12 Março 2020
Hoje, o adulto não representa mais o polo de cumprimento e de maior esplendor da existência humana: ele literalmente eclipsou, comprometendo radicalmente a transmissão da fé entre gerações.
É dessa conscientização que parte o livro “Pastoral 4.0: eclissi dell’adulto e trasmissione delle fede alle nuove generazioni” [Pastoral 4.0: eclipse do adulto e transmissão das fés às novas gerações], o novo ensaio (Àncora Editrice, 118 páginas) de Armando Matteo, professor de teologia fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana.
Nesse livro, o autor propõe uma verdadeira revolução copernicana da mentalidade pastoral. Desse texto, publicamos alguns grandes trechos tirados da sua introdução, intitulada “A loucura da pastoral”.
O texto foi publicado em Avvenire, 11-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Atribui-se a Albert Einstein uma observação tão elementar quanto iluminadora sobre o ritmo das coisas do mundo, que se adapta bem para delinear sinteticamente o cenário da Igreja atual; em particular, o cenário ligado ao contexto ocidental.
A observação é a seguinte: “Não podemos pretender que as coisas mudem se continuarmos fazendo sempre as mesmas coisas”. Pensando bem, é exatamente isso: esperar obter resultados diferentes, colocando sempre em ação os mesmos mecanismos, no fim das contas, nada mais é do que uma pura pretensão ou, para sermos ainda mais precisos, uma autêntica forma de loucura.
Somente quem está tomado por uma espécie de loucura, na verdade, pode imaginar anunciar para a estação seguinte a venda de feijões (os resultados novos), enquanto joga na terra do seu campo sementes de ervilha (as ações de sempre). No entanto, com relutância, é claro, não podemos deixar de reconhecer que está em curso uma verdadeira “loucura” por parte de inúmeros operadores pastorais.
O caso mais surpreendente diz respeito à administração dos sacramentos, autênticos gols contra do sistema eclesial contemporâneo. Mais do que representar o cumprimento de um caminho de crescimento dentro da experiência de fé, eles se tornaram, há muito tempo, na grande maioria dos casos, a celebração pública do início de um caminho fora da vida eclesial, até aquele ponto, de algum modo, frequentada por aqueles que se preparavam para o sacramento, mesmo que apenas para participar dos encontros preparatórios.
Todos sabem, por exemplo, o que acontece com a administração da Crisma, ou seja, que é precisamente com ela que é sancionada oficialmente a ruptura entre as novas gerações e a Igreja, mas nada de substancial mudou nos últimos anos a esse respeito, exceto talvez a convicção cada vez mais enfraquecida ao longo do tempo com que se anunciava e ainda se anuncia que se quer mudar alguma coisa.
Enquanto isso, continuamos administrando esse sistema falimentar, esperando sempre resultados diferentes: ou seja, que, com a Crisma, podemos celebrar o ingresso dos jovens no mundo dos fiéis adultos. Algo de análogo poderia ser dito, e é dito ainda mais amargamente, sobre o modo em que é celebrada a Eucaristia dominical: aqueles que a frequentam são cada vez menos e, em geral, cada vez mais velhos, assim como é cada vez menor a atenção que a comunidade dirige a esse momento central da vida de fé (pense-se que, em alguns lugares, continuam sendo previstas até quatro eucaristias dominicais, enquanto os participantes de cada missa continuam diminuindo vistosamente), e são cada vez mais velhos os cantos executados, quando são executados.
Repete-se corretamente e com correta convicção que a Eucaristia dominical é o coração da vida de fé, e que tudo deve ter nela o seu início e o seu cumprimento. Também se desejaria que essas palavras correspondessem a pelo menos alguma coisa na realidade, mas o que se faz para que as palavras se tornem realidade é quase sempre e apenas repetir o que levou a fazer com que a realidade se afaste cada vez mais das convicções de fé a respeito da Eucaristia dominical: os mesmos horários, os mesmos cantos (quando há), a mesma preparação, o mesmo estilo homilético; em suma, a mesma pretensão inédita de que as coisas ocorram de maneira diferente, embora fazendo as coisas de 50 ou 60 anos atrás.
Os exemplos de tal “loucura” da pastoral, no sentido referido acima de esperar resultados diferentes com a implementação dos mesmos mecanismos, obviamente poderiam se multiplicar. O ponto delicado da questão é agora, que, nessas condições, certamente não se anuncia um bom futuro para a Igreja. O fosso cada vez mais largo, que a comunidade dos fiéis deve registrar entre o seu universo e o das novas gerações, por um lado, e o fosso não menos largo das mulheres que transitam para uma maturidade, por outro (apenas para citar os “casos sérios” da pastoral das últimas décadas) também deveriam constituir, para os operadores pastorais, aquela pedra de tropeço capaz de abrir os olhos para a estranha loucura que parece dominar o seu agir. E deveriam levá-los a uma irrefutável evidência: a “mentalidade pastoral” que governa a vida diminuta das paróquias não está mais à altura da situação.
Para resultados diferentes, são necessárias ações diferentes; para ações diferentes, é necessária uma mentalidade diferente. Mas as coisas nem sempre são assim. Basta pensar, por um momento, na timidez com que a questão da irrelevância da fé para as novas gerações foi abordada no Sínodo dos Bispos celebrado em outubro de 2018.
De qualquer forma, é precisamente na direção da necessária renovação da mentalidade pastoral que, desde os seus primeiros passos, o magistério do papa Francisco se move corajosamente. Falando com autoridade no Congresso Internacional da Pastoral das Grandes Cidades, em novembro de 2014, ele afirmou que o primeiro e talvez o mais difícil desafio que a comunidade cristã tem diante de si hoje é o de “implementar uma mudança de mentalidade pastoral”. E exclamou com força: “É preciso mudar!”.
Trata-se, aliás, de uma atitude totalmente coerente com o seu olhar sobre a realidade. Há algum tempo, na verdade, ele convida os fiéis a reconhecerem que não se encontram diante de uma época de mudança, mas sim de uma verdadeira e radical mudança de época; à qual só pode corresponder uma mudança de mentalidade pastoral igualmente verdadeira e radical.
Em suma, não é apenas da base da realidade das coisas, mas também do alto do magistério petrino que chega um claro sinal aos responsáveis locais da pastoral. Eles devem reconhecer que agora é o tempo de parar de crer no absurdo de poder obter resultados diferentes – pensamos aqui apenas em uma presença renovada e em um protagonismo eclesial renovado das novas gerações ou em eucaristias dominicais capazes de marcar o tempo e o espaço das comunidades que as celebram – levando em frente as coisas que sempre são feitas.
Para um futuro possível da Igreja, pelo menos no Ocidente, portanto, está em jogo uma necessária mudança da mentalidade pastoral, isto é, do modo com que se organiza a sua vida e o seu agir em geral, em um tempo e em um lugar: e, portanto, neste tempo e neste lugar. A esse respeito, é preciso repetir as palavras do pontífice: é preciso mudar (...).
O contexto em que os cristãos se veem testemunhando a sua fé, de fato, não concede mais qualquer confiança a uma antropologia do crescimento, do amadurecimento, do tornar-se grandes e adultos. As novas coordenadas econômicas, os progressos da medicina e da farmacêutica, a emancipação e as inúmeras conquistas culturais e sociais das mulheres, dos homossexuais e de todos os grupos marginalizados, sem esquecer a incrível longevidade masculina, tornam as atuais gerações adultas as primeiras verdadeiramente apaixonadas por esta terra.
Para elas, a Salve Regina, com as suas lágrimas, o seu exílio, os seus gemidos talvez seja agora apenas uma citação piedosa; e um certo cristianismo, totalmente ligado à angústia da morte, à imitação da paciência do Cristo sofredor e da Virgem sempre obediente, à necessidade da contenção da frustração e ao recurso permanente ao sentimento de culpa para despertar sentimentos de responsabilidade e de dívida em relação a Deus, à Igreja e à sociedade, de repente, se tornou simplesmente irreal.
O ponto é que realmente estamos diante de uma total transvaloração dos valores fundantes e fundamentais da existência humana. No lugar de uma antropologia que atribuía ao adulto o pleno cumprimento do humano, impôs-se aquilo que o papa Francisco chamou, de modo pertinente, de “adoração da juventude”. O humano jovem é hoje o único modelo e o modelo único de toda vida plenamente desejável.
Assim, vem à tona uma antropologia jovem, “anti-age”, leve, poderosa, inocente, que pode ser fácil e constantemente reescrita, que é cada vez mais exaltante e que, dia após dia, conquista o coração dos homens e das mulheres do nosso tempo.
Certamente, como toda coisa humana, tal antropologia da juventude não é desprovida de efeitos colaterais e de custos, que afetam particularmente as novas gerações. De fato, onde todos desejam permanecer jovens para sempre, os jovens de verdade – isto é, de 20 e 30 anos de idade – são literalmente expulsos. Assim como não é desprovida de efeitos discutíveis para os próprios adultos: pensemos apenas no poder de persuasão que a publicidade tem em relação a eles, que os leva a acreditar, por exemplo, na existência de produtos capazes de parar a perda de cabelos e consequentemente, a gastar de modo imbecil uma grande quantidade de dinheiro, quando todos sabem que a única realidade realmente capaz de parar a queda de cabelo é o chão!
E esse é apenas um pequeno sintoma daquela economia da imbecilidade que hoje governa muitas coisas na existência daquele que já foi “homo sapiens sapiens” antes de se tornar “homo iuvenis iuvenis”!
De todos os modos, essa é a mudança de época com a qual é preciso fazer as contas: os adultos não querem crescer, e os jovens não podem crescer; os adultos se imbecilizam, e os jovens se deprimem.
Para corresponder a isso, este ensaio propõe aos fiéis uma “revolução copernicana” da mentalidade pastoral: do compromisso voltado a acompanhar as novas gerações para entrar naquela que foi a “porta estreita” da condição adulta, à qual a religião cristã, precisamente, oferecia palavras de encorajamento e de consolação, a um trabalho de acompanhar a todos (crianças, jovens, adultos e também alguns anciãos) a se cruzarem com Jesus – o homem da alegria e a alegria do homem.
Portanto, a proposta, em extrema síntese, é a de passar de um cristianismo da consolação para um cristianismo do enamoramento: isto é, graças ao qual possamos nos enamorar de Jesus e nos tornar cristãos.
Tal passagem também é recomendada, além disso, a fim de redescobrir a aventura e a plenitude que só podem brotar de uma existência plenamente doada à felicidade alheia; e, portanto, a fim de dar novo crédito ao processo de humanização ligado ao acesso à condição adulta da existência, mesmo que nas condições socioeconômicas em transformação mencionadas acima.
De fato, existe uma beleza secreta de ser adulto que deve ser “salva” a todo o custo, para não perder a humanidade do humano. O adulto é alguém que conhece as fadigas da vida e, mesmo assim, não deixar de crer nos recursos da vida e de testemunhar essa confiança para as gerações que vêm ao mundo. E tal beleza necessária do ser adulto é revelada levada a cumprimento precisamente por Jesus: ninguém foi mais humano do que ele, porque ninguém foi mais adulto do que ele. Ou seja, mais doado à felicidade alheia e mais crente na vida até mesmo dentro da morte.
Trata-se, então, de reconhecer a necessidade de passar de uma Igreja que, por meio dos seus ritos e das suas promessas, dá luz à vida (ainda supostamente dura) dos adultos para uma Igreja que dá à luz os adultos que hoje são necessários, graças ao encontro com Cristo; aqueles adultos que hoje são necessários para a vida boa das novas gerações e, mais em geral, do mundo inteiro.
Por isso, acabou o tempo de refletir sobre o futuro da Igreja. É hora de pôr as mãos na Igreja do futuro.
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Uma revolução copernicana para a “mentalidade pastoral”. Artigo de Armando Matteo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU