18 Junho 2020
"O paradoxo informa e permeia o pensamento de Cioran. É desarmante a leitura que ele oferece do suicídio, entendido não como uma expressão extrema de desespero, mas, ao contrário, uma ferramenta que permite a vida. Isso é possível na medida em que a existência é percebida como uma restrição dilacerante que não pode ser evitada", escreve Gabriele Nicolò em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 17-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O filósofo e ensaísta romeno Emil Cioran (de quem recorre em 25 de junho o 25º aniversário de sua morte), lamentava não ter tido a oportunidade de aprofundar o conhecimento sobre Giacomo Leopardi, mas ao mesmo tempo, ele adorava repetir que reconhecia no poeta de Recanati "um irmão por escolha". As afinidades mútuas eletivas se refletiam em um pessimismo cósmico, fruto amargo da decadência da cultura ocidental e de seus valores de base. Mas enquanto em Leopardi ainda havia um sopro de progressismo, uma ânsia de vontade, como expressão do indômito desejo de conseguir apreender uma luz mesmo em um contexto de trevas, em Cioran a aflição parece não conhecer o desejo de redenção: nele o niilismo é radical, embora às vezes suavizado por uma ironia tonificante, embora cáustica. Próximo do pensamento existencialista, ele gradualmente se destacou dele, não concordando com o empenho político ativo promovido pelos maiores expoentes do movimento, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus. Em vez disso, ele abraçou, com ímpeto cada vez maior, a filosofia do absurdo defendida por seu amigo e compatriota Eugène Ionesco, que bane qualquer tentativa lógica de explicar a realidade, optando por uma dimensão surreal onde predominam o nonsense e o irracional.
Sobre o pessimismo de Cioran exerceram uma influência significativa Nietzsche, Schopenhauer e Heidegger, cujos ditames, no entanto, ele reelaborou em função de uma orgulhosa definição da própria identidade peculiar como homem de pensamento fechado em seu eu, que "ouve a todos, mas depois decide sozinho". Um eu que já quando jovem professava ser agnóstico, a ponto de forjar o axioma "a inconveniência da existência". Em 1973, esse axioma assume a forma de um ensaio intitulado O inconveniente de ter nascido, no qual colocar em foco a visão trágica da existência. Em uma passagem muito eloquente da obra, ele afirma: “Tudo é dor. Não me perdoo por ter nascido. É como se, insinuando-me neste mundo, tivesse profanado um mistério, traído algum compromisso solene, cometido uma falta de inaudita gravidade”.
Quando esse pensamento parece inexoravelmente mergulhar em um vazio irremediável, Cioran lhe imprime uma espécie de virada, porque, ao lado do sofrimento que se liga ao "ter que existir", ele coloca o prazer, por si só paradoxal, das experiências conturbadas que a vida adora. O filósofo escreve: “Contudo, às vezes sou menos peremptório. Nascer então não me parece uma calamidade que seria inconsolável não ter conhecido”. E, enquanto assim valoriza, em certo sentido, as tribulações da vida, ele também sente o fascínio do nada, do abismo originário. “Não há diferença - declara - entre ser e não-ser, quando são percebidos com igual intensidade. Houve um tempo em que o tempo ainda não era. O refúgio do nascimento nada mais é que a nostalgia daquele tempo anterior ao tempo”.
O paradoxo informa e permeia o pensamento de Cioran. É desarmante a leitura que ele oferece do suicídio, entendido não como uma expressão extrema de desespero, mas, ao contrário, uma ferramenta que permite a vida. Isso é possível na medida em que a existência é percebida como uma restrição dilacerante que não pode ser evitada. Nessa perspectiva, o suicídio representa o caráter pleno e completo da liberdade exercitada pelo homem que, na impotência vital, no entanto, tem a cada momento a onipotência da cessação do todo. Em última análise, o homem pode suportar o fardo da vida apenas na medida em que ele sabe que pode se dar a morte.
Em O funesto demiurgo (1969), ele escreve: “Lembro-me de uma ocasião em que, durante três horas, caminhei no Luxemburgo com um engenheiro que queria cometer suicídio. No final, eu o convenci a desistir. Eu disse a ele que o importante era ter concebido a ideia, saber-se livre. Acredito que a ideia de suicídio seja a única coisa que torna a vida suportável, mas é preciso saber desfrutá-la, não se apressar em tirar as consequências”.
Há uma passagem no O funesto demiurgo que poderia ser usada como um manifesto de seu pensamento. "Não há nada - escreve Cioran - que justifique o fato de viver. Depois de ter-se esticados aos limites de si mesmo, ainda podem ser invocados argumentos, causas, efeitos, considerações morais? Certamente não. Para viver, então, restam razões desprovidas de fundamento. No auge do desespero, somente a paixão do absurdo pode iluminar o caos com uma luz demoníaca”. E acrescenta: "Quando todos os ideais atuais - de ordem moral, religiosa e social - não sabem mais como orientar a vida ou encontrar algum objetivo nela, como salvá-la do nada? Só seria possível agarrando-se ao absurdo, à inutilidade absoluta, isto é, a algo que não tem consistência, mas cuja ficção pode criar uma ilusão de vida".
O pessimismo, característica de excelência da narrativa de Cioran, não poderia deixar de caracterizar até mesmo seus aforismos mais conhecidos: eles também podiam ser lidos como expressão paradigmática de seu pensamento. "O sofrimento - ele escreve - é a única maneira de adquirir a sensação de existir". Depois, para aumentar a dose: “Certa vez, diante de um homem morto, me perguntei: ‘A que lhe serviu nascer?’. Agora eu me repito a mesma pergunta diante de toda pessoa viva”.
No entanto, nesse implacável niilismo, que parece fechar qualquer vislumbre de luz, é possível perceber uma centelha, como se fosse um instinto natural de sobrevivência. "Existir – sentencia Cioran - é uma tentação que não me desespero em fazer minha".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O paradoxo do ateu-crente. Vinte e cinco anos da morte do filósofo romeno Emil Cioran - Instituto Humanitas Unisinos - IHU