08 Outubro 2020
Em alguns casos, aparentemente muito pouco comuns, a doença volta com mais força. Ainda não se sabe por quê. E mais: cresce a necessidade de debater o papel das OSs na Saúde; o Brasil importa (sem críticas) o remédio mais caro do mundo.
A reportagem é de Maíra Mathias e Raquel Torres, publicada por Outra Saúde, 07-10-2020.
Quando a primeira reinfecção pelo novo coronavírus foi confirmada, os cientistas mostraram o lado positivo da coisa: pelo menos o paciente ficou assintomático em sua segunda contaminação, indicando que a imunidade adquirida havia sido suficiente para protegê-lo até certo ponto. Os novos casos que começaram a ser identificados depois eram semelhantes. Mas então começou a haver registros de pacientes com sintomas piores na segunda infecção. Eles ainda são incomuns: casos pontuais nos Estados Unidos, Holanda, Equador e Índia. Uma reportagem do Guardian explica que, agora, isso ainda intriga cientistas e não há como tirar grandes conclusões.
A ocorrência de sintomas piores pode se dar por diferentes razões: a pessoa pode ter sido exposta a mais vírus da segunda vez, ou pode já estar com alguma doença no momento dessa contaminação. Também há o risco de ter a chamada potencialização dependente de anticorpos, uma falha no sistema imunológico em que os anticorpos passam a ajudar um vírus invasor, em vez de combatê-lo (como acontece com a dengue). Pode ser ainda que, em alguns pacientes, o coronavírus prejudique as células T.
Também não se sabe ao certo quantas reinfecções realmente já aconteceram. Há, registradas, pouco mais de 20. Mas pesquisadores ouvidos na matéria dizem, assim como já alertamos aqui na newsletter, que elas podem não ser tão raras quanto parecem. Isso porque não é simples confirmá-las – já que, além do teste para covid-19, ainda é preciso fazer o sequenciamento genético do vírus de cada momento. Isso quase nunca é feito, e muitos casos podem passar desapercebidos.
A Índia aprovou um novo teste rápido de antígenos com a promessa de preços mais baixos e maior precisão. Sabemos que os testes de antígenos, diferentemente dos sorológicos, identificam fragmentos virais. Permitem, portanto, detectar infecções no início dos sintomas. Mas eles ainda dão muitos falsos negativos, principalmente nos casos leves. A principal vantagem do novo teste indiano talvez seja esta, porque, segundo os pesquisadores que o desenvolveram, o produto mostrou ter sensibilidade e especificidade acima de 95%.
Que a estratégia sueca para lidar com o coronavírus foi criticada no mundo todo, já sabemos. Mas uma reportagem da Science Magazine traz detalhes sobre o debate na comunidade científica e médica dentro do próprio país – mais especificamente, sobre o Science Forum Covid-19, formado por cerca de 200 pesquisadores que vão contra as medidas das autoridades. E suas críticas não são nada bem-recebidas. “Tem sido tão surreal”, diz Eele Brusselaers, epidemiologista do Instituto Karolinska, afirmando que é estranho enfrentar tantas reações “embora estejamos dizendo exatamente o que os pesquisadores internacionais estão dizendo. É como se fosse um universo diferente”.
Vários cientistas ouvidos na matéria dizem que foram recebidos com “palavras duras” quando esse debate começou. Algumas vezes, mais do que palavras: Brusselaers foi advertida por seu chefe de departamento por ser uma “encrenqueira” e “um perigo para a sociedade”. A pneumologista Dorota Szlosowska não teve seu contrato renovado com um hospital onde atuava, e um dos motivos alegados foi o fato de ela usar máscaras. Agnieszka Howoruszko, oftalmologista, também foi repreendida por começar a usar máscaras em março. “Eu disse [ao chefe]: ‘Desculpe, se não posso usar, não posso trabalhar. Muitos dos meus pacientes são idosos e estão em grupos de alto risco. O gerente cedeu e permitiu que os médicos da clínica usassem máscaras. Somos a única clínica oftalmológica da nossa província a fazer isso”, conta ela.
Seja como for, a abordagem sueca tem mudado. Já dissemos aqui que nunca foi um “libera geral”: havia e ainda há restrições a aglomerações, existe muito trabalho remoto, as escolas secundárias foram fechadas. Mas outros meios de prevenção e controle parecem estar se firmando. Depois de uma mortalidade altíssima nas casas de repouso, foram impostas restrições severas a esses ambientes. A taxa de testes no país aumentou e hoje é semelhante à norueguesa. Além disso, está sendo feito rastreamento de contatos e, finalmente, familiares de pessoas infectadas agora devem permanecer isolados, mesmo sem sintomas.
Em tempo: o site da Nature publicou um longo texto resumindo tudo o que se sabe sobre o uso de máscaras até agora. A relutância das autoridades suecas em recomendarem o uso massivo se devia à falta de evidências, e faz sentido até certo ponto. De fato, não há evidências irrefutáveis quando se trata das máscaras de pano, por exemplo. E é difícil provar a eficácia das máscaras para proteger a população em geral, porque é complicado (eticamente, inclusive) fazer um ensaio com um grupo de controle sem máscaras. A reportagem discute justo quão robustas as evidências precisam ser nesse caso, quando a observação indica claramente o benefício das coberturas faciais.
Um grupo de cientistas está defendendo o que, por aqui, conhecemos como “isolamento vertical”. Ou seja: que governos permitam que pessoas jovens e saudáveis voltem à vida normal, se expondo ao vírus e, eventualmente, adquirindo imunidade de rebanho. A proposta foi elaborada por Sunetra Gupta, da Universidade de Oxford, Jay Bhattacharya, de Stanford, e Martin Kulldorff, de Harvard – e é subscrita por 35 outros pesquisadores. Eles argumentam que a mudança protegeria os mais vulneráveis. Perguntados sobre como isso se daria, por exemplo, em relação à população idosa, os apoiadores da ideia mostram que não conhecem outras realidades, como a brasileira: “Se você tem 75 anos, pode escolher sair o menos possível”, disse David Livermore, da Universidade de East Anglia e um dos signatários do manifesto. Fica a dúvida sobre como se resolve isso em domicílios compartilhados por várias pessoas, de diferentes idades. No Twitter, o epidemiologista Gregg Gonsalves, da Universidade de Yale, resumiu as críticas ao plano em duas palavras: “É grotesco”.
Detalhe: o manifesto foi traduzido para quatro línguas, entre elas… o português. Por que será?
O painel da OMS criado para avaliar a resposta mundial à pandemia apresentou ontem seus resultados preliminares. Por ora, as conclusões confirmam mais ou menos o que o acompanhamento do noticiário já mostrava. A principal delas é que, mesmo depois de a organização declarar emergência global de saúde pública, a resposta dos países foi inconsistente e demorada. Além disso, o registro e a comunicação dos dados precisa ser melhorado em termos de velocidade, consistência e integridade. E outro ponto é que a “politização da resposta à pandemia é um impedimento material para derrotar o vírus”.
Segundo o site Health Policy Watch, a novidade mesmo foi o fato de que pode haver sinais de trégua nessa politização. Pelo segundo dia consecutivo, os Estados Unidos sinalizaram uma possível permanência na OMS, apesar de já ter sido feito um anúncio formal de sua retirada. O vice-secretário de Saúde dos EUA, Brett Giroir, agradeceu ao painel pelas contribuições e pediu que os membros do conselho executivo do organismo sejam informados dos novos resultados em novembro e no início de 2021, para que possam se “envolver em discussões substantivas sobre a melhor forma de abordar os desafios e problemas identificados”.
Por outro lado, a União Europeia foi bastante clara ao expressar apoio diplomático a Washington em sua exigência por maior transparência dos Estados membros quanto a informar sobre ameaças de infecção emergentes – uma mensagem que, nesse contexto, tem a China como destinatário inequívoco. Em nome do bloco, o representante da Alemanha disse que seria bom “fortalecer a prerrogativa da OMS em termos de acesso à informação”, e pediu ao painel que “não tenha medo de dizer verdades desagradáveis”.
Depois que os planos de Donald Trump foram expostos pela mídia, a FDA finalmente recebeu autorização do governo para publicar as diretrizes para que farmacêuticas deem entrada nos pedidos de uso emergencial das vacinas. E ficaram de pé as regras que contrariam a Casa Branca, com exigências que tornam praticamente impossível o anúncio de qualquer imunizante antes das eleições de 3 de novembro.
Se valendo de uma brecha legal, o diretor-presidente da Anvisa reconduziu três servidores ao colegiado que comanda a agência. Ao invés de irem para as mesmas diretorias que ocupavam antes, os servidores foram designados para posições diferentes. O embaralhamento promovido pelo almirante Antonio Barra Torres é o que permitiu a recondução, mas não deixa de ser bizarro: era de se esperar que cada área estratégica da Anvisa demandasse coordenação de pessoas com expertises compatíveis aos assuntos tratados. Mas o fato é que a manobra evitou uma vergonha ainda maior, já que a tomada de decisões na agência estava paralisada desde domingo, quando os mandatos-tampão expiraram.
Com isso, deve acontecer hoje a reunião que vai discutir a inclusão de alertas para altos teores de gordura, sódio e açúcar nos rótulos de alimentos. Na pauta, outro assunto importantíssimo e coalhado de lobby empresarial: o uso de estoques de paraquate, agrotóxico que foi proibido.
Pedidos de compra do remédio mais caro do mundo receberam, em pouco tempo, duas decisões favoráveis da Justiça. Ontem, o ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, determinou que o Ministério da Saúde deposite R$ 6,6 milhões para complementar a compra do Zolgensma, que será usado no tratamento de Kyara Lins, de um ano e dois meses, diagnosticada com Atrofia Muscular Espinhal (AME).
Em 17 de agosto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou uma decisão de março e obrigou a pasta a depositar R$ 10 milhões na conta da família de Marina Ciminelli, então com um ano e nove meses. A decisão aconteceu no mesmo dia em que a Anvisa aprovou por aqui o registro do medicamento produzido pela Novartis, que tem preço de mercado de US$ 2,5 milhões.
Em ambos os casos, as famílias das bebês fizeram antes campanhas de arrecadação de recursos, e pediram na Justiça que o governo federal complementasse os valores. Mas a tendência é que a judicialização caminhe para obrigar a União a arcar com o valor total do medicamento. Na época, em que a Anvisa aprovou o registro, refletimos sobre as muitas implicações da decisão aqui, destacando que a raiz do problema não está nem em quem corre atrás do medicamento, nem no Ministério – que já está sendo impactado pelas decisões judiciais –, mas na falta de discussão sobre a patente do remédio. O país precisa escolher suas prioridades, já que sistemas de saúde universais têm se mostrado incompatíveis com os monopólios e ditames da indústria farmacêutica em todo mundo.
Desde que começaram a gerir unidades de saúde, as Organizações Sociais (OSs) são objeto de discussão entre especialistas em política e administração pública. Sua participação no SUS já foi rejeitada no fórum que deveria, em tese, ser a bússola para as decisões na área: a Conferência Nacional de Saúde. O principal argumento para sua contratação sempre foi o limite de pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal – algo que poderia ser resolvido pelo Congresso Nacional com uma exceção para a saúde (há vários projetos nesse sentido e uma comissão especial chegou a ser montada para discuti-los). Talvez os escândalos de corrupção façam o que análises científicas e manifestações da sociedade civil não conseguiram: dar um breque no alucinante crescimento das OSs. Os últimos dias foram movimentados nesse sentido.
O Ministério Público de São Paulo denunciou 70 pessoas pela prática dos crimes de organização criminosa, peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação no âmbito da Operação Raio X, ofensiva aberta há uma semana para desmantelar esquema de desvios do dinheiro da saúde via contratos de gestão entre municípios e OSs.
O principal nome do esquema é Cleudson Garcia Motalli que atuava em quatro organizações: a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Birigui e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu, em São Paulo, e duas sediadas em outros estados, que não foram nomeadas nas reportagens , e nas quais ele influi há menos tempo.
O grupo criminoso desviava a maior parte dos recursos públicos que deveriam servir para tocar as unidades de saúde administradas pelas OSs através de acordos firmados com prestadoras de serviços, “ora por meio de superfaturamentos, ora por meio de serviços não executados, sempre mediante emissão de notas frias”, explica o G1. A investigação durou dois anos, e abarca contratos em 27 cidades, localizadas em SP, Paraná, Paraíba e Pará.
Já no Rio, uma comissão da Assembleia Legislativa aprovou um relatório de mais de 600 páginas com análises sobre os gastos do estado durante a pandemia. Foram encontrados 196 contratos emergenciais no valor de R$ 1,7 bilhão, dos quais 99% teriam indícios de irregularidades. O relatório apresenta um PL para dar fim à participação das Organizações Sociais na saúde fluminense. “Esse modelo de gestão precisa ser revisto urgentemente e as OSs têm que ser impedidas de continuar prestando serviço público na saúde. Nossa recomendação é que isso ocorra nos próximos dois anos. Até 2022, o estado do Rio tem que organizar a casa, retirar as OSs e assumir suas responsabilidades”, defendeu o deputado Renan Ferreirinha (PSB), relator da comissão.
O prefeito de Manaus, Arthur Virgilio (PSDB), está acusando o governo do Amazonas de mentir sobre os dados de covid-19. Na semana passada, a prefeitura divulgou que o número de enterros na cidade voltou a subir após quatro meses de queda. Para Virgílio, a capital está vivendo uma “fase de reinfecções” (embora não seja realmente possível afirmar isso) e a Fundação de Vigilância e Saúde do Amazonas produz relatórios incompletos. “Muita causa de morte desconhecida e não citam a covid. Eles fizeram um trabalho pra tudo permanecer menos claro. É desmoralizante para uma instituição que desfrutava de um conceito mentir e inventar números, negando casos”. O Amazonas registrou ontem seis mortes nas 24 horas anteriores.
Parece que o governo caminha para a defesa da flexibilização do teto de gastos em 2021. Segundo o Estadão, o plano é incorporar dispositivos do orçamento de guerra à PEC do Pacto Federativo – que, aliás, está virando um abrigo de jabutis. Isso abriria brechas para o aumento de gastos, principalmente com saúde, já que a pandemia não vai respeitar o calendário e terminar no próximo 31 de dezembro.
O Conselho Nacional de Educação deu ontem sinal verde para que estados possam continuar com o ensino remoto até dezembro de 2021, caso seja essa a opção dos gestores em tempos de pandemia. O texto também recomenda a aprovação automática dos estudantes. A proposta, aprovada por unanimidade no colegiado, precisa ser homologado pelo MEC.
O Brasil tem 458 grandes frigoríficos, dos que podem vender carne para todo o país e para o exterior. Quase metade está em municípios com menos de 50 mil habitantes. E, nas pequenas cidades que abrigam essas empresas, o índice de acidentes de trabalho é quase 70% maior que a média nacional, segundo um levantamento d’O Joio e o Trigo. Foram mais de sete mil ocorrências em 2019 só nos frigoríficos, e elas representam 41% de todos os acidentes de trabalho dessas cidades. Movimentos repetitivos, pressão para produzir muito e ritmo de trabalho acelerado ajudam a explicar porque esse setor gera tantos acidentes.
E o número encontrado pela reportagem está, provavelmente, abaixo do verdadeiro. “Muitas vezes, o trabalhador é encaminhado ao INSS depois de passar pelo médico da empresa, que não reconheceu o nexo epidemiológico [a relação entre a lesão e o trabalho exercido]. O perito acaba por enquadrar o trabalhador no benefício previdenciário [que não tem relação com o trabalho], que não garante depósito de FGTS ou estabilidade de um ano após o retorno ao trabalho”, explica a reportagem. Quem ganha são as empresas.
Aliás, não é à toa que municípios pequenos tenham tantos frigoríficos. Segundo as companhias, a oferta de insumos e a proximidade das fazendas são as principais justificativas para isso. Mas há outras: “Isso se chama análise de risco. Eu vou onde o padre vai pedir a minha bênção e o delegado vai perguntar se pode abrir um inquérito. Essas empresas se aproveitam de redução de impostos, empréstimos públicos e doação de terrenos para expropriar as cidades pequenas, onde quem manda mesmo é o dono do negócio”, afirma Paulo Rogério de Oliveira, especialista em saúde ocupacional.
Pesquisadores encontraram nanopartículas de poluição do ar associadas a danos causados por doenças degenerativas no tronco cerebral de crianças e jovens que morreram repentinamente. O novo estudo mostra o possível mecanismo físico que poderia provar como uma maior exposição à poluição atmosférica aumenta a incidência dessas enfermidades.
Publicada na Environmental Research, a pesquisa examinou 186 cadáveres com idades que variavam entre 11 meses e 27 anos, na Cidade do México. Os cientistas encontraram grande quantidade de partículas ricas em metal em seu tronco cerebral, com formato e composição química semelhantes às produzidas pela poluição no trânsito. Essas nanopartículas já foram associadas em outros estudos a proteínas anormais que são marcas registradas de doenças como Alzheimer e Parkinson. Em comparação, os pesquisadores viram que pessoas da mesma idade que moram em áreas menos poluídas não tinham acumulado as tais proteínas.
“Se a descoberta inovadora for confirmada por pesquisas futuras, ela teria implicações mundiais porque 90% da população global vive com ar inseguro”, comenta o editor de meio ambiente do Guardian, Damian Carrington. Os especialistas foram cautelosos e disseram que, embora as nanopartículas sejam uma causa provável dos danos, ainda não se sabe se isso leva a doenças mais tarde na vida. Também reconhecem que haverá fatores genéticos na equação, e provavelmente outros fatores ambientais também. De qualquer forma, o trabalho fornece hipóteses que podem ser testadas.
“Não podemos provar a causalidade agora, mas como você poderia esperar que essas nanopartículas contendo essas espécies de metal ficassem inertes e inofensivas dentro de células críticas do cérebro? É como uma arma fumegante, parece que essas nanopartículas estão disparando as balas que estão causando os danos neurodegenerativos observados”, disse ao jornal Barbara Maher, uma das pesquisadoras do estudo feito por universidades britânicas e americanas.
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Covid: as reinfecções intrigam a Ciência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU