19 Janeiro 2021
A criatura de Jimmy Wales é uma cápsula do tempo de como a web teria sido se o Facebook e companhia (mas também os gigantes do comércio eletrônico) não tivessem construído suas fortunas sobre os dados e a atenção do usuário.
A reportagem é de Simone Cosimi, publicada por Huffington Post, 15-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim como as autoridades antitruste dos Estados Unidos e da Europa estão planejando um "picadinho" para a galáxia do Facebook - e periodicamente colocam os outros gigantes da hi-tech sob pressão com audiências e investigações - a Wikipedia, a Cinderela da web, completa 20 anos em 15 de janeiro. Entre todas as criaturas da segunda era da rede - aquela que deu origem às redes sociais e enterrou sob os escombros da bolha das ponto-com o que permaneceu em circulação da ingênua utopia original - preserva, como explica o Economist em um artigo que comemora seu aniversário, dois aspectos fundamentais que a salvam da chantagem da irreformabilidade. Aquele feitiço que, em vez disso, paralisa as criaturas de Mark Zuckerberg, Jack Dorsey e outros ex enfants prodiges dos anos 1990. Demasiado grandes e com faturamentos astronômicos até mesmo para todo o entorno que criaram e que alimentam, para poder intervir no DNA de seu modelo, acreditando que podem resolver problemas gigantescos, como fake news, desinformação e discursos de ódio sem comprometer irreparavelmente os negócios.
O primeiro aspecto que remove a Wikipedia do moedor de carne do turbocapitalismo do Vale do Silício é contar apenas com doações de usuários e das organizações (nenhum acionista para gerar lucros nem top managers para pagar altos salários).
O segundo é sua imperfeição declarada. A Wikipedia permanece parcialmente desequilibrada, centrada na sensibilidade ocidental, mesmo que agora seja compilada em mais de 300 línguas, escrita principalmente por homens e certamente não imune a boatos (alguns até perenes), a imprecisões e, em suma, tudo menos científica em sentido estrito. Mas é "feito por nós", resultado de um crowdsourcing estritamente horizontal em que, como alguém disse, um vale o outro (embora nem sempre), num trabalho contínuo de correção e reescrita capaz de produzir um bem inestimável, na rede de hoje assediada por vigilância e perfis publicitários: a confiança. Quem lê sabe que por trás existe um debate contínuo e isso lhe basta para confiar. Uma espécie de fermento mãe onde certamente não faltam adensamentos, mas que faz do refresco a sua força: todos têm que colocar as mãos, mesmo que não faltem discussões.
Em suma, um canteiro de obras que está sempre aberto, que gira em torno da fundação internacional sem fins lucrativos - Wikimedia, com sede em San Francisco - que promove e administra não só a infraestrutura, mas realiza um trabalho cultural em um sentido amplo sobre conteúdos livres, sobre direitos de reprodução (quem se lembra da batalha pelo direito de panorama ou sobre a reforma europeia do copyright?), sobre os materiais de domínio público e sobre todas as implicações legais que marcam a vida de uma plataforma entre as 15 melhores da web e centenas de milhões de visitantes por mês.
Um exemplo? Para ficar na Itália basta pensar no Wiki Loves Monuments, o concurso fotográfico mais importante do mundo cuja edição italiana é promovida pela Wikimedia Italia, que no país trabalha com instituições públicas e privadas, escolas e universidades para traduzir em projetos as aspirações da Wikipedia por informações acessíveis, transparentes e gratuitas. O objetivo é justamente envolver os usuários na criação e compartilhamento de fotografias com licença livre, em conformidade com os direitos autorais e a legislação italiana que, no entanto, proíbe a imortalização de monumentos com licenças livres, exceto sob autorização (e também nisso outra batalha está prestes a começar, aquela sobre a implementação do art.14 da diretiva 2017/790 / EU sobre direitos de autor no mercado único digital, para proteger o domínio público).
Mesmo que para muitos seja apenas uma data a conferir, um ator de quem verificar a filmografia, o título de um disco, a trama de um episódio ou um artiguinho para um rápido corta-e-copia, a Wikipedia também é (e acima de tudo) isso. As outras plataformas que floresceram naqueles anos estão agora muito longe desse espírito: na verdade, nunca o tiveram, mesmo que, ao longo do tempo, lançassem infinitas iniciativas em muitas frentes, para sensibilizar, contrastar, remendar a tantos problemas nascidos dentro delas.
Tentando fazer uma modernização inteligente. Nem mesmo os doadores mais generosos da Wikipedia têm uma voz mais forte do que a miríade de microfinanciadores.
O aspecto que talvez mais do que outros torna a Wikipedia uma espécie de cápsula do tempo de como as coisas poderiam ter sido se o Vale do Silício não tivesse se apaixonado demais por nossos dados e nossa atenção - a ponto de construir seus produtos ao seu redor tentando tirar o máximo possível - é um: Jimmy Wales e Larry Sanger, os dois fundadores vindos da Nupedia da qual a Wikipedia é um spin-off, sabiam desde o início o que construir em torno de seu compromisso com um empreendimento cultural sem fins lucrativos. “A ideia básica, de coletar todo o conhecimento, é exatamente a mesma, sobre isso eu concordo perfeitamente – conta Maurizio Codogno, porta-voz da Wikimedia Itália, ao Huffington Post - e também a realização visual permaneceu basicamente semelhante. O que mudou e evoluiu ao longo do tempo é o fato de que nos últimos anos mudou a forma como esse conhecimento global está organizado. Por um lado, nos afastamos da abordagem ingênua dos primórdios e nos organizamos de forma mais estruturada por fontes, por outro lado, tendemos a ter um mínimo de coesão interna com o fato de que, tendo nascido Wikidata, as informações pontuais são harmonizadas. Já não é mais um amontoado de coisas colocadas juntas: passamos a ter uma estrutura um pouco mais coesa e organizada segundo um modelo”.
A Wikipedia nunca correu o risco de se tornar um Facebook da cultura, um Twitter da anedota, um Google do aprofundamento. Ou seja, monetizar a necessidade de conhecimento respondendo, por exemplo, às demandas dos anunciantes ou às oscilações do mercado de ações. Porque desde o início seu modelo de negócios era completamente alternativo, se não quase um antimodelo no qual poucos teriam apostado, especialmente considerando os Golias a serem derrotados. Se há acionistas, são aqueles que escrevem a Wikipedia (mais de dois milhões de usuários registrados, 9.516 usuários ativos, 113 administradores) e aqueles que a leem (1.665.857 verbetes em italiano, cerca de 5.000 verbetes criados do zero a cada mês), em uma potencial e contínua troca de papéis: é como se Wales e Sanger tivessem inventado o sistema Blockchain vinte anos antes, farejando-o em um contexto completamente diferente: "A Wikipedia pode fornecer todas as ferramentas para tentar entender o que pode ser a verdade", acrescenta Codogno. E a questão é justamente esta: um sistema onde cada um coloca o seu “visto, se publique”, num controle geral que certamente não é à prova de erros, mas justamente capaz de produzir confiança. Muito mais do que hoje conseguem fazer essas redes sociais invadidas por bots e publicidades, algoritmos secretos e clickbait, comprometidas em precificar cada nosso movimento de dedo ou mouse, sob ataque da política e da sociedade, perdidos em calibrar continuamente suas "condições de uso” com códigos e leis que correm o risco de violar ou não e a que muitas vezes se sobrepõem. Mas não podem desistir de manter os usuários em seu recinto decorado estilo gamificação, pesando-os e monetizando informações e interações. Ao contrário dessa tão jovem e blockchain do conhecimento, de aparência tão austera e de caminho obstinadamente contrário.
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A Wikipedia ainda é como era: uma Cinderela da web que vive apenas de doações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU