19 Novembro 2020
Contribuir para o desenvolvimento das sociedades das quais fazem parte é um dos objetivos fundamentais da Associação de Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América Latina (AUSJAL), uma rede de 30 universidades em 14 países, com 235.000 estudantes. Entre os diferentes acordos assinados ao longo dos anos, podemos citar o estabelecido entre a AUSJAL e a Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, que nos últimos meses se materializou em um acordo para mitigar os efeitos da crise causada pela pandemia da Covid-19 sobre os povos da Amazônia.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Nesta terça-feira, 17 de novembro, foi realizado um webinar para discutir a colaboração entre as universidades jesuítas e a Rede Eclesial Pan-Amazônica para os direitos humanos, a ecologia integral e a mitigação dos efeitos da Covid-19. Liderado pelo jesuíta Fernando Ponce León, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Equador - PUCE, incluiu as reflexões de representantes dos povos indígenas da Amazônia, como Patricia Gualinga e Irmã Laura Vicuña Pereira Manso, do mundo acadêmico jesuíta, como o Padre Luis Arriaga, presidente da AUSJAL, Ana Lucía Torres, diretora do Instituto de Saúde Pública da PUCE, e Sandra Lucía Alvarado, coordenadora de educação à distância do programa REPAM / AUSJAL sobre direitos humanos e ecologia integral. O Cardeal Pedro Barreto, Presidente da REPAM, também participou da reunião virtual.
Em suas palavras de boas-vindas, Padre Arriaga enfatizou a importância dos povos amazônicos e de "colocar nossos talentos, nossa vida profissional, para trabalhar com os povos que lutam para manter vivo nosso planeta, diante do cerco ao qual seu território tem sido submetido por muitos séculos". A Companhia de Jesus está na Amazônia desde 1549, como lembrou o reitor da ITESO, tendo desde o início o objetivo de defender a fé e promover a justiça. Esta abordagem continua presente hoje, procurando acompanhar os pobres e excluídos, os jovens, na criação de um futuro esperançoso, cuidando de nossa casa comum, sem uma visão antropocêntrica e sim integral, de harmonia entre o ser humano e a natureza.
Cardeal Barreto (Foto: Luis Miguel Modino)
Para alguém que fala da realidade dos povos amazônicos, como Patricia Gualinga, um dos desafios é aterrissar no território. Isso a levou a se perguntar "por que os povos indígenas tradicionalmente não têm acesso às universidades?”. Na verdade, os poucos que conseguiram fazer isso "sentem-se perdidos quando acessam, porque viemos de um contexto completamente diferente", segundo a auditora do Sínodo para a Amazônia. Ela afirmou que as universidades, em pesquisa, têm estado no território, mas podem não ter entendido a realidade do contexto. Gualinga vê a necessidade de que os jovens indígenas tenham acesso às universidades e, ao mesmo tempo, "nas universidades, de onde vêm as pessoas que estarão no governo, elas também possam promover uma ética, uma visão multinacional, plurinacional e, acima de tudo, uma visão de justiça”.
Diante desta situação, ela vê a necessidade de buscar maneiras de melhorar a educação nos territórios amazônicos, de ver como a universidade pode abordar esta realidade onde os interesses do povo e das grandes empresas entram em conflito. A representante dos povos originários na Conferência Eclesial da Amazônia - CEAMA, a partir da ideia de que existem diferentes realidades amazônicas, destacou sua tradicional luta pelos direitos, entre eles o respeito pela natureza, algo difícil de ser alcançado, pois isso entra em conflito com os interesses das grandes empresas.
Ana Lucía Torres (Foto: Luis Miguel Modino)
O Programa de Direitos Humanos e Ecologia Integral é uma iniciativa relevante e pertinente, de acordo com Sandra Alvarado, algo que exige a união de esforços para proteger uma Amazônia ameaçada. Para isso, o programa do qual ela é coordenadora quer que "os estudantes sejam sujeitos ativos e autônomos de seus conhecimentos", oferecendo "elementos conceituais e reflexão crítica sobre os direitos humanos e a ecologia integral, para que se tornem agentes capazes de cuidar e defender o território de acordo com os novos padrões de direitos dos povos indígenas da Amazônia". É uma atividade dirigida a agentes pastorais, líderes indígenas, profissionais ligados à Igreja Católica, professores e estudantes que trabalham em perspectiva de ação social e defesa dos direitos humanos.
Não podemos esquecer que a Amazônia sempre foi um espaço de grande resistência, algo em que a Irmã Laura Vicuña Pereira Manso insistiu. Segundo a religiosa, "a pandemia tornou visível o caos que vivemos na Amazônia, a falta de atenção às políticas públicas para os povos amazônicos". Ela denunciou que os invasores das terras indígenas não mantêm a quarentena, eles continuam explorando com mais força e voracidade os territórios indígenas. Segundo a agente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, “no trabalho de incidência nacional e internacional que estamos fazendo com o povo karipuna, temos pequenas vitórias, que são significativas no cuidado da casa comum”.
Laura Vicuña Pereira Manso (Foto: Luis Miguel Modino)
Ela destaca que “caiu o desmatamento em mais de quarenta por cento, indo na contramão do que vem ocorrendo na Amazônia brasileira”. Mas como a religiosa reconhece, “isso não significa que os grileiros não estejam invadindo o território”. Frente a isso, “o povo vem se mobilizando desde instâncias judiciais, para retirar os invasores e anular os CAR que estão sobrepostos à Terra Indígena Karipuna”.
Diante das ameaças à integridade física e territorial dos povos, o Estado brasileiro virou as costas para os povos indígenas. Um projeto de vida é necessário para garantir a vida das gerações futuras em seus territórios, segundo a representante dos povos indígenas na CEAMA. Os direitos dos povos originários não estão sendo garantidos, diz ela, o que também pode ser dito do conhecimento ancestral, que nem sempre é reconhecido, mas que salvou muitas vidas nesta época de pandemia.
Luis Arriaga (Foto: Luis Miguel Modino)
Entre os desafios, ela aponta a falta de acesso dos povos indígenas à universidade, manter os territórios, línguas e tradições, ajuda e proteção dos defensores dos direitos humanos, dos territórios e da casa comum. Para isso, ela vê a necessidade de solidariedade global, pois se não mudarmos nossa maneira de viver e de nos relacionarmos com a Mãe Terra, teremos um futuro doloroso.
A AUSJAL e a REPAM realizaram nos últimos meses um trabalho de mitigação dos efeitos da Covid-19 em território pan-amazônico, algo que foi apresentado por Ana Lucía Torres. Segundo ela, a Covid exacerba as condições de desigualdade vividas pela população, algo muito presente na Amazônia, um território em disputa, onde a saúde tem a ver com uma série de condições. Neste sentido, na Amazônia estamos diante de problemas sociais relacionados com o Modelo de Desenvolvimento Predatório, o que deveria nos levar a compreender a dinâmica territorial para compreender as consequências da pandemia.
Patricia Gualinga (Foto: Luis Miguel Modino)
Algo que está dificultando a tomada de decisões, segundo a diretora do Instituto de Saúde Pública da Pontifícia Universidade Católica do Equador, é a falta de informação sobre a pandemia na Amazônia, algo que se reflete no número de infectados e falecidos, o que ela considera subestimado. É por isso que, quando vemos a gestão que tem sido feita em relação à pandemia na Amazônia, nos encontramos com líderes políticos que subestimaram a gravidade da pandemia, especialmente o Presidente Bolsonaro. Soma-se a isso a realidade que se vive nos grandes conglomerados urbanos ou em locais de difícil acesso, a desinformação da população sobre o vírus, seu contágio e seu tratamento.
Diante desta situação, Ana Lucía Torres destaca as respostas da população, as reações dos povos indígenas a partir de suas cosmovisões, práticas culturais e remédios ancestrais diante do abandono do sistema de saúde estatal. Por isso, ela convidou para trabalhar na mitigação da Covid na Pan-Amazônia, para aprofundar o trabalho entre a AUSJAL e a REPAM. Entre as propostas concretas devem ser analisadas as estratégias, fortalecer as capacidades dos povos originários no campo da saúde comunitária, implementar um Observatório Territorial de Saúde Pan-Amazônica, buscar políticas públicas com a participação dos povos e estratégias contra futuras pandemias.
Participantes do webinar (Foto: Luis Miguel Modino)
O Cardeal Barreto, que iniciou seu ministério episcopal no Vicariato de Jaén, na Amazônia peruana, enfatizou a importância da Amazônia em sua vida. Ele reconheceu o quanto havia aprendido com a sabedoria dos povos amazônicos ao longo do processo sinodal, enfatizando a alegria dos povos indígenas e do irmão Francisco, como foi chamado, durante a assembleia sinodal. Seguindo o lema da REPAM, ele afirmou que a Amazônia é uma fonte de vida no coração da Igreja e da humanidade.
A REPAM tem se concentrado na necessidade de um trabalho pastoral coordenado da Igreja na região, pois, segundo Barreto, "sempre houve um compromisso da Igreja com os povos indígenas desde o século 16". A REPAM ajudou a descobrir "a grande riqueza da Igreja na Amazônia, com líderes dos mesmos povos indígenas da Amazônia, padres, leigos, bispos, religiosos e religiosas", segundo o presidente da REPAM, que afirma que isso significou que "os excluídos foram incluídos no processo evangelizador da Igreja universal, os abandonados se sentiram acompanhados, os invisíveis começaram a ser visíveis, não só para a Igreja, mas também para a humanidade".
Cardeal Barreto (Foto: Luis Miguel Modino)
Para o Cardeal Barreto, "a compreensão dos problemas socioambientais e das culturas originárias da Amazônia é uma grande riqueza para a Igreja e para a humanidade". Neste sentido, ele lembrou que a Igreja é e deve ser uma aliada dos povos originários, algo que foi solicitado no Sínodo e que se tornou concreto na CEAMA, que tem uma relação muito próxima com a REPAM. Para o Cardeal, "as populações originárias da Amazônia confirmaram sua percepção de que agora a Igreja Católica, sob a liderança do Papa Francisco, se reafirmou no acompanhamento próximo e solidário das populações indígenas, com uma clara atitude de proteção e defesa desta região", algo que, do ponto de vista pastoral, ele vê como "um compromisso definitivo e irrenunciável com nossa missão evangelizadora de dignificar e proteger a vida do povo, especialmente daqueles que são descartáveis e excluídos".
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Cardeal Barreto: com a REPAM “os excluídos foram incluídos no processo de evangelização da Igreja universal” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU