15 Dezembro 2020
"Os missionários construíram muito na Amazônia. Mas, acima de tudo, eles amaram profundamente esse povo", escreve Egidio Picucci, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 12-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eles chegaram quando todos fugiam. Depois que o comércio da borracha acabou, porque os ingleses conseguiram roubar as sementes da Hevea brasiliensis e plantá-la em suas colônias orientais, onde cresceu vertiginosamente, colocaram-na no mercado a um preço menor e muitos seringueiros voltaram para o árido sertão nordestino. Os missionários chegaram naquele momento: eram quatro capuchinhos da Úmbria: Padre Domenico Anderlini de Gualdo Tadino; o padre Ermenegildo Ponti de Foligno; padre Agatangelo Mirti de Spoleto e frei Martino Galetta de Ceglie Messapico. Quatro como os pontos cardeais, como se fossem estabelecer os pontos de referência para as pessoas desorientadas pelo colapso do comércio da borracha.
O território que lhes foi confiado, um trapézio de água e floresta que se encaixa entre a Colômbia e o Peru, denominado Alto Solimões, tinha os limites dos horizontes: 140.000 quilômetros quadrados (17 vezes a Úmbria de onde vieram) e cerca de 20.000 habitantes dispersos nos recantos mais escondidos e mais pobres do que os próprios índios que ali nasceram. A área já havia sido evangelizada e as pessoas, pelo menos oficialmente, eram todas cristãs: mas da antiga evangelização restavam apenas alguns sinos, prontos a voltar ao badalar interrompido. Os missionários logo tiveram que se confrontar com a realidade do ambiente úmido e maléfico, complicado por minúsculos insetos que minaram a saúde do padre Agatangelo, que morreu de febre amarela aos 27 anos. Nos primeiros dezesseis anos de missão, houve três mortes e quatro repatriações por doenças graves. O Padre Evangelista de Cefalônia, superior da nascente missão, recebido em audiência por Pio XI no dia 18 de novembro de 1925, disse ao Pontífice: “O clima torna dois missionários incapacitados por ano”. O único remédio era se refugiar nos hospitais de Manaus, definidos pelos missionários como o "nosso valetudinário".
À impiedade do clima se somava a oposição das autoridades, à qual os missionários contrapuseram a educação de seus filhos abrindo escolas, internatos, dispensários e um hospital, tanto que o prefeito do maior município amazônico disse: “Devo admitir honestamente que aquela dos missionários é uma atividade fantástica; de seu dinamismo nascem realidades promissoras”. Um aceno velado à obra do Padre Fedele Schiaroli de Alviano, que se fez Tikuna com os Tikuna (a maior tribo do Brasil) cuja difícil língua codificou numa primeira gramática. A evangelização se estendeu às demais tribos, chegou aos caboclos com um número indeterminado de igrejas, capelas e gradativamente cobriu toda a bacia do Solimões, aliada à promoção de um povo que, apesar de tudo, viveu por muito tempo às margens do continente Brasil. Mesmo assim, os missionários criaram uma tradição gloriosa entre o povo. Não só aqueles do passado, mas também aqueles de hoje, engajados em um mundo que não perdeu as dificuldades do passado, ainda que isso não tenha sido em vão nem mesmo para a Amazônia, que fez progressos na educação e na saúde. Isso também se deve aos missionários que imediatamente começaram a trabalhar com os índios e com os colonos, construindo uma estrutura social que tinha uma pequena igreja no centro, em torno da qual cresciam vilarejos e cidades, escolas e postos de saúde. Os missionários se transformaram em professores, enfermeiros, carpinteiros, agricultores. Em pouco mais de um século, às margens do Rio Solimões marcaram o território com presença própria e uma obra incansável de evangelização e promoção humana, que veio descobrir e resgatar usos, costumes e tradições dos índios Tikuna, quase aniquilado pela onda colonial dos séculos passados. Cem anos atrás, a Amazônia era uma terra que os europeus mal conheciam. Terra ainda inexplorada, apesar de quatro séculos de colonização muitas vezes impiedosa. Movidos por um ideal mais forte que o medo do desconhecido, os missionários se deram uma tarefa: levar o Evangelho no coração da floresta. E eles também se deram um método, feito de audácia e paciência.
Sua história tem algo de pioneiro: uma missão nas fronteiras da realidade; uma página de fé, amizade e martírio que deixou uma marca indelével na história das missões católicas.
Não só as casas tiveram que ser construídas, mas toda a estrutura social. Aquela terra era periferia da Amazônia, que era periferia do Brasil, que por sua vez era periferia do mundo industrializado. Os missionários se tornaram médicos, carpinteiros, arquitetos, advogados, professores. O desenvolvimento socioeconômico do Alto Solimões dependia deles. Também chegaram as primeiras Irmãs Terciárias franciscanas, brasileiras do Pará. Depois outras, italianas. Um suporte decisivo.
Viver ao longo do rio significava aceitar que era ele quem ditava os tempos da economia, da sociabilidade, do desenvolvimento. Os transportes eram lentos, complicados, seguiam (seguem) os caprichos da chuva. A água é a verdadeira dona e o clima favorece a propagação de inúmeras doenças: malária, febre amarela, verminoses, hanseníase. Benjamin Constant é ainda hoje o coração da missão dos capuchinhos do Alto Solimões com o convento construído na parte alta da cidade. É a única propriedade dos capuchinhos, porque desde o início da missão até hoje, tudo o que foi construído - escolas, capelas, dispensários - foi entregue às comunidades locais e às autoridades civis. Uma escolha que desde o início caracterizou a relação entre missionários e pessoas, “que - disse o padre Benigno Falchi - aguardavam como um dom de Deus o missionário com uma maleta cheia de remédios. Durante vinte anos fiz a mesma coisa: me levantava, me entregava ao bom Deus e partia. Isso é a presença do missionário entre essas pessoas. É bom constatar que não só construímos, mas propiciamos força e esperança a um povo”.
É verdade: os missionários construíram muito na Amazônia. Mas, acima de tudo, eles amaram profundamente esse povo. A maioria deles queria terminar aqui seus dias. As pessoas entenderam e continuam trazendo flores frescas para seus túmulos. Agora existe uma ponte que une indissoluvelmente a Umbria e a Amazônia. Foi construída por homens e mulheres, italianos e brasileiros, gente da Umbria e da Amazônia. A fé comum em Jesus de Nazaré funcionou como cimento; São Francisco de Assis determinou as formas e o estilo. Essa ponte, que une dois mundos tão distantes, tornando-os próximos, é um sinal tangível de esperança.