27 Mai 2020
"Os últimos a quem o papa Francisco dá tanta atenção não se aproximaram de Jesus porque ele era poderoso; muito pelo contrário, eles o seguiram precisamente porque o perceberam como um deles, último por sua vez e destinado a um fim que nada prometia em termos de sucesso histórico", escreve Gianni Vattimo, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 26-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Galli della Loggia retoma no Corriere de 19 de maio o discurso sobre fé, a Igreja e a política ao qual eu tinha me contraposto neste jornal na quinta-feira 14. Como bom historiador, ele tem motivos para vender ao recordar quanto, na afirmação do cristianismo, tenha contado a habilidade de se tornar amigos do poder temporal e também a força das armas no caso da conversão mais ou menos forçada de inteiros povos e nações. Sem mencionar as missões junto aos pagãos, principalmente acompanhadas pelos conquistadores e depois as lutas contra as heresias, as inquisições, etc. O Galli historiador tem tudo isso diante de seus olhos e acredita que sem a força de se impor politicamente, o Evangelho não teria chance de sobreviver à igreja primitiva. Mas a propósito de Evangelho, qual seria sua força se, para se fazer ouvir pelas pessoas, não pudesse prescindir do poder e de seus mecanismos?
Os últimos a quem o papa Francisco dá tanta atenção não se aproximaram de Jesus porque ele era poderoso; muito pelo contrário, eles o seguiram precisamente porque o perceberam como um deles, último por sua vez e destinado a um fim que nada prometia em termos de sucesso histórico. O constrangimento que se pode sentir ao se professar cristão depende precisamente dos compromissos com o poder e a violência que, ambos, marcaram a história da Igreja. Foi assim, e nós sabemos disso.
Exceto Galli que parece considerar esse fato histórico como um sinal de um destino, a ser aceito com resignação e vê a repetição desse esquema também no presente: a "tolerância" do Papa em relação à violência de certos regimes (China principalmente) - inútil dizer que não o escandaliza a constante amizade da Igreja pelos governos totalitários de direita, mesmo por potências colonialistas ou pelo imperialismo dos EUA.
Enfim, a Igreja teve que aceitar todos esses compromissos com as potências da história para poder encontrar espaço para sua pregação do Evangelho. E o Evangelho ordena que amemos a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Ou seja, exige uma dedicação à "transcendência", diz Galli, sem a qual também a caridade para com o próximo e o amor pelos últimos seria apenas uma pregação ideológica, ou seja, uma maneira de agradar as massas e obter uma escuta simpatética.
A ideia de transcendência permanece um pouco (demais) indefinida. O Evangelho é sim depositum fidei, como diz Galli, mas também a história de um homem chamado Jesus, que se apresenta como a encarnação de Deus, de muitas maneiras muito diverso do "transcender" anônimo da religiosidade de Galli. E Jesus não se deixa imaginar como um homem de compromisso com as potências históricas, ele não pode ser imaginado como tendo vindo para salvar as classes dominantes, os ricos, os poderosos de qualquer tipo. Sua proximidade com os últimos é certamente revolucionária, mesmo que desarmada e guerreira. É verdade: não há razão para que Jesus, ou mais tarde a Igreja, prefira os últimos. Ele não os ama apenas "pelo amor de Deus", como Galli gostaria; ele os ama porque foram eles que escolheram sua palavra ("Senhor, a quem iremos? ...) enquanto outros não o receberam, não compreenderam a sua luz.
Quanto à veia do humanitarismo genérico que permeia o espírito público contemporâneo, e que Galli provavelmente não aprecia, talvez seja importante lembrar que, longe de ser uma traição ao espírito evangélico, ela pode ter um efeito secularizado de sua presença no mundo. Gioacchino da Fiore, não suspeito de ideologismo e esquecimento da transcendência, falava das diferentes épocas da história da Salvação imaginando que uma era do espírito estava prestes a chegar, cujas características poderiam muito bem se aproximar do cristianismo menos rígido e dogmático ao qual o parece pensar o papa Francisco.
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O Papa que quer converter a Igreja dos compromissos com as potências históricas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU