Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 08 Mai 2020
São diversas as análises sobre as causas do coronavírus ser tão devastador em alguns países e moderado em outros. No entanto, há um consenso que reforçar e investir nas políticas universais de Estado é necessário para mitigar os efeitos da pandemia na saúde e na economia. Mesmo assim, para Mario Abdo Benítez, o presidente do Paraguai, ainda é momento de se apostar em Estado mínimo. É neste contexto que o governo põe em andamento uma proposta de Reforma estutural do Estado, com a intenção de redução dos gastos públicos ao "mínimo necessário" - nas palavras do ministro da Fazenda.
O coronavírus mobilizou entidades e organismos de todo o mundo a reforçarem um Estado mais atuante e garantidor de serviços universais. O contágio exponencial do vírus demonstrou que serviços básicos frágeis afetam toda a população, levando o sistema de saúde ao colapso e à perda da maior parte da força de trabalho. No entanto, quanto mais restritivos são os serviços do Estado, mais as consequências da desigualdade se evidenciam. Populações pobres são reféns do mau atendimento sanitário, da insuficiência de recursos dos sistemas públicos de saúde e da necessidade de conquistar o sustento sem amparo estatal, e assim tornam-se as principais vítimas da covid-19. Essas constatações estão levando organismos como as Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional a defenderem maiores gastos em saúde e em assistência social.
O Paraguai se antecipou à disseminação do coronavírus no país e fechou fronteiras ainda em meados de março e tem aplicado com eficácia medidas de isolamento. Ao todo, o país apresenta 440 casos de covid-19 e apenas 10 mortes. O sucesso paraguaio levou o presidente do Congresso, Blas Llano, a se reunir com Abdo Benítez para discutir sobre a ameaça que a falta de controle do coronavírus no Brasil representa para os vizinhos.
Apesar da forte atuação do Estado em restringir a expansão do número de infectados, Benítez já articulava uma reforma administrativa para justamente “diminuir” o Estado. A construção do projeto veio a público em 31 de março, quando o país já estava em quarentena. Na ocasião, o governo aproveitou a proposta de redução de salários do funcionalismo público para a contenção de gastos no período da pandemia, para anunciar que a mesma medida seria efetivada a partir de 2021, a depender da (provável) aprovação do congresso.
O primeiro objetivo da Reforma é reduzir a folha salarial do funcionalismo, no entanto, inicialmente apenas os alocados no poder executivo. O ministro da Fazenda, Benigno López, conta com a aposentadoria de 60% dos funcionários públicos para repensar a legislação referente à contratação de servidores. Dados levantados pela think tank Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica - CELAG apresentam que a porcentagem de trabalhadores no serviço público no Paraguai é de 12%, abaixo dos níveis dos países da OCDE, que chegam aos 30%. Segundo o Banco Mundial, o gasto público do país foi de 15,6% do PIB em 2017, muito abaixo da média regional e menos da metade da média dos países desenvolvidos.
Outras medidas que serão incluídas na ampla Reforma do Estado seguem sendo construídas, apesar do rechaço de movimentos sociais e da oposição, liderada pela Frente Guasú. O governo divulgou que conversas estão sendo feitas junto ao legislativo e à classe empresarial, representada pela União Industrial Paraguaia, formando a “Cúpula dos Poderes”. Os movimentos contestam a exclusão das representações de trabalhadores, e acusam de oportunismo do governo por empreitar, nesta conjuntura, uma reforma tão importante. A Organização Nacional Campesina (ONAC) emitiu um comunicado contestando a quarentena imposta aos pobres enquanto os ricos seguem fazendo suas reuniões.
Do mesmo modo, as entidades sindicais, em documento firmado coletivamente pelo Dia do Trabalhador, rejeitam a proposta de Benítez, afirmando que “as claques políticas e empresarias pretendem aplicar uma receita de encolhimento do Estado e corte de direitos que acarretam em mais fome ao povo paraguaio”.
A Frente Guasú, coalizão do ex-presidente Fernando Lugo, tem apresentado diversas propostas contra os cortes do Estado no congresso, porém sem nenhuma aprovação. Medidas como o imposto sobre o tabaco - que é de 16% no país, enquanto no Brasil, por exemplo chega a 79%. O partido também pede pela taxação de grandes fortunas, e o aumento dos tributos sobre bebidas alcoólicas e a soja.
Com os movimentos em quarentena a oposição progressista sem força no Congresso, Benítez segue sua Reforma. De acordo com o ministro da Fazenda, os próximos passos são as reformas do sistema de proteção social, com intenção de vinculá-lo ao ministério da Saúde, do sistema educacional e da segurança pública.
Em declaração à rádio Universo, o ministro do Interior, Euclides Acevedo, instou por uma reforma integral. Segundo ele, “a crise do coronavírus aumentará o desemprego que produz migrações e resultam em superlotações, é um terreno fértil para o crime”. O ministro, que é o responsável pela segurança pública, pede que a Reforma deve dar “mais gestão política” para a Polícia Nacional.
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Paraguai. Reforma do Estado, durante a pandemia, sem participação social, prevê cortes no gasto público - Instituto Humanitas Unisinos - IHU