07 Mai 2020
As mulheres da área da saúde estão tendo o seu momento. Imagens de enfermeiras ousadas, vestidas com uniforme cirúrgico e prontas para a batalha contra o novo coronavírus são onipresentes hoje em dia.
O comentário é de Melissa Jones, jornalista da área de saúde e professora de Estudos Liberais na Brandman University, nos EUA. O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 06-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora cerca de 10% dos enfermeiros de hoje sejam do sexo masculino, a maioria das imagens que circulam atualmente na mídia convencional e nas mídias sociais é feminina. Finalmente, o público está vendo mulheres fortes, instruídas e experientes fazendo as coisas que elas têm feito há séculos – cuidando dos corpos, das mentes e dos espíritos de quem está doente.
Parece estranho afirmar que um livro sobre as mulheres italianas do fim da Renascença da área da saúde é relevante para a atual crise global da área da saúde, mas paralelos marcantes são encontrados em “Forgotten Healers: Women and the Pursuit of Health in Late Renaissance Italy” [Curandeiras esquecidas: as mulheres e a busca da saúde no fim da Renascença na Itália].
A autora, Sharon T. Strocchia, é professora de História na Emory University, que estuda a história social e cultural da Renascença na Itália, dentro do contexto mais amplo dos gêneros e da sexualidade europeus do início da Modernidade.
“Forgotten Healers” perpassa as categorias dos estudos de gênero, os anais da medicina e a história da Renascença. É uma monografia acadêmica, mas Strocchia é uma boa contadora de histórias, que usa figuras históricas interessantes para dar mais cor à pesquisa detalhada do livro.
Forgotten Healers: Women and the Pursuit of Health in Late Renaissance Italy
Como ocorre em muitas outras áreas da pesquisa acadêmica, as contribuições das mulheres aos cuidados de saúde foram entregues à sombra histórica devido ao seu status mais baixo, à desigualdade de renda e aos papéis sociais restritos. O valioso estudo de Strocchia aumenta os esforços acadêmicos contemporâneos para iluminar eventos e figuras históricas que anteriormente eram invisíveis devido ao viés de gênero.
Usando a classe como sua ferramenta organizadora, a autora discute as mulheres a partir de três situações socioeconômicas: as nobres, as freiras e as adolescentes de classe baixa recrutadas para trabalhar com os portadores de varíola. Se seus papéis fossem traduzidos para os títulos de carreira atuais, as mulheres descritas nesse livro poderiam ser vistas como pesquisadoras em eficácia farmacológica, farmacêuticas, gurus do marketing e do branding, profissionais da cadeia de suprimentos farmacêuticos, enfermeiras, editoras médicas, administradoras de hospitais, funcionárias públicas da saúde, em uma lista que poderia continuar.
Strocchia começa com uma análise dos papéis de duas mulheres de elite, Maria Salviati de’ Medici (1499-1543), que foi mãe do duque Cosimo I, e a esposa do duque, Eleonora de Toledo (1522-1562). Ela observa: “Ambas as mulheres exerceram influência real sobre as medidas preventivas de saúde, as rotinas diárias de atendimento e os processos cruciais de tomada de decisões como médicas domésticas”. Sendo nobre, Salviati foi educada e teve acesso a muitos recursos úteis, incluindo uma ampla rede de contatos pessoais influentes, livros e outros materiais educacionais. Ela usou esses recursos para desenvolver uma experiência semelhante à especialidade médica da pediatria.
Além de aprender farmácia e outras habilidades com o seu respeitado sogro, Eleonora acumulou suas próprias receitas e segredos médicos. Por meio do patrocínio e da concessão estratégica de dotes e favores médicos, ela usou a sua experiência em saúde como um instrumento de poder tanto dentro da corte, quanto nas extensas redes da corte.
Strocchia explica que a produção de cosméticos, produtos de bem-estar e remédios medicinais fornecia um apoio financeiro significativo para muitas comunidades de conventos dessa época. Algumas das mulheres nessas comunidades religiosas desenvolveram uma grande habilidade na produção desses produtos.
Um exemplo oferecido por Strocchia é a freira e farmacêutica Giovanna Ginori, que vinha de uma família local abastada e entrou no convento aos 12 anos de idade. Ela começou a trabalhar na farmácia do convento no início de sua carreira religiosa e foi colocada como aprendiz de uma mentora habilidosa que a ensinou a identificar e a processar ervas em remédios úteis e populares. Ela administrou a farmácia do convento, incluindo os seus elementos comerciais, durante 37 anos e ganhou respeito e fama pelas suas habilidades.
A história dessa freira é apenas um dos fascinantes retratos que Strocchia fornece para demonstrar o lugar das religiosas nos cuidados de saúde italianos da época.
A autora explica que os hospitais italianos do início do século XVI eram renomados em toda a Europa pelos seus cuidados de alta qualidade. Nessa época, a Itália também estava desenvolvendo instalações especializadas, como hospitais para tratar a sífilis e instalações de quarentena para isolar à força pacientes com a peste.
As enfermeiras realizavam a maior parte dos cuidados do dia a dia e eram centrais para o funcionamento dessas instituições, mas a maioria era analfabeta e não produzia artigos escritos, como as nobres e as freiras.
Em Florença, as enfermeiras do hospital da varíola eram meninas adolescentes da classe baixa. Elas eram recrutadas para esse trabalho difícil e perigoso com base na ideia de que o serviço de enfermagem as impediria de cair na prostituição. Ser enfermeira dos hospitais da varíola exigiam inúmeras habilidades essenciais para o cuidado e a segurança dos pacientes, incluindo o controle de farmácias e infecções.
Strocchia observa que, além da competência clínica especializada, “as enfermeiras hospitalares da Renascença também tendiam a fazer conexões mente-corpo complexas, ao ajudarem os pacientes a lidar com as consequências emocionais e espirituais do sofrimento”.
O novo coronavírus, tecnicamente, não é nem a varíola nem a peste, mas as enfermeiras ainda estão ao lado de pacientes altamente contagiosos, presentes firmemente para segurar a mão de um paciente e ajudar as famílias e os pacientes a lidar com as consequências físicas, emocionais e espirituais do sofrimento.
Nossas práticas farmacológicas, tecnológicas e clínicas são muito diferentes das da Itália renascentista, mas o livro de Strocchia é um lembrete de que o espírito de inovação e a missão da “curandeira” de aliviar o sofrimento humano perduram há séculos.
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Enfermeiras renascentistas saem das sombras em novo livro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU