02 Julho 2020
Mais de cinco mil indígenas da etnia Yanomami podem ser infectados pela covid-19 em aldeias próximas a zonas de garimpo na Amazônia, caso nenhuma medida seja tomada para conter o avanço da doença na região. Isso representa 40% da população que vive nessas áreas. É o que revela estudo realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), que contou com a participação de pesquisadores da UFMG e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Até esta semana, foram registrados 174 casos de covid-19 entre os povos Yanomami e cinco mortes.
A reportagem de Alessandra Ribeiro, publicada no sítio da UFMG, 01-07-2020.
A situação se agrava nas aldeias, uma vez que começam a ser notificados casos de contaminação no âmbito das terras indígenas, rompendo com registros anteriores de casos de infecção pelo novo coronavírus, que tinham ocorrido apenas na Casa da Saúde Indígena em Boa Vista. As regiões próximas a garimpos são as mais afetadas.
Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, nesta terça-feira, dia 30, o professor Rogério do Pateo, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, explicou os riscos gerados pelas atividades garimpeiras à saúde dos povos indígenas: “Os garimpos são vetores de vários tipos de doenças, mesmo antes da covid-19, como a malária. A presença dos garimpos em terras indígenas também gera vários outros tipos de violência, como assédio sexual e estupro, aliciamento de jovens e problemas ambientais. Em decorrência disso, surgem complicações sanitárias e nutricionais para a saúde dos indígenas", enumera o antropólogo.
Com a pandemia da covid-19 no Brasil, a situação sanitária nas aldeias Yanomami, que já era precária, tornou-se ainda mais preocupante, segundo o antropólogo. “A terra Yanomami é extensa e coberta por uma floresta densa, com poucos acessos terrestres, o que dificulta o atendimento às pessoas que vivem nesses territórios”, explica o professor. “Além da vulnerabilidade biológica dos Yanomami em relação às doenças 'de fora', a estrutura de funcionamento da sociedade deles implica grande circulação entre as aldeias, para troca de conhecimentos e objetos, o que aumenta a chance de disseminação do vírus. Muitos vivem em casas coletivas, onde há constante comunhão de utensílios e alimentos, dificultando o isolamento. Por fim, ainda devemos ressaltar que a maioria dos indígenas não fala português e não consegue compreender bem os termos científicos e as formas como se dá a propagação da doença”, lamenta Rogério do Pateo.
Para o professor e antropólogo da UFMG, as atitudes do governo federal frente às invasões de terras indígenas têm corroborado os abusos sofridos pelo povo Yanomami. “Esses garimpos são fruto de invasões ilegais, por isso não há nenhum controle do Estado sobre as pessoas que entram no território. Enquanto o governo tenta legalizar a exploração mineral nessas áreas, por baixo dos panos existe um desmonte total da estrutura de controle e fiscalização, levando os invasores de terras indígenas a se sentirem protegidos", afirma.
Um artigo publicado pela jornalista Eliane Brum, na semana passada, no jornal El País Brasil, denuncia a dor de mulheres Yanomami que tiveram suas crianças enterradas em um cemitério local e não conseguem localizá-las. Se isso já é uma tragédia do nosso ponto de vista, enterrar um corpo é uma grande violação cultural para os Yanomami, que fazem a cremação, seguida de uma série de rituais de despedida que envolvem toda a comunidade.
“Essa questão é absolutamente revoltante, é difícil mensurar o tamanho da violência que isso representa para os povos Yanomami, com base em sua compreensão da morte e dos rituais que ela envolve. Para eles, ter um parente enterrado é uma das maiores ofensas que se pode sofrer”, explica o professor Rogério do Pateo. "Esse fato escancara o preconceito que muitos profissionais têm sobre os povos indígenas. Não os enxergam como pessoas detentoras de direitos, cidadãos brasileiros como todos nós”, ressalta o professor da Fafich.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Para antropólogo da UFMG, negligência com indígenas na pandemia é política genocida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU