06 Janeiro 2021
Peggy M. Delmas, professora assistente de Liderança Educacional na Universidade do Alabama do Sul, nos Estados Unidos, desenvolveu um nicho valioso no Ensino Superior: jogar luz sobre as contribuições das irmãs religiosas católicas com carreiras acadêmicas, inclusive como cientistas.
A reportagem é de Chris Herlinger, publicada por National Catholic Reporter, 05-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Seu recente estudo, publicado em setembro passado, apareceu no International Journal of Gender, Science and Technology, com o título “Foremothers in STEM: Celebrating the work of Catholic sister scientists” [Matriarcas nas Ciências Exatas: celebrando o trabalho das irmãs católicas cientistas, disponível em inglês aqui].
“Algumas das primeiras e mais influentes mulheres cientistas nos Estados Unidos foram irmãs católicas”, observa Delmas no resumo do artigo. “No entanto, suas histórias e contribuições científicas não são amplamente conhecidas. Por que essas irmãs buscaram estudos científicos, de que forma contribuíram para a ciência e como suas experiências se comparam às de outras mulheres cientistas?”
Na introdução do seu artigo, Delmas destaca a Ir. Mary Kenneth Keller, das Irmãs da Caridade da Bem-Aventurada Virgem Maria em Dubuque, Iowa, que é reconhecida por ter sido a codesenvolvedora da linguagem de computador BASIC e foi, como Delmas escreve, “a primeira mulher nos Estados Unidos a obter um doutorado no florescente campo das Ciências da Computação em 1965”.
Naquele ano, observa Delmas, Keller aceitou um cargo no Clarke College, a atual Clarke University, em Dubuque, e iniciou um departamento pioneiro de Ciências da Computação.
“Seus esforços para aumentar o interesse das mulheres pelas Ciências da Computação incluíram sua política de permitir que mães trabalhadoras levassem seus filhos pequenos para as aulas”, observa o artigo de Delmas. “No entanto, apesar de tais importantes contribuições científicas e influência na promoção da ciência para meninas e mulheres, o trabalho das irmãs católicas dos Estados Unidos na ciência permanece amplamente desconhecido.”
“Sou uma grande fã das irmãs, mas percebi que o público em geral – o público não católico em particular – não sabe muito sobre o que elas fazem ou fizeram”, disse Delmas em uma entrevista recente. “E, é claro, as irmãs tendem a ser pessoas muito humildes, que não fazem muito barulho nem chamam a atenção para si mesmas. Mas elas têm uma história fascinante, esperando que alguém a escreva.”
Usando dados dos arquivos das comunidades religiosas das irmãs e das universidades onde lecionaram, o estudo de caso de Delmas explora “as motivações ocupacionais, as contribuições científicas e as experiências de três irmãs católicas cientistas estadunidenses”.
As irmãs descritas no artigo são:
– Ir. Monica Asman (1920-2016), das Irmãs de São Francisco e geneticista pesquisadora que passou de 1968 a 1987 na Universidade da Califórnia em Berkeley;
– Ir. Veronica Mary Maher (1931-2017), das Irmãs Servas do Coração Imaculado de Maria, que trabalhou na Michigan State University de 1971 a 2009, com foco na pesquisa sobre câncer. Ela cofundou e codirigiu o laboratório de carcinogênese da universidade;
– Ir. Miriam Michael Stimson (1913-2002), das Irmãs Dominicanas de Adrian, foi química orgânica e passou a maior parte da sua carreira, de 1939 a 1968 e de 1978 a 1998, no Siena Heights College, hoje Siena Heights University.
Delmas, que realizou sua pesquisa em 2018 e 2019, cresceu como batista do sul e se converteu ao catolicismo em 1998. Ela leciona na Universidade do Alabama do Sul desde 2006. Delmas obteve seu doutorado em Liderança Educacional pela Universidade do Alabama em Birmingham em 2006, com foco nas irmãs que lecionavam em instituições públicas, em vez de religiosas. Sua pesquisa de doutorado combinou seu interesse em mulheres líderes no Ensino Superior com seu desejo de aprender mais sobre a fé católica.
O que despertou esse interesse de pesquisa?
Depois de concluir a minha dissertação sobre as experiências de três irmãs católicas que lecionavam em universidades públicas do Sul dos Estados Unidos, eu continuei a aprender sobre outras irmãs católicas que estavam atualmente ou tinham sido empregadas de forma semelhante no Ensino Superior público. Os números me convenceram de que a história delas era muito rica para ser contada e ainda não havia sido amplamente compartilhada.
Seu foco de pesquisa é muito específico. Qual é a reação a ele?
Às vezes, recebo olhares perplexos quando conto às pessoas sobre a minha pesquisa. As pessoas que foram criadas católicas podem saber um pouco disso, mas, no mundo não católico, o perfil das irmãs no Ensino Superior, especialmente na ciência, não é muito proeminente. Mas as irmãs que eu pesquisei para esse artigo fizeram contribuições reais em seus campos, e várias delas foram pelo menos consideradas para receber o Prêmio Nobel. É importante notar que todas elas receberam uma educação fantástica.
E mesmo assim elas permaneceram dedicadas tanto à sua vocação como cientistas quanto à vida religiosa.
Elas se sentiam muito comprometidas com suas congregações, que as apoiavam quando elas faziam o doutorado, o que, obviamente, é um empreendimento caro. Mas isso deve ser visto em uma história mais ampla: em tempos modernos, a tradição católica abraçou o estudo da ciência e não fazia grandes distinções entre religião e ciência. As irmãs viam a ciência como um aprofundamento da sua relação com Deus. Elas não viam uma divisão entre a sua vida espiritual e a sua vida profissional. Na comunidade acadêmica, há uma tendência de fazer distinções entre os dois mundos. Mas as irmãs não viam dessa forma.
Embora o artigo defenda o trabalho das irmãs, você aponta muito claramente que as irmãs tinham desafios claros, tanto como irmãs católicas em um ambiente secular quanto como mulheres. A carreira de Asman parece instrutiva. Você observa que a decisão dela de estudar ciência provavelmente se deveu à necessidade da sua congregação de ter uma professora de ciências – ela lecionou inicialmente em escolas da congregação antes de ir para Berkeley. Mas ela foi uma das oito mulheres, todas irmãs católicas, que obtiveram o doutorado na Universidade de Notre Dame em 1966.
Todas as mulheres enfrentaram desafios, mas o caso da Ir. Monica Asman é particularmente desolador. Seu trabalho era importante. Como eu fiquei sabendo, ela se tornou uma especialista mundialmente reconhecida em mosquitos e alteração genética, e fez parte de uma equipe de pesquisadores em Berkeley que concluiu que a genética determina a suscetibilidade dos mosquitos a um vírus. Mas, em minha pesquisa, eu aprendi que o reconhecimento e o respeito públicos nem sempre foram recebidos. Uma reportagem sobre as credenciais da equipe de pesquisa mencionava as credenciais acadêmicas de seus colegas homens. A Ir. Monica era chamada apenas de freira católica romana.
E isso não é tudo, não é?
Algo semelhante ocorreu com as outras irmãs, mas eu fiquei sabendo que, no caso da Ir. Monica, ela era alvo de piadas sobre freiras na imprensa e por parte de seus colegas. Os velhos clichês sobre freiras travessas eram comuns na época, assim como o sexismo na cultura. O sexismo em relação às mulheres na academia, o preconceito de gênero, o ambiente frio estão bem documentados na literatura. O clichê da freira travessa é velho e foi mencionado por outros participantes da pesquisa entre os estereótipos que as pessoas têm em relação às irmãs.
Essas opiniões mudaram?
Até certo ponto, sim. O sexismo flagrante e os estereótipos em torno das freiras que as irmãs vivenciaram, ocorriam principalmente nas décadas de 1960 e 1980. Em minhas entrevistas, as irmãs que trabalharam no Ensino Superior mais recentemente dizem que, dos anos 1990 até hoje, essas atitudes são menos predominantes ou mais sutis.
Seu projeto de pesquisa mais amplo é continuar trabalhando no tema das irmãs que trabalharam em instituições de ensino públicas, correto?
Sim. Há uma longa tradição nesse sentido que não é muito conhecida. Meu objetivo final é escrever um livro sobre esse tema, estudando 76 mulheres ao todo – 47 falecidas e 29 vivas – com o estudo restrito às irmãs nos Estados Unidos. Eu tenho muito trabalho pela frente nesse sentido, embora esteja prestes a encerrar as entrevistas com as irmãs vivas. As entrevistas presenciais tiveram que ser interrompidas por causa da Covid-19, então tenho que fazer mais através do Zoom. A pandemia desacelerou a pesquisa. Ao mesmo tempo, muitas das irmãs se adaptaram muito bem à tecnologia como o Zoom, e outras já a estavam usando.
Onde estão morando as irmãs do seu estudo?
Bem, elas não estão no Alabama! (risos) As irmãs no estudo são de todos os Estados Unidos, mas muitas estão no Meio-Oeste.
Quando você contata as irmãs, elas ficam surpresas?
Muitas vezes, elas ficam surpresas, sim. Mas elas ficam maravilhadas porque elas e o trabalho de outras delas está recebendo atenção. Elas têm sido acolhedoras, graciosas, gentis e prestativas.
Você deve ter uma sensação de urgência devido ao envelhecimento da população das irmãs.
Sinto uma sensação de urgência. Uma irmã que eu estava preparada para entrevistar faleceu. A arquivista da congregação me avisou, e foi algo profundamente triste. Eu me senti muito mal naquele dia.
Como essa experiência aprofundou a sua espiritualidade?
Pesquisar e entrevistar essas mulheres me mostrou uma forma de combinar ativamente o meu trabalho acadêmico e a minha fé, a minha verdade. Na academia, isso geralmente é desaprovado. Mas eu aprendi com as irmãs que tudo está envolto em vida. Elas têm sido verdadeiros modelos.
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Pesquisadora destaca a obra de religiosas católicas cientistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU