11 Julho 2020
"Tudo indica que a concorrência não é mais uma opção saudável para nosso mundo abundante. Quando Buckminster Fuller nos mostrou que “compartilhar é ter mais”, enxergamos a Terra como um todo, sem fronteiras e sem divisões", escreve Michel Bauwens, teórico belga que estuda economia compartilhada/Peer-to-Peer e também um escritor ativo, pesquisador e conferencista sobre temas de tecnologia, cultura, colaborativismo e inovação empresarial, em artigo publicado por Outras Palavras, 08-07-2020. A tradução é de Simone Paz.
Há cinco séculos, ele é hegemônico — pois está no centro das lógicas capitalistas. Mas, num mundo movido pelo conhecimento, tolhe a inovação, que exige colaborar e compartilhar. O velho modelo só resiste apoiado na força. Até quando?
O ar é abundante. A competição foi um requisito evolutivo para os seres humanos, levando em consideração que não havia suficientes recursos para todos (a escassez). Thomas Malthus e Charles Darwin acreditavam que isso fazia parte da “sobrevivência do mais forte” da humanidade. Se a humanidade realmente estivesse de acordo com essa teoria, médicos, hospitais, remédios e instituições de caridade não seriam necessários.
O paradigma da escassez foi verdadeiro por um longo período de tempo. Buckminster Fuller acreditava que esse paradigma da escassez foi quebrado entre 1970 e 1990.
Não existindo mais a escassez, ainda assim é necessária a concorrência?
Com a população crescendo constantemente, como é possível passar de um cenário de escassez para um de abundância?
De uma perspectiva científica, a quantidade de elementos permanece sempre a mesma (pense na tabela periódica) no planeta Terra. A Terra é principalmente o que se chama de “sistema fechado” ou “economia circular”. Nada diminui ou aumenta de fato. O mundo tem hoje os mesmos elementos de 1 milhão de anos atrás.
Na verdade, o que mudou ao longo da história é a capacidade do ser humano de transformar esses elementos em tecnologia para gerar e dar suporte a essa abundância. Acreditamos que esse “conhecimento” seja a verdadeira riqueza do planeta.
E se essa é nossa verdadeira riqueza, então precisamos pensar em maneiras de compartilhá-la. A competição não tolera o compartilhamento. A concorrência sugere que há escassez e, portanto, apoia uma mentalidade de escassez.
A história já demonstrou que o “bolo” não tem um tamanho fixo. Nosso conhecimento, nosso “know-how”, altera o tamanho do bolo, mesmo diante do rápido crescimento populacional.
Gostamos de enxergar o mundo como uma grande casa. Há muitas tarefas que precisam ser feitas. Se este fosse sua família, você faria todos os seus filhos competirem entre si ou faria com que trabalhassem juntos? Você preferiria que eles compartilhassem com seus irmãos a melhor maneira de fazer as coisas ou que eles guardassem seus conhecimentos para si?
Buckminster Fuller identificou que o mundo está passando por um processo chamado efemerização — e nos mostrou isso. O processo consiste em “fazer cada vez mais, com cada vez menos”. Ele também criou a afirmação contra-intuitiva: “compartilhar é ter mais”.
Se concordamos que a efemerização está acontecendo, então é preciso entender que o compartilhamento dos nossos saberes criará “mais”, já que ele acelera a possibilidade de fazer mais com menos.
É um equívoco comum acreditar que a concorrência cria inovação. O que cria inovação é o pensar e fazer — não a competição. A questão é: a concorrência maximiza os pensamentos e ações? A competição é um motivador extrínseco, fictício. As pessoas fazem poucas coisas por razões extrínsecas; mas elas fazem qualquer coisa pelas razões intrínsecas.
Se houvesse uma escala variável entre competição e cooperação, veríamos que a humanidade está muito mais próxima (talvez 95%) da cooperação. Se pararmos para refletir em tudo o que utilizamos para tomar o café da manhã, veremos que 99,999% do trabalho é realizado por outras pessoas (a torradeira, os pães, os cereais, a eletricidade, etc.). Se tivéssemos que criar nossa própria torradeira do zero, sem cooperação, isso iria requerer o trabalho de uma vida inteira — e ainda duvido que seria o suficiente.
Empurrar o limite, para obter os 5% que faltam na escala, terá um impacto, para a humanidade e o planeta, maior do que os 95% anteriores. Por que isso? Porque os 95% anteriores vieram de forma inconsciente, enquanto que estes últimos 5% exigirão ação consciente. Será necessária, dos cidadãos globais, uma visão holística do mundo e dos problemas que viermos a enfrentar. Remoção as barreiras soberanas e os conflitos entre nações, transformar as teorias educacionais e da economia fazem parte desses 5% finais. Também precisaremos não só de uma aceitação das diferenças culturais e religiosas, mas de um profundo senso de gratidão por toda essa diversidade (humana e não humana).
Tudo indica que a concorrência não é mais uma opção saudável para nosso mundo abundante. Quando Buckminster Fuller nos mostrou que “compartilhar é ter mais”, enxergamos a Terra como um todo, sem fronteiras e sem divisões…
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Competição, paradigma obsoleto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU