Basta. Chega de mortes! Artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Foto: Andréa Rêgo Barros | PCR

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21 Mai 2020

"Olhando para os países que conseguiram vencer o novo coronavírus existe uma lição comum, que é a união nacional entre o Poder Público e a sociedade civil na adoção de ações duras, mas efetivas para controlar a doença. Esta simples lição não tem sido seguida no Brasil, pois o presidente da República insiste em negar a gravidade da doença e insiste em promover a confusão e a discórdia", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 20-05-2020.

Eis o artigo.

“A lição sabemos de cor, só nos resta aprender”
Beto Guedes

Aumentam as mortes no Brasil em proporção avassaladora. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, o Brasil chegou a 271.628 pessoas infectadas e 17.971 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,6%, no dia 19 de maio.

O número diário de novas pessoas com o coronavírus foi de 17,971 casos, números só comparáveis com o país de Donald Trump e o número diário de vítimas fatais foi de 1.179 óbitos, também só comparável com o maior país das Américas. O país de Bolsonaro conseguiu produzir 724 novos casos por hora ou 12 casos por minuto. E, o mais grave, gerou 48 mortes por hora, ou uma morte por minuto.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de 17 de março até o dia 19 de maio. Nota-se que, a despeito das oscilações dos fins de semana, existe uma clara tendência de aumento. O número de mortes foi aumentando todas as semanas, passando de cerca de 200, para 400, depois 800 e agora aproxima de 1.200 óbitos. Quando esta situação vai parar?

Olhando para os países que conseguiram vencer o novo coronavírus existe uma lição comum, que é a união nacional entre o Poder Público e a sociedade civil na adoção de ações duras, mas efetivas para controlar a doença. Esta simples lição não tem sido seguida no Brasil, pois o presidente da República insiste em negar a gravidade da doença e insiste em promover a confusão e a discórdia.

Sem a participação e a colaboração do ocupante do cargo máximo da República não será possível minimizar os efeitos nocivos da pandemia e evitar o aumento do número de mortes. Mas como diz uma carta assinada por diversos ex-ministros de diferentes governos do passado, o presidente Bolsonaro “perdeu a condição de governar”. É hora de mudar. Chega de mortes!

 

Segue a carta.

 

“O presidente perdeu a condição de governar”

Um grupo de ex-ministros que serviram a diferentes governos passados divulgaram uma carta dizendo que o presidente Bolsonaro “perdeu a condição de governar”. Segue a carta.

“O momento é grave. É hora de dar um basta ao desgoverno. Hoje é preciso falar ao conjunto dos brasileiros, nossa população multiétnica, multirracial, com diversidade cultural e distintas visões políticas, 210 milhões de cidadãs e cidadãos. Hora de falar ao povo, detentor e destinatário dos rumos do país.

Assistimos em 2019 ao desmanche de instituições e estruturas de Estado, em nome de alinhamentos ideológicos e guerras culturais. A partir de fevereiro último, com a chegada da pandemia em nosso território, ao grande desmanche somaram-se ataques à ordem constitucional, à democracia, ao Estado de Direito. Não podem ser banalizados, muito menos naturalizados.

Como alertaram os cientistas, a Covid-19 encontraria no Brasil campo fértil para o seu alastramento: um país-continente com enorme desigualdade social e concentração de renda, sistema de saúde fragilizado por cortes e tetos orçamentários, saneamento básico precário, milhões de brasileiros vivendo em bairros, comunidades e distritos sem infraestrutura, sucateamento da educação pública, desemprego na casa das 13 milhões de pessoas e uma economia estagnada. Acrescente-se a esse quadro as características próprias da atual pandemia — um vírus com alta velocidade de transmissão e sintomatologia grave, para o qual ainda não há remédio ou vacina eficazes.

Talvez imune ao vírus, mas com toda certeza imune ao sofrimento humano, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem manifestado notória falta de preocupação com os brasileiros, com o risco das aglomerações que estimula, com a volta prematura ao trabalho, com um sistema de saúde que colapsa aos olhos de todos e até com o número de óbitos pela Covid-19, que totalizam, hoje, muitos milhares de casos —sobre os quais, aliás, já se permitiu fazer ironias grosseiras e cruéis.

Mas a sanha do presidente não para por aí. Enquanto o país vive um calvário, Jair Bolsonaro insufla crises entre os Poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família. Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública, e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos. Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar à exibição diária de sua triste figura, em pantomimas familiares e ensaios golpistas.

Preocupado com o amanhã e sob o peso do luto, o Brasil precisa contar com um governo que coordene esforços para a superação da crise, começando por ouvir a voz que vem das casas, das pessoas que sofrem, por todas as partes. Não há como aceitar um governante que ouve apenas radicais fanáticos, ressentidos e manipuladores, obcecado que está em exercer o poder de forma ilimitada, em regime miliciano-militar que viola as regras democráticas e até mesmo o sentido básico da decência.

Só resta sublinhar o que já ficou evidente: Jair Bolsonaro perdeu todas as condições para o exercício legítimo da Presidência da República, por sua incapacidade, vocação autoritária e pela ameaça que representa à democracia. Ao semear a intranquilidade, a insegurança, a desinformação e, sobretudo, ao colocar em risco a vida dos brasileiros, seu afastamento do cargo se impõe.

A Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos entende que as forças democráticas devem buscar, com urgência, caminhos para que isso se faça dentro do Estado de Direito e em obediência à Constituição.

José Carlos Dias
Presidente da Comissão Arns de Defesa dos Direitos Humanos e ex-ministro da Justiça (governo FHC)

Claudia Costin
Ex-ministra de Administração e Reforma (governo FHC)

José Gregori
Ex-ministro da Justiça (governo FHC)

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), ministro da Administração e Reforma do Estado e ministro da Ciência e Tecnologia (governos FHC)

Paulo Sérgio Pinheiro
Ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (governo FHC)

Paulo Vannuchi
Ex-ministro de Direitos Humanos (governo Lula).

*Todos são fundadores e representantes da Comissão Arns.

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