19 Agosto 2014
Enciclopédia virtual fundada em 2001 pretende lançar em parceria com operadoras do País app isento de cobrança de tarifa; novidade chega após caso de edição de verbetes por funcionários do governo expor desafios de seu sistema colaborativo.
A reportagem é de Pedro Caiado, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 18-8-20014.
Enciclopédia virtual mais famosa do mundo, a Wikipédia quer ampliar e facilitar o acesso ao seu conteúdo em países emergentes. No início do mês, a Fundação Wikimedia, responsável pelo site, anunciou o projeto Wikipédia Zero, uma parceria com operadoras de telefonia para oferecer acesso gratuito ao conteúdo da enciclopédia por meio de um app para smartphones. Lançado em 29 países, o projeto deve chegar ao Brasil nos próximos meses.
“Estamos em fase final de negociações com uma operadora brasileira, mas gostaríamos de trabalhar com todas”, disse Carolynne Schloeder, diretora da parte móvel da Fundação, com exclusividade ao Estado.
A novidade chegará ao Brasil em um momento em que o sistema da Wikipédia – o quinto site mais acessado do mundo – é questionado no País. A notícia de que um endereço de IP de dentro do governo federal foi usado para alterar informações nas páginas de jornalistas como Miriam Leitão acabou gerando dúvidas e revelando desinformação sobre o funcionamento da enciclopédia.
O artigo sobre a jornalista teve a sigla “LOL” (que significa gargalhar) inserida no texto. Não se trata de uma novidade, já que atos semelhantes aconteceram no passado e também em outros países. Em um caso parecido nos EUA, a Wikipédia foi obrigada a banir usuários de dentro do Congresso americano depois que um funcionário iniciou colaborações no site.
Fundada em 2001 pelo americano Jimmy Wales, a enciclopédia construída apenas com contribuições de voluntários ganhou força com os anos e se tornou referência para qualquer pesquisa. Um levantamento recente no Reino Unido apontou que os ingleses confiam mais nos autores da Wikipédia (64%) do que nos jornalistas da BBC (60%).
Entretanto, os recentes casos de edições por fins políticos expõem uma fragilidade eminente no sistema do site: a legitimidade das informações.
Existem diferentes capacidades de edição na Wikipédia, todas abertas a qualquer pessoa. O editor “anônimo” é qualquer pessoa que faz alterações em um verbete sem se registrar no site. Com o registro, pode-se ascender a diversas posições, entre elas “autoconfirmado” (no Brasil, editores cadastrados há pelo menos quatro dias) e “administrador” (com poderes, por exemplo, de trancar páginas).
Qualquer alteração no conteúdo precisa seguir regras específicas, justamente para evitar a inclusão de informações duvidosas e o vandalismo de certas páginas – alguns verbetes são trancados pelos administradores, como os de George W. Bush, Dilma Rousseff e Lula.
Editores e administradores monitoram o site em busca de edições maliciosas. “O vandalismo nas páginas da Wikipédia é chocante. Mas esse tipo de edição é removida em minutos graças à comunidade”, diz Stevie Benton, chefe de relações exteriores da Wikipédia no Reino Unido.
São cerca de 1.500 editores ativos editando páginas em português e 38 mil usuários cadastrados. As 835 mil páginas em português ainda são minoria se comparadas com as mais de 4 milhões em inglês.
De acordo com as regras da Wikipédia, uma página só pode ser criada se houver relevância e notoriedade. No caso de conflito de interesses, um editor não pode modificar uma página inteira por conta própria.
Nem sempre a edição de verbetes por interesses próprios consegue ser evitada. A prática é desencorajada pela Fundação Wikimedia. “Recentemente modificamos os termos de uso obrigando usuários pagos para editarem a revelarem (que são pagos)”, disse ao Estado a diretora de comunicações da Fundação Wikimedia, Katherine Maher.
Esse comportamento se tornou tão comum que um grupo de onze assessorias de imprensa estrangeiras conhecidas assumiu recentemente um compromisso público de não mexer nas páginas da Wikipédia de seus clientes. Esses casos são investigados pela própria comunidade, que identifica diferentes padrões de edições, semelhantes, feitas diversas vezes em um espaço de tempo.
Recentemente, um outro tipo de edição de conteúdo se tornou um problema para a Wikipédia. A lei europeia que dá direito ao cidadão de pedir para que informações sejam apagadas da internet, o chamado “direito ao esquecimento”, fez com que pelo menos dez páginas tenham sido retiradas do ar a pedido de usuários. Jimmy Wales chamou a lei de “insana”.
Ana Toni, única brasileira a participar do conselho curador da Fundação Wikimedia, disse ao Estado ser contra a lei. “Temos que lutar pela liberdade de informação. A Wikipédia traz uma oportunidade incrível para a educação, para as crianças e professores”, defendeu ela, que está deixando o cargo.
Brasileiro edita páginas da Wikipédia desde os 14 anos
Existem 15 mil brasileiros trabalhando voluntariamente para a Wikipédia. Eles são uma comunidade ativa, que edita em torno de 200 mil páginas diariamente. Vinícius Siqueira, de 22 anos, é editor do site desde os 14 anos. “O que me motiva é compartilhar conhecimento de forma livre”, disse ele ao Estado, por telefone.
O estudante de medicina edita assuntos do seu dia a dia. “É uma técnica de aprendizado para mim. Esse é um compromisso pessoal com o acesso livre ao conhecimento”, defendeu ele.
Perguntado quais são as páginas mais vandalizadas do Wikipedia em português, ele explica que várias tem que ser trancadas. Somente administradores ou usuários registrados podem editá-las. “Entre as protegidas estão assuntos como ‘bunda’, as de celebridades como Luan Santana e Justin Bieber, e de políticos como Dilma Rousseff e Lula”, disse o jovem que já dedicou parte de suas férias editando artigos do Wikipédia.
“Um vandalismo muito óbvio, como um palavrão, não dura segundos antes de ser retirado”, ele explica. “E você pode acessar o histórico de todas as edições de uma mesma página.” O cargo de editor é considerado como de grande responsabilidade. “Os assuntos tem de ser abordados de forma imparcial”, disse.
Vinicius explica que há maneiras de monitorar a qualidade dos artigos. “Há uma parte chamada ‘mudanças recentes’, em que você consegue ver todas as edições feitas nas páginas em português.”
Segundo ele, quem faz o monitoramento de artigos conhece as regras da Wikipédia, mas não é necessariamente um profissional da área. “Você não precisa ser médico para editar páginas relacionadas à medicina”, afirmou, dizendo que as fontes é que cedem as informações, e que cabe aos editores catalogá-las. Para ele, a Wikipédia funciona de forma democrática. “Você tem que ter aprovação da comunidade para ter acesso a certas ferramentas.”
Em uma rápida analise das páginas dos candidatos a presidência, incluindo a do recém-falecido Eduardo Campos, Vinicius dá sua opinião. “Estão todas de acordo com os padrões do Wikipédia. Acho que somente a do Campos merecia mais fontes, mas talvez seja pelo momento”, disse.
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Wikipédia quer dar acesso gratuito para brasileiros pelo celular - Instituto Humanitas Unisinos - IHU