08 Junho 2020
"A questão é que essa infeliz primavera europeia basicamente colocou em crise a onipotência do homem, sua suposta invulnerabilidade e, com ela, o orgulho de ser uma defesa biológica do planeta. A verdade amarga de estarmos em risco, equilibristas sem rede, cuja sobrevivência não é garantida, nos foi revelada. É uma dura lição. Em vez de aprender, estamos brincando de "diga-me quem é o culpado", para sabermos quem cometeu o erro, quem descarrilou, quem nos colocou em perigo. Em outras palavras, saberemos quem são os bandidos e, com isso, os mocinhos encerrarão o assunto. Tudo como antes".
A opinião é de Stefano Massini, escritor e dramaturgo italiano consultor do Pequeno Teatro de Milão, em artigo publicado por Robinson, 06-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Kafka escreveu que uma das poucas certezas com as quais podemos contar é nos sentirmos sempre culpados. Nesse ponto, ele e Freud poderiam discutir por horas, e quem sabe quantas gargalhadas dariam do espetáculo de coronavírus. Folheando os jornais, parece que o mundo está dividido em dois grandes lados, um segundo o qual "o vírus é culpa dos homens, de sua violação contra a natureza", que está oposto ao de "o vírus é culpa dos chineses e de um erro biológico".
Nos dois casos (poderíamos chamá-los de Doutrina Ecológica e Doutrina da Conspiração), evita-se a hipótese mais lógica, a saber: o vírus é um dos milhões de parasitas invisíveis que se formam neste planeta há milhares e milhares de anos, sem que nenhuma culpa recaia sobre os filhos de Adão. Mas nada disso! É forte demais a mania de se sentir os donos da casa, arrogando-se o papel de primeiro motor imóvel de todo acidente terrestre. Depois, é claro, é bem sabido que raciocinar em termos de culpa é a maneira mais rápida (e consoladora) de dar sentido ao desconhecido, dando-nos a ilusão de poder gerenciá-lo.
A questão é que essa infeliz primavera europeia basicamente colocou em crise a onipotência do homem, sua suposta invulnerabilidade e, com ela, o orgulho de ser uma defesa biológica do planeta. A verdade amarga de estarmos em risco, equilibristas sem rede, cuja sobrevivência não é garantida, nos foi revelada. É uma dura lição. Em vez de aprender, estamos brincando de "diga-me quem é o culpado", para sabermos quem cometeu o erro, quem descarrilou, quem nos colocou em perigo. Em outras palavras, saberemos quem são os bandidos e, com isso, os mocinhos encerrarão o assunto. Tudo como antes.
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E então o homem distribuiu a culpa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU