04 Junho 2020
Marta García Aller. Madri, 1980, jornalista apaixonada pelo futuro, autora de Lo imprevisible (Planeta), ressalta que “é muito difícil para uma máquina detectar a ironia, porque o humor é a essência do imprevisível”.
A entrevista é de Leticia Blanco, publicada por El Mundo, 29-05-2020. A tradução é do Cepat.
Escreveu um livro sobre o imprevisível para demonstrar que, apesar da miragem tecnológica, as coisas escapam do nosso controle. Mas o vírus já se encarregou de lhe dar razão, correto?
Chegaram a me dizer, há meses, que o seu lançamento seria adiado devido a uma pandemia global e não acreditei nisso. Com o livro do imprevisível, aconteceu o imprevisível, o que não deixa de completá-lo.
Os algoritmos mudariam nossas vidas, mas ao final lutamos contra o vírus lutamos com uma medida dos tempos de Bocaccio, o confinamento em massa.
Sim, mas existem muitas tecnologias e aplicativos que podem nos ajudar a fazer um confinamento muito mais seletivo, se houver um novo crescimento. E existem muitos algoritmos trabalhando para encontrar uma vacina, acelerando os tempos de pesquisa.
O mundo parece estar de pernas para o ar, mas no livro Mary Beard a lembra que, no fundo, ninguém na história da humanidade pensou: ‘bem, que época mais calma me coube viver’.
É verdade que o futuro nunca foi tão imprevisível como agora, que temos que olhar para o BOE [Boletim Oficial do Estado da Espanha] para saber até quando podemos sair à rua. Mas a incerteza já estava aqui antes da chegada do vírus. No Ocidente, já havia o medo de que as novas gerações vivessem pior. Já se havia começado a perder no futuro.
O que podemos aprender com o passado, de acordo com Beard?
Que a história nem sempre evolui devido a grandes feitos ou descobertas, às vezes também evolui porque nós, seres humanos, somos estúpidos e não tomamos as melhores decisões para nossos próprios interesses. Isso explica por que os robôs não podem prever nosso comportamento.
A história recente também teve muito de incerteza.
Sim, acredito que não devemos subestimar o grau de incerteza política que a geração da Transição viveu. Não sabia nem qual seria seu regime político, ou a que viu o Muro de Berlim cair e o colapso da União Soviética.
O fundador da Tesla confessou que não entraria em um carro autônomo porque sabia muito sobre eles. Até onde deveríamos ser tecnoentusiastas?
Por que Steve Jobs não queria que seus filhos tivessem um iPad? Porque conhecia os limites dessa tecnologia e os efeitos que pode ter como arma de distração em massa. Não se deve ter medo da tecnologia, mas conhecer seus limites. Com os algoritmos, acontece o mesmo, as empresas os vendem para nós como se tivessem um poder maior do que realmente têm.
Alexa e Siri sabem contar piadas, mas não as entendem. O humor é o último bastião humano?
Já existe tecnologia capaz de compor sinfonias, pintar quadros como os de Rembrandt e até escrever poemas, embora ruins. Inclusive, há robôs escrevendo notícias de resultados econômicos. Mas o humor é o oposto da rotina e também é profundamente social. É muito difícil para uma máquina detectar a ironia, porque o humor é a essência do imprevisível. Se as máquinas com as quais conversamos, como Siri e Alexa, conseguissem isso, seriam muito mais sedutoras e convincentes. E fariam muito melhor seu trabalho, que é nos vender coisas.
Essa crise trará mais automação?
Sem dúvida. Mas o fato de os robôs não adoecerem é uma excelente notícia, se estão salvando vidas. O que sabemos é que as pessoas são tremendamente superiores em atender outras pessoas. O problema é se isso gera desemprego. Ninguém deve ser deixado para trás.
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“Não se deve ter medo da tecnologia, mas conhecer seus limites”. Entrevista com Marta García Aller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU