25 Setembro 2020
"Pompeo pede à Igreja (ou, talvez, comande) que reaja contra os regimes totalitários com a força moral que inspirou tanto “aqueles que libertaram a Europa Central e Oriental do comunismo” como “aqueles que desafiaram os regimes autocráticos e autoritários da América Latina e do Leste Asiático” - em nome dos milhares de vítimas, como bem lembra o ex-padre Bergoglio, de líderes golpistas e esquadrões da morte apoiados pelas agências dos EUA", escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, publicada por Domani, 23-09-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1969, o presidente dos Estados Unidos Richard Nixon visitou o Papa Paulo VI, pediu e obteve permissão para pousar com um helicóptero na Praça São Pedro: um gesto barulhento para reivindicar algo para si diante de um papa que havia renunciado a assumir o movimento pela paz. Mike Pompeo, o secretário de Estado de Donald Trump, não quis ficar para trás.
Ele precedeu com um gesto ainda mais estrondoso a visita que fará ao Vaticano em 29 de setembro: ele assinou um artigo em First Things, a revista fundada em 1990 por Richard John Neuhaus para enfrentar e desafiar a cultura secular em nome da lealdade à tradição ocidental e aos valores pró-vida.
É um artigo sem precedentes. Porque ataca frontalmente a Igreja Católica, culpada de continuar o diálogo diplomático com a República Popular da China para reconciliar os bispos e as comunidades.
Pompeo em vez de ver nesses movimentos uma semente de paz, não diferente daquela que marcou a Ostpolitik do cardeal Agostino Casaroli, acusa a Santa Sé de ter fornecido cobertura para uma política repressiva que vai desde a esterilização forçada das mulheres muçulmanas, do abuso dos padres católicos à destruição das igrejas protestantes "para subordinar Deus ao Partido, e ao mesmo tempo promover Xi ao grau de divindade ultramundana”.
Segundo o chefe do Departamento de Estado, o papado não pode e não deve renovar o acordo "temporário" (provisional) assinado há dois anos entre a Santa Sé e a China. Pelo contrário, ele pede para denunciá-lo e alinhar-se com a administração Trump que - desde a interministerial sobre a liberdade religiosa de julho de 2019 até a recente conferência sobre o avanço daqueles direitos através da educação promovida pelo Departamento de Estado e pelo Embaixador Sam Brownback - usou a bandeira dos direitos religiosos como ferramenta de propaganda, útil para hegemonizar com injeções de valores fundamentalistas um confronto que quer evocar, supersticiosamente, a Guerra Fria.
Pompeo pede à Igreja (ou, talvez, comande) que reaja contra os regimes totalitários com a força moral que inspirou tanto “aqueles que libertaram a Europa Central e Oriental do comunismo” como “aqueles que desafiaram os regimes autocráticos e autoritários da América Latina e do Leste Asiático” - em nome das milhares de vítimas, como bem lembra o ex-padre Bergoglio, de líderes golpistas e esquadrões da morte apoiados pelas agências dos EUA. O chefe da diplomacia de Trump conclui lembrando à Sé Apostólica (que o conhece por si mesma) do magistério conciliar e pontifício sobre a liberdade religiosa como o primeiro dos direitos civis e pede com arrogância sem nenhum respeito ritual que essa verdade seja "continuamente censurada" aos chineses em nome da verdade: porque (citando João 8,32) conclui que "A verdade vos libertará".
Um j'accuse inédito, que deixa claro que Pompeo não espera nada do papa e que, portanto, tanto faz causar uma "bagunça" (como diria Bergoglio) e deixar que o papa responda usando a mesma carranca com que estragou as fotos da visita de Donald Trump ao Vaticano em maio de 2017: porque o objetivo de Pompeo é outro e está escondido justamente na última citação: "A verdade vos libertará".
Aquele ditado do Evangelho de João é muito comum no discurso católico: tanto que é o escudo episcopal do cardeal Camillo Ruini. Mas é também a palavra de abertura e o título (veritas liberabit vos) do manifesto lançado em maio pelo Monsenhor Carlo Maria Viganò e também assinado pelos cardeais Joseph Zen de Hong Kong, Janis Pujats de Riga e Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da doutrina da fé. Um texto que, com uma evocação nada casual a estereótipos integralistas, afirma que a pandemia foi provocada para se chegar à "realização de um governo mundial fora de todo controle", verdadeira obsessão de todo antissemitismo do século XX e dos signatários que com aquele veneno flertam. Uma alusão que sob a caneta de outro poderia até ser casual, mas que sob aquela atentíssima de Pompeo, diz que aquela mensagem e a audiência do dia 29 não querem falar nem com o secretário do Partido Comunista Chinês Xi Jinping, nem com Francisco e nem com o secretário de Estado, Pietro Parolin, mas com o eleitorado católico EUA.
Após o naufrágio do ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon, inimigo do papa e defensor do valor midiático dos rosários acenados pelo secretário da Lega, Matteo Salvini, o governo busca ferramentas para firmar o catolicismo conservador e a direita evangélica: um antiabortista na suprema corte, uma piscadela para o fundamentalismo bíblico e agora a defesa instrumental dos direitos da fé em nome de um anticomunismo e de uma indulgência para as direitas.
O objetivo é dar um valor eleitoral àquele antibergoglismo que existe na igreja estadunidense e que Trump deve interceptar no momento em que é desafiado por um católico liberal como Joe Biden, um dos poucos frontrunner católicos na história das eleições presidenciais nos Estados Unidos. E tão perto da votação, para alinhar-se com aqueles bispos que propõem negar a comunhão ao candidato democrático porque é contrário a uma legislação antiabortista, a diplomacia estadunidense ainda pode colocar na mira aquela do Vaticano: chi mangia papa, crepa, (algo como “não se meta com o papa”), dizia um antigo ditado romano; vamos ver se isso também se aplica a quem tenta morder seus colaboradores.
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Trump ataca o papa para atingir seu adversário católico Biden - Instituto Humanitas Unisinos - IHU