25 Abril 2020
"O Brasil que investiu na produção de commodities e apostou todas as “suas fichas” no sonho de riqueza do pré-sal, agora vai viver o pesadelo dos preços baixos dos combustíveis fósseis e do estouro da bolha de carbono", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 24-04-2020.
“Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras,
a Era do Petróleo chegará ao fim, não por falta de óleo”.
Ahmed-Zaki Yamani
A economia mundial cresceu, nos últimos 250 anos, em função dos combustíveis fósseis (primeiro carvão mineral, depois petróleo e gás). O petróleo tem um protagonismo de pelo menos 150 anos. Nos 100 anos de aproximadamente de 1875 a 1975 o preço do petróleo (em termos reais) variou pouco e não sofreu grandes oscilações, sendo que entre 1943 e 1973 teve os menores preços da história (foi a época do grande crescimento econômico conhecido como os “30 anos gloriosos”).
Mas a partir do choque do petróleo da década de 1970, os preços não só subiram muito, como ficaram muito voláteis. O século XXI começou com uns dos preços reais mais baixos da história (equivalente ao início dos anos 1970) e subiu rapidamente para alcançar o preço mais elevado da história em 2008 (antes da crise financeira de 2008/09), para logo em seguir sofrer uma das quedas mais rápidas e profundas em 2009. Voltou a subir até 2013 com a recuperação pós crise e o rápido crescimento chinês e indiano e iniciou uma fase de queda profunda depois de meados de 2014. Nos anos de 2015 a 2019 variou em torno de US$ 50 (com variação de 20% para cima ou para baixo). Mas com a pandemia da covid-19 o preço do barril WTI entrou em colapso e chegou a níveis negativos e inimagináveis por alguns dias.
Óbvio que preços negativos não se sustentam e o que aconteceu foi que a crise gerada pelo novo coronavírus agravou um problema de curto prazo com a redução da demanda pelos combustíveis fósseis num momento em que as distribuidoras estavam com os estoques cheios e não há mais lugar para o armazenamento do que está sendo produzido. Isto pegou os especuladores do mercado futuro em posições críticas.
Mas, indo além do imbróglio conjuntural, existe de fato um problema estrutural que já foi antecipado e estudado que é a “Bolha de Carbono”.
Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a bolha de carbono é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis fósseis. Uma análise do desempenho econômico da indústria petrolífera mostra uma situação insustentável diante da redução do preço médio do barril de petróleo que acontece desde junho de 2008, quando o valor mensal chegou a US$ 133,93, como mostra o gráfico acima.
Segundo Gail Tverberg, com base em uma apresentação de Steven Kopits, Diretor da Douglas-Westwood, mostra que as grandes empresas de petróleo, de capital aberto, estão em dificuldade, pois aumentaram as despesas de capital (Capex) – gastos como exploração, perfuração e implantação de novas plataformas de petróleo offshore – mas tiveram a producão de petróleo bruto reduzidas desde 2006. O mercado financeiro esperaria que a produção de petróleo bruto subisse quando o Capex aumentasse, mas Kopits mostra que, de fato, desde 2006, o Capex tem continuado a aumentar.
De fato existe uma contradição insolúvel para os produtores de combustíveis fósseis, pois se a demanda e o lucro aumentarem as emissões de gases de efeito estufa explodem e fazem disparar aceleradamente o aquecimento global, que é a maior ameaça existencial à humanidade. Mas se todos os países do mundo cumprirem as metas do Acordo de Paris, então o preço dos combustíveis fósseis e o valor de mercado das grandes petroleiras vai cair necessariamente. Portanto, a bolha de carbono significa uma crise para o mercado de petróleo e, em especial, para a produção de gás de xisto e para a produção de petróleo em águas profundas, ambas com altos custos de produção.
Tudo isto é péssimo para a economia brasileira, pois os sucessivos governos resolveram investir pesadamente nas águas abissais do pré-sal (com alto custo de produção) e agora como o estouro da bolha de carbono o país vai enfrentar os efeitos negativos das relações de custo e benefício dos preços dos produtos do pré-sal. Aquela ideia que diziam que o pré-sal é “um bilhete premiado” e “um passaporte para o futuro” na verdade se transformou em “bilhete maldito” e em um passaporte para o futuro do pretérito.
Com os preços menores do petróleo, os royalties também serão menores e os estados e municípios que dependem das receitas do pré-sal vão ficar em situação difícil neste momento que o mundo vive a maior recessão da história do capitalismo, que há um grande déficit público e que a pandemia de covid-19 não arrefece a emergência da saúde pública nacional e global.
O fato é que o Brasil optou por um modelo de reprimarização da economia, com desindustrialização e “especialização regressiva”. A fase do super ciclo das commodities já passou e não deve voltar tão cedo. Assim, o país vai ter dificuldades para aumentar as exportações e elevar a capacidade de importação de produtos tecnologicamente sofisticados e até produtos simples, como a crise da covid-19 mostrou a dependência da importação de simples máscaras faciais, respiradores e de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Enfim, o Brasil que investiu na produção de commodities e apostou todas as “suas fichas” no sonho de riqueza do pré-sal, agora vai viver o pesadelo dos preços baixos dos combustíveis fósseis e do estouro da bolha de carbono.
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A pandemia da covid-19, a bolha de carbono e o menor preço do petróleo em 150 anos. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU