01 Dezembro 2020
"Liberdade e igualdade dizem respeito à esfera dos direitos e, mais ainda, dos direitos do indivíduo, enquanto a fraternidade é um valor intrínseco da convivência, da comunidade. O Papa Francisco, com a sua recente encíclica Fratelli Tutti, pediu a todos e a cada um o que é necessário para nos salvar juntos: a fraternidade", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 30-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os meses passam e a experiência da pandemia continua a nos perturbar, a tornar exaustivo o nosso viver e conviver, suscitando em nós questionamentos angustiantes e perguntas categóricas. O que se torna urgente, que empenho para o tempo presente e para o futuro que temos pela frente?
A resposta é certamente o empenho pela fraternidade e sororidade, isto é, assumir uma responsabilidade que nos torna cuidadores uns dos outros. Isso, entre outras coisas, nos ensina a calamidade que nos surpreendeu, destacando a nossa fragilidade e o nosso destino comum: todos nós somos vulneráveis, somos mortais, seres humanos vindos da terra e que à terra retornam.
Esse é o fundamento da fraternidade que todos podem sentir e, portanto, assumir para cuidar de si e dos outros, vivendo juntos e juntos habitando a terra como casa comum. A história, de fato, mostra que para esse propósito não bastaram nem a paternidade de Deus confessada por aqueles que têm fé, nem outras transcendências: a fraternidade continua sendo uma tarefa, frágil, nunca alcançada de forma definitiva, porque irmãos e irmãs não se nasce, mas se torna.
É claro que a fraternidade foi uma "invenção" do cristianismo, mesmo que o sentimento comum a coloque dentro da famosa tríade republicana. Com efeito, na Declaração dos Direitos do homem e do cidadão (1789) a liberdade e a igualdade eram mencionadas, mas não a fraternidade, porque não se esquecia que esta última havia servido para justificar a estrutura opressora e injusta do Ancien Régime.
E embora a fraternidade logo tenha sido colocada ao lado das outras duas, enquanto se combatia pela liberdade e pela igualdade, alcançando resultados precisos, a fraternidade não recebeu a atenção e o empenho necessários para que as outras "irmãs" fossem afirmadas com um fundamento. Frédéric Boyer escreveu com razão: “A liberdade, sem a consciência de ter que compartilhá-la com o outro, torna-se violência. E a igualdade, sem a consciência de que é principalmente para o outro, torna-se solidão mortal. A fraternidade é a mais exigente, a mais urgente, pois diz respeito à nossa condição humana e aos seus limites. Ser humano significa reconhecer o outro como irmão ou irmã”.
Edgar Morin também nos lembra que “a liberdade pode ser instituída e a igualdade imposta. A fraternidade, por outro lado, não se estabelece por lei. É fruto de uma experiência pessoal de solidariedade e responsabilidade. Sozinha, a liberdade mata a igualdade e a igualdade imposta destrói a liberdade. Só a fraternidade permite manter a liberdade, porém continuando a luta para suprimir as desigualdades”.
Sim, porque liberdade e igualdade dizem respeito à esfera dos direitos e, mais ainda, dos direitos do indivíduo, enquanto a fraternidade é um valor intrínseco da convivência, da comunidade. O Papa Francisco, com a sua recente encíclica Fratelli Tutti, pediu a todos e a cada um o que é necessário para nos salvar juntos: a fraternidade.
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A difícil tarefa da fraternidade. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU