15 Março 2021
"Um horizonte com o possível retorno de Lula à presidência, com 76 anos de idade, nos mesmos moldes dos seus governos anteriores e com a mesma estratégia política de alianças com 'Deus e o Diabo', não é a saída para mudar", concretamente, a situação estrutural do país, escreve Iael de Souza, doutora em Educação pela UNICAMP/SP; Mestre em Ciências Sociais pela UNESP/Marília; pesquisadora do NESPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Emancipação Humana), UFPI/Teresina.
Dia 10/03/2021. Lula profere um discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Suas ponderações e assertivas causam polvorosa na política e na economia. Lula, 75 anos, diz que dedicará o tempo que lhe resta para continuar lutando por um Brasil mais justo e humano, e está aberto a dialogar com todos os segmentos das classes sociais.
Inegavelmente, Lula tem carisma, como diria Weber. Sua fala repercute em todas as camadas sociais e atinge mais diretamente as massas, os subalternos e os (as) trabalhadores (as) – formais, informais, precarizados, desempregados, subempregados, desalentados, etc..
Parece que o antipetismo é eclipsado pelo lulismo. A figura carismática de Lula, o operário metalúrgico do ABC, fundador do Partido dos Trabalhadores e da CUT (Central Única dos Trabalhadores), militante e liderança das greves do ABC, povoa o imaginário social do povo [1] brasileiro, imagem cultivada através do filme LULA – O Filho do Brasil.
Outros aspectos contribuem para a popularidade de Lula entre a classe trabalhadora como um todo, como: Fome Zero (posteriormente esse programa, e os demais que o mesmo agregava, foram substituídos pelo Bolsa Família); o crescimento do PIB brasileiro em seu mandato; a ascensão social das camadas populares e seus filhos, que passam a consumir, ocupar e frequentar lugares antes impensáveis (aeroportos, universidades públicas, Disney, etc.), isto graças à expansão do crédito, que acarretou o crescimento das dívidas dessas camadas; o Brasil na lista de 6ª economia do mundo; etc. Laura Carvalho (2018) designa esse período do governo Lula, mais precisamente de 2006 a 2010, de “milagrinho brasileiro”.
Todavia, há um outro lado da história que fica ocultado e é muito mais relevante. O partido fundado por Lula, o PT, deixou de ter como projeto político-social a superação do capital e do sistema capitalista, como demonstra Iasi (2012), através das mudanças na perspectiva de mundo, homem e sociabilidade observada nos congressos do partido de finais da década de 1980 e início da de 1990. O PT torna-se, já na década de 1990, mais um partido social-democrata, ou mesmo, pode-se dizer, social-liberal.
Os oito anos do governo Lula, apesar de certos “ganhos sociais” (muitos dos quais exigidos pelo próprio Banco Mundial como forma de aliviar a pobreza e combater, mitigando, a miséria nos países periféricos), dão continuidade ao neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso, porém, essencial destacar, de maneira mais comedida, menos selvagem, procurando garantir compensações (focais, políticas afirmativas) aos mais carentes e necessitados. Afinal, o governo lulista era de “conciliação de classes”, de “coalizão”, com alianças das mais disparatadas que se poderia imaginar.
Logo, um horizonte com o possível retorno de Lula à presidência, com 76 anos de idade, nos mesmos moldes dos seus governos anteriores e com a mesma estratégia política de alianças com “Deus e o Diabo”, não é a saída para mudar, concretamente, a situação estrutural do país. Os governos petistas no poder (Lula e Dilma) cometeram um grasso, irreparável e gravíssimo erro ao deixar o quarto poder (a mídia e seus meios de comunicação de massa, comandados pelos grandes empresários corporativistas/monopolistas) à vontade, sem regulação e supervisão, e sentiram os efeitos colaterais com o golpe de 2016, que foi posto em marcha após o resultado das eleições de 2014, uma vez que vinha sendo aventado desde 2011.
Há muito tempo o PT deixou de ser esquerda. Hoje, esquerda são PSOL e PCB. O grande problema é que seus candidatos, que disputaram a última eleição para os municípios não têm o mesmo carisma que Lula, nem a mesma capacidade de “falar a língua do povo”.
Por isso, caberia à Lula a tarefa política social, como um verdadeiro militante de esquerda que há tempos deixou de ser, encampar Guilherme Boulos, por exemplo, como candidato à presidência do Brasil a fim de realmente criar as condições para a esquerda tomar o aparelho de Estado e dar continuidade, atualizando, o trabalho de Lênin e às lições aprendidas antes, durante e após a revolução russa. Ele poderia ocupar um lugar no conselho da república ou algum dos ministérios, auxiliando na governança.
Se é muito pedir isso à Lula e ao PT, este último tão afeito ao poder, como comprova sua aristocracia operária, ao menos que Lula se candidate – se for o caso – como vice e deixe a presidência para um dos outros dois partidos, PSOL ou PCB, pois terão a oportunidade de por em prática, ainda que de forma aproximada e limitada – devido à correlação de forças e queda de braços que terão de enfrentar e disputar no Congresso (e para isso precisam do apoio e força permanente, perseverante, das ruas, das massas e de seus militantes) –, aquilo que pregam em seus discursos, estudos e militância.
O que vai ser? O que acontecerá? Vai depender da capacidade dos militantes dos partidos de esquerda militar e trabalhar, mobilizando e organizando, as massas e de criarem um programa em comum, resguardadas as diferenças, para que possam aumentar suas chances na correlação de forças que se desenha. Caso contrário, muito provavelmente, a história se repetirá, não como tragédia, mas como farsa.
[1] Necessário frisar que a palavra “povo” não está sendo utilizada para homogeneizar os indivíduos sociais, como frequentemente fazem os burgueses e pequeno-burgueses. Como salienta Lênin (s/d), a expressão povo não deve encobrir “a incompreensão dos antagonismos de classe no seio do povo” (LÊNIN, s/d, p. 98), de que o povo está dividido em classes.
CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.
IASI, Mauro. As metamorfoses da consciência de classe – o PT entre a negação e o consentimento. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
LÊNIN, Vladimir I. Duas Táticas da Social-Democracia na Revolução Democrática. São Paulo: Editora e Livraria Livramento, s/d.
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