva que conduz inevitavelmente ao niilismo espiritual.
Nas palavras do Prêmio Nobel de Física, Steven Weinberg, “quanto mais sabemos do universo, mais vazio de sentido nos aparece”. Em última instância, a corrente moderna de pensamento se fundamenta na desconexão: a separação da mente e do corpo, do indivíduo e sua comunidade, e do ser humano e a natureza.
No entanto, em décadas recentes, as intuições da Teoria da Complexidade e da Biologia de Sistemas apontam para uma nova concepção de um universo conectado, que é tanto cientificamente rigorosa, como espiritualmente rica em significado. Nesta compreensão, as conexões entre as coisas são frequentemente mais importantes do que as próprias coisas. Ao ressaltar os princípios subjacentes que se cumprem em todos os seres vivos, esta concepção nos ajuda a perceber nossa interdependência intrínseca com toda a natureza.
Em vez de falhas cognitivas estruturais que conduzem a humanidade ao abismo, a perspectiva sistêmica convida a uma nova compreensão da natureza como uma “rede de sentido”, na qual a própria interconexão de toda vida dá sentido e ressonância também à nossa conduta individual e coletiva. Quando aplicamos este marco mental em nossa vida, o sentido brota da forma como estamos relacionados com tudo o que nos cerca. Assim, o sentido se torna uma função da interconexão e o sentido da vida uma propriedade emergente da rede de conectividade que é o universo. Viver com esta profunda compreensão, faz com que nos sintamos verdadeiramente em casa no universo.
Não é necessariamente uma tarefa fácil: reestruturar as bases para nos preparar para o Grande Terremoto, enquanto tantos outros estão preocupados escolhendo as novas cores para pintar as trincas que aparecem nos muros. No entanto, uma vez nos tornamos conscientes das falhas estruturais na cultura dominante, não podemos ignorá-las. Começamos a ver manifestações das mesmas por todas as partes.
Não é uma tarefa fácil, talvez, mas pode ser profundamente transformadora. É uma necessidade urgente a reconstrução de nosso sistema de valores, que pode nos levar à possibilidade de encontrar um sentido profundo, mediante a conexão com nós mesmos, com os outros e com o mundo natural. Estas novas bases, fundamentadas em ver o cosmos essencialmente como uma rede de significado, tem o potencial de oferecer um futuro sustentável de dignidade humana compartilhada e de florescimento do mundo natural.