30 Abril 2020
"O brasileiro que diz que ‘todo dia é um 7 a 1 diferente” precisa, mais uma vez, lidar com o seu palco da vida lotado de festas e expectativas, interrompido, momentaneamente, por mais um visitante indigesto: agora, um vírus. A negação num momento em que precisamos estar todos cônscios e colaborativos, fazendo jus mais que nunca do conceito de coletivo, está longe de ser a melhor alternativa para nos fortalecer quando estamos, como nunca antes, vulneráveis a nossa própria vida", escreve Joelmar F. C. de Souza, psicólogo clínico, filósofo e Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília – UnB.
Desde que o Governo Federal, em conjunto com o Ministério da Saúde, informou à população brasileira sobre os riscos da pandemia do COVID-19 e a necessidade de isolamento social como, até então, o método mais indicado para o combate a essa condição epidemiológica, têm-se notado o aumento das incertezas em relação ao futuro e uma sensação sempre recorrente de um risco iminente a saúde pública.
Se por um lado, os brasileiros parecem adotar um senso de recusa ao aparecimento de tal vírus, como se isso fosse por si só, suficiente para nos deixar imune a um problema mundial real e que vem afetando, pelo menos, desde o ano de 2019, diversas comunidades; por outro lado, há os que deslumbram a pandemia como o mais novo holocausto potencializado por um inimigo “invisível” e minúsculo, apto a destruir sociedades inteiras e realizar o apocalipse tão aguardado das Sagradas Escrituras.
Oscilante entre a negação e o pânico, o Brasil precisa ainda descobrir uma forma genuína de lidar com o acaso – com o imprevisto da vida. Daí ai importância de tentarmos, o máximo possível, aceitar e elaborar dialogicamente soluções para uma condição que se apresenta como uma demanda sobre nós.
Como sabido desde Freud, o mecanismo de defesa da negação é um recurso inconsciente para afastar de nós tudo aquilo que se mostra indesejável e/ou insuportável para o Eu. Já provido de um mecanismo assim, não seria difícil encontrar alguém disposto a afirmar que: “O coronavírus não é um problema: é apenas uma gripezinha”.
Contudo, negar a realidade tal qual ela se configura diante de nós pode trazer efeitos drásticos a obtenção de informações necessárias para suportarmos e superarmos o momento atual. Além disso, a negação na medida em que se mantém, pode também propiciar consequências desastrosas àquele que nega – pois, ao negar e não se implicar com a sua própria angústia, essa angústia não cessa por inteiro, mas retorna (podendo, inclusive, voltar de forma altamente destrutiva contra o sujeito defendido na sua negação).
A negação brasileira é tão diversa quanto a sua própria população. Ela se esquiva da dor pelo riso, pelos memes, pelas piadas sempre prontas a trazer um traço de ironia perante o desabrochar da incerteza e do risco.
O brasileiro que diz que ‘todo dia é um 7 a 1 diferente” precisa, mais uma vez, lidar com o seu palco da vida lotado de festas e expectativas, interrompido, momentaneamente, por mais um visitante indigesto: agora, um vírus. A negação num momento em que precisamos estar todos cônscios e colaborativos, fazendo jus mais que nunca do conceito de coletivo, está longe de ser a melhor alternativa para nos fortalecer quando estamos, como nunca antes, vulneráveis a nossa própria vida.
Precisaríamos, inclusive, nos interrogar se se manter em estado de negação, agora, não seria (desde já ou posteriormente) facilitar uma atitude perversa em relação aos mais fragilizados e em grupos de riscos.
De toda forma, a negação não tem o poder de reconfigurar o Real – apesar de sim, de conseguir ser muito eficiente em nos fornecer uma realidade muito mais “acomodada” a nossa imaginação. Alguns que negam o coronavírus querem apenas negar a morte ou a sua possibilidade. E isso é comum, já que para mantermos na vida, precisamos sublimar a morte – fazer do Real um “impossível”.
A negação chega como um postulado: ”Não, não precisamos entrar em pânico com isso”. Mas, o que se diz na verdade, é: “Não, eu não quero e não posso entrar em pânico com isso, e por isso, negarei a tudo isso”. Assim, o Brasil segue dividido entre a negação (dos que não querem entrar em pânico) e o pânico (dos que já o presume).
Vivemos em um momento que pode potencializar o desenvolvimento de crises psiquiátricas, como a síndrome do pânico. Isto, porque, atualmente, muitos estão submetidos a pelo menos três fatores de risco: situações de estresse extremo, mudanças radicais no estilo de vida e morte e/ou enfermidade de um alguma pessoa próxima do nosso convívio. Com isso, alguns sintomas podem ser produzidos, como: sensação de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento, medo de não conseguir manter o controle, medo de morrer ou de viver alguma tragédia, impressão de estar vivendo fora da realidade, aceleração do batimento cardíaco, tontura, entre outros.
Com as crises de pânico, pode ser comum, que alguns pacientes com este diagnóstico psiquiátrico apresentem um medo excessivo de repetir o episódio de pânico – o que desenvolve o acometimento de novas ansiedades patológicas. Nestes casos, é importantíssimo que quem sinta algumas destas alterações procure por profissionais especializados, como psicólogos e/ou psiquiatras, para que estes possam acolher e iniciar o tratamento destes pacientes. Aos que já se encontram em terapia ou atendimento psiquiátrico ambulatorial, a recomendação é que se fale com os referidos trabalhadores da saúde acerca de como tem sido para estes pacientes, lidar com a condição humana frente a uma situação atípica como esta.
De modo geral, é preciso que elaboremos o nosso pânico e todos os medos que têm pairado sobre a existência – seja ele o medo do contágio, da morte, do desemprego, da recessão. Problematizar as razões que nos colocam em pânico já é dar sentido a ele. E, dando sentido ao nosso medo, podemos torná-lo factível, decifrável e disposto a análise da consciência. Afinal, quando elaboramos o nosso sintoma, atingimos também, aquilo que o fundamenta. Ou seja, nossos medos são fundamentados pela nossa história pessoal e pela forma como, discursivamente, damos sentido à realidade que nos cerca.
Fundamentar os nossos medos, hoje, é partir do medo enquanto uma tomada de consciência e ir em direção a uma ética do cuidado de si que seja também uma resistência perante uma ameaça exterior chamada de COVID-19. Isso quer dizer que o medo e o pânico não precisam ser o destino final ou paralisante diante da pandemia que vivemos. Pelo contrário, devemos, a partir do medo criar condições de aprofundarmos o nosso senso de cuidado pessoal e coletivo. Devemos e, assim se espera, fazer da ameaça e dos riscos que estamos sujeitos, um movimento subversivo de fortalecimento e reinvenção da vida.
Certo dia, Baruch de Espinosa, em sua obra disse: “Não rir, nem lamentar-se, nem odiar, mas compreender”. Em paráfrase, podemos dizer: “Não negar, nem desesperar, mas entender”! E compreender, implica necessariamente, aumentar a nossa potência através do conhecimento racional. Em tempos de coronavírus, a negação e o pânico, só nos roubam a grata possibilidade de passarmos por tudo isso, podendo nos reinventar e sermos melhores do que já fomos. Que não nos neguemos a conhecer! Pois só o conhecimento pode nos ajudar a suportar e superar o que há de ser.
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“Psicologia” da Negação e do Pânico em tempos de coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU