03 Novembro 2020
O Cardeal Barreto tem conhecimento da REPAM desde sua fundação em 2014, quando começou algo sem precedentes, segundo o purpurado peruano. Naquela época ele assumiu a função de vice-presidente, e em novembro deste ano ele se tornará seu novo presidente. O Sínodo trouxe uma nova realidade, a Conferência Eclesial da Amazônia, chamada a ser complementada pela REPAM, que "deve continuar muito de perto sua missão de acompanhar as populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia, ouvindo seus gritos e o clamor da terra".
Com a CEAMA estamos diante de "uma Igreja renovada, uma Igreja que quer ouvir a Deus, quer ouvir seus irmãos e quer ouvir também a natureza, a fim de buscar juntos a vontade de Deus e colocá-la em prática", afirma Barreto. O Cardeal destacou a importância dos povos originários e das mulheres no processo sinodal, com um discurso "que teve um conteúdo afetivo e decisivo na luta pela vida e dignidade".
Para alguém que se considera um filho do Vaticano II, ele vê isto como um kairos, algo que ele também afirma a partir do Documento de Aparecida, onde o primeiro Papa latino-americano foi relator, alguém que sempre insiste em processos. Ele não hesita em afirmar que não podemos ter medo de buscar novos caminhos para a Igreja, de assumir uma dinâmica sinodal. Pessoalmente, ele está entusiasmado com "esta proposta de caminhar junto", seguindo os documentos conciliares e o magistério do Papa Francisco, que ele vê como "experiências vitais para minha pessoa".
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
Nos últimos dias, foi divulgado que o senhor assumirá um novo serviço na Igreja da Amazônia, tornando-se o presidente da REPAM. Como o senhor enfrenta este novo serviço em algo que é bem conhecido, desde a fundação da REPAM o senhor é o vice-presidente desta rede?
Em primeiro lugar, vejo uma continuidade do meu serviço, devido à tradição que existe nesta caminhada juntos desde 2014, quando já tínhamos o apoio inicial do Papa Francisco, quando tivemos a experiência mais direta de começar algo inédito, porque para falar de uma rede eclesial que cobriria os sete milhões e meio de quilômetros quadrados do bioma Amazônia, não tínhamos ideia de como fazê-lo.
Entretanto, nesta caminhada juntos, temos descoberto novos rostos, novas pessoas, especialmente rostos de povos originários da Amazônia. Portanto, minha experiência é continuidade, e continuidade na novidade, porque na realidade a Conferência Eclesial da Amazônia já é uma realidade, por mandato expresso do Sínodo realizado há um ano em Roma, e também com o apoio, eu diria pleno e total, do Papa Francisco. É a continuidade de uma novidade na CEAMA.
Em 28 de outubro, a REPAM organizou um webinar para discutir os avanços e as perspectivas do Sínodo, um ano depois. Diante de uma das perguntas dos participantes, o Cardeal Hummes, até agora presidente da REPAM e presidente da CEAMA, disse que ambas fazem parte de um todo, que não há como separá-las, e que através da REPAM é como a CEAMA se faz presente no território. Como será organizado este trabalho comum entre a REPAM, que existe há seis anos e desempenhou um papel muito importante no processo do Sínodo para a Amazônia, sobretudo na preparação, e este novo organismo, que como o senhor disse, o Sínodo pediu a Igreja da Amazônia?
A CEAMA é algo inédito na história da Igreja, de certa forma é um canal sinodal, de escuta, de discernimento e de colocação em prática dessas 177 precisões, que como um novo caminho para a Igreja e para uma ecologia integral, são especificadas no Documento Final do Sínodo. Eu diria que esta é a chave para tudo o que a CEAMA é na realidade. Na Querida Amazônia, que é um sinal de amor e serviço da Igreja a este bioma tão importante para a humanidade, o Papa Francisco formula quatro sonhos que a Amazônia o inspira, e o quarto sonho o encoraja a aprofundar este caminho pastoral a fim de dar à Igreja novos rostos com características amazônicas.
A REPAM deve continuar muito de perto sua missão de acompanhar as populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia, ouvindo seus gritos e o clamor da terra. O REPAM é um complemento da CEAMA, e aqui está a grande riqueza deste processo sinodal. A CEAMA já possui um espaço de articulação, de coordenação, muito próximo ao território, e de lá para as populações indígenas.
O Papa Francisco é alguém que insiste muito nos processos. No encontro que teve com os bispos por ocasião da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em 2013, ele disse que a Amazônia era um banco de provas para a missão da Igreja. Tendo em conta que o próximo sínodo em 2022 será sobre a sinodalidade, pode esta nova Conferência Eclesial da Amazônia ser entendida como um campo de provas que pode ajudar a criar novas estruturas em função da sinodalidade em outras partes do mundo, dentro da Igreja universal?
Sim, a CEAMA é inédita, como já indicamos, é uma conferência eclesial, e uma conferência eclesial expressa claramente a realidade de uma Igreja composta por todos os batizados. Esta conferência eclesial surge em um processo de renovação. De alguma forma, esta primeira conferência eclesial de uma região concreta, como a Amazônia, tem também para a Igreja o ressurgimento de uma nova imagem de uma Igreja renovada, uma Igreja que quer ouvir a Deus, quer ouvir seus irmãos e quer ouvir também a natureza, a fim de buscar juntos a vontade de Deus e colocá-la em prática.
Parece-me que não é que não seja um banco de provas, é uma nova realidade eclesial, única na história da Igreja e que está abrindo definitivamente o caminho para uma renovação da Igreja na Amazônia e, logicamente, é uma contribuição para a renovação da Igreja universal.
Na Assembleia Sinodal, foi reconhecida a contribuição das mulheres e dos povos indígenas para o desenvolvimento da assembleia. Na nova Conferência Eclesial da Amazônia, as mulheres e também os povos indígenas estão presentes como amostra daquela Igreja Povo de Deus da qual o senhor falou. Essa presença da realidade local e das mulheres ajuda a tornar real o que o Papa Francisco desejou e colocou na Querida Amazônia, como ele disse em outros momentos, que as mulheres assumam papéis de protagonismo e ocupem espaços de decisão no caminho da Igreja?
Na realidade, não foi apenas a presença das mulheres e dos povos originários que esteve presente no Sínodo, mas também em toda a extensão e amplitude da Amazônia na destacada participação das mulheres e dos povos originários durante a preparação. Não esqueçamos que durante o processo preparatório foram realizadas 45 assembleias territoriais e todas as contribuições do Documento de Trabalho foram muito ricas, pois ele incluía a voz dos povos originários e, de forma especial, das mulheres. De minha própria experiência pessoal lembro-me dos rostos de mulheres indígenas que contribuíram muito, não só no processo sinodal, mas também para minha própria experiência pessoal.
Seu discurso surgiu, não tanto de uma reflexão racional, mas de uma experiência, que passou pela razão logicamente, mas que teve um conteúdo afetivo e decisivo na luta pela vida e dignidade dos povos originários. A primeira assembleia, realizada em 26 e 27 de outubro, também demonstrou a importância de ouvir a mulher e os povos originários neste processo de renovação da Igreja e deste processo de inculturação em maior profundidade na realidade amazônica.
O senhor falou sobre a Assembleia Plenária da Conferência Eclesial da Amazônia. Nos próximos dias, o comitê executivo da REPAM se reunirá, onde tentará, como foi feito pela CEAMA, concretizar as propostas do Documento Final do Sínodo que fariam referência mais explícita à REPAM. Como novo presidente da REPAM, o que o senhor espera deste momento e quais são os desafios para a rede no futuro?
A REPAM deve continuar sua missão de acompanhar de perto as populações indígenas da Amazônia. Em segundo lugar, estou muito convencido de que a REPAM irá muito mais fundo em seu espaço articulador, neste processo evangelizador da Igreja. Em terceiro lugar, oferecer estas pontes de comunicação com a CEAMA. Eu diria que esta comunicação com a CEAMA é a identidade da REPAM.
A REPAM por si só tem sido simplesmente esta caminhada conjunta a partir do território, e definitivamente temos que procurar o melhor caminho para que a Igreja seja uma aliada dos povos originários, para que possamos responder a esse desejo profundo que foi expresso na sala sinodal, uma Igreja que é uma companheira de caminhada, uma Igreja que reúne todo o melhor dos povos originários, e isso definitivamente nos ajuda a viver uma experiência, eu diria eclesial, e que pode dar muitos frutos para poder dignificar a pessoa humana, para dignificar também a cultura e todo o processo de reconhecimento de nossa terra e do bioma amazônico, não como um recurso natural a ser explorado pela ganância do sistema econômico dominante, mas que tem que tê-lo como um lar para cada um de nós.
O Cardeal Hummes disse nos últimos dias que estamos diante de um processo de mudança que pode durar gerações. De fato, o Papa Francisco, em um encontro que teve com seus companheiros jesuítas em sua viagem ao Chile em 2018, disse que o Concílio Vaticano II levaria cem anos para ser assumido pela Igreja. A sinodalidade, uma Igreja inculturada, que tenta responder à realidade local, são elementos do Concílio Vaticano II. Mas, ao mesmo tempo, vemos que isto provoca certa resistência. Como podemos ajudar a tornar realidade essa sinodalidade, essa inculturação, essa interculturalidade, especialmente na Amazônia?
Há experiências na Igreja que podemos dizer serem um kairos, uma experiência de Deus presente na história, na Igreja, no serviço à humanidade, como é o caso do Concílio Vaticano II. Também a serviço da Igreja latino-americana, que é o Documento de Aparecida, em 2007. Estou convencido de que, assim como o Concílio Vaticano II foi um processo de renovação, de uma Igreja renovadora, serva da humanidade, fiel ao mandato de Cristo, também o Documento Aparecida da V Conferência Episcopal Latino-Americana é a resposta de Deus a essa mesma necessidade sentida de uma Igreja que quer se renovar a partir do coração do Evangelho. Podemos dizer que cada processo é um avanço qualitativo na evangelização.
Aqui temos uma experiência que também não tem precedentes, pois Francisco é o primeiro Papa na história da Igreja a vir do continente latino-americano. Neste sentido, ouvi também, há alguns anos, que o Documento de Aparecida, como o do Concílio Vaticano II, tem que passar décadas para ser assimilado e posto em prática na Igreja latino-americana e, logicamente, em uma contribuição à Igreja universal. Ninguém imaginava há dez anos, em seu perfeito juízo, que teríamos um papa latino-americano, ninguém imaginava que esse papa, o 266º sucessor do apóstolo Pedro, fosse responsável pela coordenação da comissão de redação do Documento Final da V Conferência Episcopal do CELAM.
Neste sentido, poderíamos dizer que quando falamos de processos, estamos falando de experiências muito profundas do kairos que a Igreja está passando em sua renovação, apesar do fato de que também surgem dificuldades e obstáculos para impedir, embora seja incontrolável, que este processo avance como Deus deseja. Não temos que ter medo, temos que buscar estes novos caminhos para a Igreja, e foi isto que o Papa colocou no tema do Sínodo para a Amazônia. Esta contribuição eclesial deste processo sinodal, que continua com força e que, graças a Deus, mantém viva a esperança para todos nós, é muito importante.
O senhor é cardeal, que são considerados os homems de confiança do Papa. O que o encoraja a continuar apoiando as reformas do Papa Francisco, especialmente na Igreja da Amazônia?
O que mais me entusiasma é esta proposta de caminharmos juntos, que chamamos de sinodalidade. O Papa Francisco já disse que a reforma da Igreja, à luz do Vaticano II, à luz da Evangelii Gaudium, à luz destas duas encíclicas fundamentais do Magistério Social de Francisco, que é Laudato Si e Fratelli Tutti, recentemente divulgada, são, sem dúvida, experiências vitais para mim. De alguma forma, como sou filho do Concílio Vaticano II, fico entusiasmado ao lê-lo, mas muito mais entusiasmado ao experimentá-lo, nesta fragilidade, mas ao mesmo tempo força do Espírito de Deus, que nos encoraja a renovar nosso rosto e a enriquecê-lo com novos rostos, neste caso amazônicos, para a Igreja.
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“A REPAM deve acompanhar as populações da Amazônia, ouvir seus gritos e o clamor da terra”. Entrevista com o Cardeal Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU